O novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, aprovou logo no primeiro dia de mandato uma medida provisória — lei decretada de forma unipessoal pelo presidente sem passar pelo parlamento — que transfere o poder de identificar, delimitar e demarcar reservas de índios da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o ministério da Agricultura. O ato torna os terrenos protegidos mais vulneráveis ao lóbi agrícola, que tem forte influência no ministério da Agricultura. Ao mesmo tempo, Jair Bolsonaro diz querer “integrar” na sociedade brasileira cerca de um milhão de indígenas que vivem em território protegido (cerca de 15% do Brasil) e mostrar-lhes o “Brasil de verdade.”
A ministra da Agricultura do Governo Bolsonaro, Tereza Cristina, negou, em declarações aos jornalistas no dia da tomada de posse, que tivesse a intenção de reduzir as áreas demarcadas: “De jeito nenhum, não vamos arrumar um problema que não existe”. E acrescentou: “É simplesmente uma questão de organização.” No entanto, em novembro, Tereza Cristina criticou o que chamou de “judicialização” dos processos de demarcação de terras indígenas no país, em declaração na mesma linha do lóbi agrícola. “Temos a judicialização das demarcações porque a Funai faz o laudo antropológico, ela dá a decisão e depois faz a demarcação. O que acontece hoje é que todos esses processos, que poderiam ser resolvidos de outra maneira, acabam indo para o Judiciário e levam 20 anos”, disse a atual ministra há dois meses.
Até ao dia 1 de janeiro de 2019, o poder de definir a demarcação de terras indígenas era da Funai, fundação tutelada pelo Ministério da Justiça. Agora, a Funai passa para a tutela do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob esse pretexto de integrar os povos indígenos. No mesmo ato (a tal medida provisória), Jair Bolsonaro retirou do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a responsabilidade de definir áreas quilombolas.
As comunidades quilombolas são pequenas vilas formadas por antigos escravos que se refugiavam nestas comunidades após fugirem de propriedades onde eram escravizados. A Constituição de 1988 concede a estas comunidades o direito de propriedade sobre as terras ocupadas pelos seus ascendentes. Atualmente, existem 1.209 comunidades certificadas e 143 áreas com terras já tituladas em vários Estados.
Além de retirar força a institutos que decidiam sobre estas terras, Jair Bolsonaro publicou um tweet na última quarta-feira a dar conta que “mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas”, acrescentando que “menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por Organizações não Governamentais”. E definiu um objetivo: “Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar todos os brasileiros”.
Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros.
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) January 2, 2019
Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro disse que não acrescentaria um único centímetro a territórios marcados como reservas indígenas ou quilombolas. O então candidato disse ainda que os índios, caso fosse presidente, seriam “emancipados” e alegou que manter índios em reservas demarcadas seria como manter “animais em zoológicos”.