O tempo passa mesmo depressa. Neste caso, já lá vão 25 anos. Groundhog Day, que chegou a Portugal com a tradução de Feitiço do Tempo, era um filme escrito por Harold Ramis e Danny Rubin que cruzava Bill Murray e Andie MacDowell na pequena cidade de Punxsutawney, na Pensilvânia. Murray, ou Phil Connors, apresentava a meteorologia mas foi escolhido para cobrir o famoso Dia da Marmota que a localidade celebrava. Não gostou por aí além da ideia, sendo que esse era o pior dos seus problemas: cada dia que acordava, vivia as mesmas situações, cruzava-se com as mesmas pessoas, assistia aos mesmos acontecimentos. Por mais que tentasse levar o facto com um sorriso ou acordasse a partir o despertador, estava preso no tempo.
https://observador.pt/2018/12/18/fc-porto-moreirense-dragoes-procuram-14-a-vitoria-consecutiva-para-chegarem-aos-quartos-da-taca/
Na altura, o filme passou um pouco ao lado dos holofotes da fama. Para alguns, era mesma qualquer coisa banal, muito abaixo em termos de enredo para os atores principais que reunia. Com a devida distância temporal, tornou-se um verdadeiro clássico. Não se trata propriamente de ser muito bom ou uma obra prima, mas transformou-se em algo que todos sabem reconhecer. O Dia da Marmota celebrava-se nesse caso a 2 de fevereiro mas este FC Porto de Sérgio Conceição tem vivido um efeito muito semelhante, com a diferença de não estar muito preocupado com isso. Os adversários mudam, a equipa inicial nem sempre é a mesma mas as vitórias sucedem-se. Uma, duas, três, 12, 13, 14. E o Moreirense foi a última vítima.
Nem tudo foram facilidades neste percurso. A receção ao Varzim, para a Taça da Liga, foi um jogo sempre aberto e que só a meio da segunda parte conheceu uma definição. A partida na Madeira trouxe também muitas dificuldades. O jogo que valeu a liderança no Dragão diante do Sp. Braga só teve um golo mesmo em cima do minuto 90. A recente deslocação aos Açores andou em aberto até ao apito final. No entanto, passo ante passo, aquele compromisso assumido pela equipa azul e branca depois da derrota na Luz frente ao Benfica tem vindo a ser cumprido e continua a bater recordes, chegando agora a um pequeno passo do registo máximo do clube. Por muito que os adversários tenham valia, o grande adversário dos portistas é outro. E foi esse mesmo adversário que abriu portas ao Moreirense para ameaçar levar o jogo para o prolongamento nos descontos (4-3).
O FC Porto operou a 5.ª reviravolta da época, a 3.ª nos 4 últimos jogos:
➡Aves (3×1)
➡Varzim (4×2)
➡Portimonense (4×1)
➡Santa Clara (2×1)
➡Moreirense (4×3) pic.twitter.com/GDCqC75wbv— Playmaker (@playmaker_PT) December 18, 2018
Ficha de jogo
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FC Porto-Moreirense, 4-3
Oitavos de final da Taça de Portugal
Estádio do Dragão, no Porto
Árbitro: Carlos Xistra (AF Castelo Branco)
FC Porto: Fabiano; Maxi Pereira, Felipe, Militão, Alex Telles; Danilo (Sérgio Oliveira, 78′), Herrera; Otávio (Hernâni, 12′), Adrián López, André Pereira (Brahimi, 60′) e Marega
Suplentes não utilizados: Casillas, Mbemba, Corona e Soares
Treinador: Sérgio Conceição
Moreirense: Pedro Trigueira; D’Alberto, Iago Santos, Ivanildo, Bruno Silva; Neto (Halliche, 46′), Loum (Alan Schons, 69′), Pedro Nuno (Chiquinho, 46′); Heriberto, David Texeira e Pato Rodríguez
Suplentes não utilizados: Nuno Macedo, João Aurélio, Bilel e Arsénio
Treinador: Ivo Vieira
Golos: Texeira (8′), Felipe (13′), Hernâni (16′), Iago Santos (45+1′), Marega (65′ e 89′) e Heriberto (90+2′)
Ação disciplinar: cartão amarelo a Danilo (48′), Loum (65′) e Ivanildo (84′)
Na antevisão do encontro com o Moreirense, Sérgio Conceição destacou que, quando falou nos horários a que joga e numa espécie de “ditadura” das transmissões televisivas, estava apenas a ter um desabafo. No fundo, não queria que isso fosse interpretado como uma desculpa para resultados ou exibições menos conseguidas. Todavia, percebe-se pela própria rotatividade que o técnico faz que é um problema: esta noite, tratando-se de uma prova a eliminar, não prescindiu do tridente que garante a coesão mais defensivas (Felipe-Éder Militão-Danilo) e lançou mais uma vez Marega no onze. Fisicamente, há unidades fulcrais neste FC Porto mais “espremidas” mas nem é tanto por aí que os sucessos vão acontecendo – é pela resposta que os menos utilizados vão dando em campo sempre que merecem uma oportunidade, que tomam como se fosse uma “final”.
