Os advogados já estavam todos à porta da sala de audiência quando o presidente do coletivo de juízes veio dar as más notícias: por falta de funcionários judicias, a leitura da sentença — que chegou a estar marcada para setembro — voltou a ser adiada. Agora, só em janeiro.
Passavam dez minutos das quatro da tarde quando Francisco Henriques apareceu junto dos advogados. A frustração era notória nos rostos das equipas que representam Miguel Macedo, António Figueiredo, Manuel Jarmela Palos e outros antigos altos responsáveis do Estado. “Eu andei estas noites todas a deitar-me às quatro e cinco da manhã”, justificava-se o presidente do coletivo.
A leitura fica, assim, adiada para janeiro. De forma informal, advogados e juiz apontaram a dia 4 de janeiro, às 10 horas da manhã, para finalmente ser lida a sentença de um processo em que o ex-ministro da Administração Interna é acusado de três crimes de prevaricação e um crime de tráfico de influências.
“Consideram-se todos notificados?”, perguntou um dos advogados ao grupo. “Então, bom Natal.” Minutos depois, o piso três do edifício estava vazio.
Vistos Gold. Ministério Público admite penas suspensas inferiores a 5 anos
Miguel Macedo é a figura mais mediática de uma investigação batizada de Operação Labirinto. Em março, quando equipas de defesa e Ministério Público fizeram as alegações finais, o procurador José Niza admitia que o ex-ministro da Administração Interna — que se demitiu do Governo precisamente por causa deste processo — pudesse não cumprir pena de prisão, ainda que pedisse uma condenação “não superior a cinco anos”.
Nesse momento, o Ministério Público mostrava-se convicto de que o decurso do julgamento permita ao tribunal sustentar a “condenação dos arguidos”, embora o procurador tenha admitido que pudesse não ser dado como provada “a totalidade dos factos”.
Vistos Gold. Os quatro crimes que podem valer cinco anos de pena suspensa a Miguel Macedo
Só no caso do empresário Jaime Gomes o Ministério Público foi lacónico: “Impõe-se uma condenação a pena de prisão efetiva”, disse o procurador. José Niza disse também que, “com exceção de António Figueiredo, todos os demais arguidos devem ser condenados empenas únicas não superiores a cinco anos de prisão”.
O procurador excluiu desse rol o antigo presidente Instituto de Registos e Notariado António Figueiredo por considerar que Figueiredo devia ser condenado a uma pena de até oito anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, tráfico de influência e prevaricação. Também devia ficar impedido de exercer funções públicas durante dois a três anos.
Os principais crimes em causa
Os helicópteros Kamov
O Ministério Público acusa Miguel Macedo de ter enviado o caderno de encargos do concurso para a gestão de seis helicópteros Kamov usados no combate aos fogos florestais, antes ainda de o documento ser tornado público.
A Everjets acabou por apresentar-se a concurso sem ter levantado o caderno de encargos — sinal de que o obteve por outra via, algo que o Ministério Público considera ter representado uma vantagem indevida da empresa. No julgamento, o procurador José Niza lembrou que a FAASA “veio a fazer trabalhos à Everjets”. A tese do Ministério Público é a de que o documento foi enviado do e-mail oficial de Miguel Macedo para Jaime Gomes e que o gestor o fez chegar à Everjets, através dos espanhóis da FAASA.
Macedo não contestou em tribunal que tenha, de facto, enviado o caderno de encargos a Jaime Gomes. Procurou, sim, enquadrar essa decisão à luz da “responsabilidade” que tinha como ministro e com o facto de não poder permitir que, pela segunda vez em dois anos, esse concurso acabasse sem interessados.
O Oficial de Ligação para a China
A colocação de um Oficial de Ligação em Pequim é vista pelo Ministério Público como um passo fundamental no processo de atribuição de Autorização de Residência para Investimento (ARI, ou vistos gold) a cidadãos chineses. Macedo terá imprimido velocidade ao processo e a investigação imputou-lhe um crime de prevaricação.
A defesa de Macedo contestou essa tese, alegando que essa nomeação resultou de uma reorganização dos oficiais de ligação do MAI e porque, em 2015, 81% dos pedidos de vistos gold vinham daquele país.
Os vistos para os doentes líbios
Neste âmbito, o percurso de Paulo Lalanda e Castro (que contratou José Sócrates como consultor para a sua farmacêutica Octapharma) cruza-se com o de Miguel Macedo através de Jaime Gomes. Está em causa outro crime de prevaricação.
Lalanda e Castro detinha a Intelligent Life Solutions (ILS), uma empresa que dava apoio a cidadãos líbios que queriam vir até Portugal para receber tratamento médico. No âmbito dos Vistos Gold, a ILS contratou a JAG de Jaime Gomes para tratar da logística dessas viagens e, nesse processo, o gestor terá levado Miguel Macedo a intervir junto de Manuel Jarmela Palos para conceder um tratamento preferencial à ILS.
Perante o tribunal, Macedo admitiu ter feito essa ponte, mas negou que estivesse em causa qualquer tipo de favorecimento. O objetivo de garantir que Manuel Palos recebia Jaime Gomes serviria apenas para que o ex-responsável pudesse “elucidá-lo sobre todos os procedimentos e regras a cumprir durante a estada dos doentes líbios que viriam para Portugal receber tratamento médico ao abrigo de um contrato celebrado com o Estado líbio”, como explicou na contestação que apresentou à acusação.
“Esta informação não representava – nem era mesmo – qualquer informação privilegiada, de favor, mas antes uma informação objetiva e de carácter não reservado”, lê-se na contestação.
A benesse fiscal a Lalanda Castro
Ainda sobre as viagens de cidadãos líbios para Portugal, o Ministério Público voltou a juntar Lalanda e Castro, Jaime Gomes e Miguel Macedo para avançar com uma acusação de tráfico de influências devido a uma reunião entre o dono da ILS e Paulo Núncio, então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Macedo, mais uma vez, teria feito a ponte.
A ILS não cobrou o IVA nos pagamentos de mais de 2,9 milhões de euros cobrados aos líbios que vinham a Portugal, por entender que estava isenta desse pagamento. O entendimento da Autoridade Tributária foi diferente e ordenou o pagamento de 667 mil euros relativos a 2013.
Macedo falou com o colega de Governo e conseguiu uma reunião entre o secretário de Estado e o empresário. Mas garantiu ao tribunal que só soube de que o pedido de Jaime Gomes envolvia Lalanda e Castro e que estava em causa a sua empresa, ILS.
Limitou-se a pedir o agendamento de uma reunião, não podendo isto mesmo ser confundido com quaisquer diligências para que determinada questão seja decidida ilicitamente. Aliás, refira-se que estas situações – de agendamento de reuniões para audição de particulares ou empresas – acontecem amiúde nos gabinetes ministeriais”, refere a contestação da defesa do ex-ministro.