Ainda assim, e como em qualquer filme, nem tudo sai à primeira. Há takes que correm totalmente ao contrário do que devia, há imprevistos que acabam por dificultar a missão de quem tenta apenas contracenar com o guião que se tornou costume desde 19 de outubro, dia em que os dragões venceram em Vila Real para a Taça de Portugal por 6-0. Foi isso que aconteceu no Dragão logo a abrir: já depois de uma primeira ameaça de Pedro Nuno de longe (que também não passou assim tão perto), o médio ofensivo aproveitou o espaço deixado pelos azuis e brancos na transição, abriu para para a rutura de Heriberto e Texeira, ao segundo poste, teve apenas de encostar para o 1-0; a seguir, Otávio, em lágrimas, teve de sair por lesão (12′).
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A equipa sentiu a dor do brasileiro naquele momento. No relvado ou no banco de suplentes, foi percetível a preocupação com o que se passara com o companheiro de equipa, impotente perante aquela que parece ter sido mais uma lesão muscular e que pode obrigar a nova paragem numa altura em que o calendário está particularmente sobrecarregado. Ato contínuo, foram precisos apenas quatro minutos para dar a volta ao texto: Felipe empatou de cabeça na sequência de um canto batido por Alex Telles onde os cónegos ficaram muito aquém nas marcações (13′); Hernâni consumou a reviravolta numa grande jogada que começou com um passe longo para Adrián López antes de mais um sprint até à área para rematar ao ângulo (16′).
Os dois golos de rajada tiveram efeito no Moreirense. O conjunto de Ivo Vieira, que tem estado a fazer uma grande época até ao momento sobretudo pela capacidade em termos ofensivos que vai mostrando nos estádios e com os adversários mais difíceis, foi perdendo fluidez em posse e permitiu que o FC Porto, na zona de conforto do jogo, pudesse criar três boas oportunidades para aumentar o resultado, por André Pereira, Marega e Danilo (pelo meio, houve um remate forasteiro, para defesa fácil). No entanto, a grande debilidade até aí dos visitantes acabou por ser a sua força para restabelecer o empate nos descontos da primeira parte: após um livre lateral na direita do ataque, Iago Santos surgiu mais alto do que a defesa portista para desviar ao ângulo da baliza de Fabiano, naquele que foi o primeiro golo da temporada (45+1′).
Ivo Vieira arriscou ao intervalo. Percebia que, com alguma fortuna à mistura, conseguiria surpreender no Dragão e quebrar a série de triunfos consecutivos do FC Porto. Colocou Halliche, um central, mas lançou também Chiquinho, numa abordagem nova com tanto de diferente como de arrojada. Queria, sobretudo, explorar o espaço que era dado pelos visitados nas transições, que quase convidava a um maior risco para chegar à baliza contrária. A intenção, na teoria, fazia sentido mas o resultado prático não se sentiu: apesar de não haver grandes oportunidades até meio da segunda parte (exceção feita a duas bolas paradas dos azuis e brancos, uma delas com protestos veementes de Danilo que valeram o amarelo), o Moreirense não “esticava”.
Ao invés, foi o FC Porto a explorar da melhor forma a profundidade com a grande referência ofensiva, Marega, a ser servido pelos dois alas que tinham saído do banco. Na primeira ocasião flagrante, Trigueira fez uma defesa monstruosa a adiar o 3-2 (58′); na segunda, o guarda-redes já nada conseguiu inventar e os dragões adiantaram-se de novo no marcador (65′). Apesar das dificuldades colocadas pela muralha defensiva dos cónegos, sempre muito organizada e fechando bem os espaços, foi com velocidade que o FC Porto colocou a quarta e a quinta. Perdão, a 14.ª. E a 15.ª, como novo objetivo no próximo domingo.
A um minuto do fim, quando Brahimi voltou a ser mágico e viu a linha de passe que poucos ou nenhuns imaginavam, Marega surgiu isolado frente a Trigueira e, com grande classe, picou a bola por cima do guardião visitante para o 4-2. Jogo fechado? À partida sim, mas não há filme que não tenha sempre os seus problemas quando tudo parece resolvido e foi isso que aconteceu ao FC Porto, que já estava também sem Danilo em campo por lesão: Heriberto, nos descontos, reduziu para 4-3 com um grande remate de fora da área; e Texeira, com um cabeceamento forte na área após cruzamento da direita, fez pairar o empate, evitado por Fabiano para canto. Os dragões tinham o encontro controlado, baixaram os níveis de concentração e por pouco não foram parar a um melodrama com pelo menos meia hora de prolongamento. Assim, continuam parados no tempo (da vitória). E com a perspetiva de igualarem em caso de triunfo o recorde das 15 vitórias seguidas de Artur Jorge.