“Ano novo, vida nova” foi a expressão utilizada por José Alberto Seabra Carvalho, diretor-adjunto do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, quando na quinta-feira ao início da tarde explicou ao Observador o momento escolhido por si e pelo diretor da instituição, António Filipe Pimentel, para dizerem que estão de saída. A notícia foi dada na quarta à noite pelo jornal Público, depois de Pimentel ter transmitido essa mesma informação à ministra da Cultura e a vários diretores de museu numa reunião convocada pela tutela e realizada horas antes no Palácio Foz, em Lisboa.
Pimentel e Seabra Carvalho dizem-se “cansados” e “em esforço” e discordam da proposta de lei que visa criar um novo regime jurídico de autonomia de gestão dos museus e monumentos nacionais – proposta anunciada em junho de 2018 pelo então ministro da Cultura, Castro Mendes, e que a atual titular da pasta, Graça Fonseca, quer ver aprovada nos próximos meses.
“Não digo que a proposta seja um retrocesso absoluto, mas não vai tão longe quanto seria necessário, não muda o essencial e não nos dá espaço para podermos continuar a evoluir”, explicou Seabra Carvalho. “É uma aspirina para uma doença crónica que os museus têm desde há muito. Por isso, tomando em conta a provável aprovação de um diploma que abre um outro ciclo, seria lógico que mais ou menos nesta altura disséssemos que não estamos disponíveis para continuar. Será um quadro legal e institucional com que não concordamos”, justificou.
António Filipe Pimentel, doutorado em história da arte pela Universidade de Coimbra e antigo diretor do Museu Grão Vasco de Viseu, foi nomeado diretor do MNAA no início de 2010 pela então ministra da Cultura Gabriela Canavilhas e reconduzido no cargo, por concurso público, há cinco anos. Terá sido a primeira vez que um diretor do MNAA assumiu funções através de concurso. Desde o início, impôs a condição de trabalhar com um diretor-adjunto, cargo até então inexistente, tendo escolhido Seabra Carvalho, historiador de arte e conservador do MNAA desde 1990. O consulado de ambos termina em meados de junho.
“A tutela pode instar o diretor a continuar até que haja novo concurso”, referiu o adjunto, “mas nem ele nem eu estamos disponíveis para isso, vão ter de arranjar outros para depois de junho”. “A partir dessa data pode haver uma nomeação a título não definitivo, isso faz-se correntemente, até que aconteça o respetivo procedimento concursal. A tutela decidirá.”
Segundo Seabra Carvalho, a decisão de ambos foi concertada e a ocasião, deliberadamente escolhida. “A direção e toda a equipa do museu estão em esforço há muitos anos”, sublinhou.
“Renovámos espaços e reabrimos salas, depois tivemos de as fechar porque não há vigilantes suficientes. Durante dois ou três anos, ainda se aceita, vai-se ao fundo da alma buscar força para lutar contra este dia-a-dia kafkiano, mas isto não se suporta por muito tempo. O que se faz neste museu é muito gratificante para todos nós, mas exige-nos demais”, desabafou. “Posso usar uma imagem de que não gosto, mas que é rigorosa: sinto-me neste cargo como um hámster que está sempre a mexer uma roda e nunca avança. Para mim, acabou, acho que já nada vai mudar no sentido que considero positivo. Andamos há nove anos nisto, já não nos convém.”
Seabra Carvalho diz que “ambicionava” um “modelo de gestão diferente” que fosse ao encontro da da “programação, renovação dos espaços, investigação, ação educativa e de divulgação” que a atual equipa do MNAA tem desenvolvido.
“Estes aspetos, em muitos casos inéditos, só podem continuar se o museu tiver condições institucionais, orçamentais e de recursos humanos, ou seja, se tiver uma gestão mais autónoma. Por enquanto, não temos nenhuma capacidade de gerir receitas próprias, nem temos direito a orçamentos do Estado plurianuais, como já sucede noutras instituições culturais do país, nem vamos ter. É muito pouco o que está na nova proposta de lei.”
De acordo com o mesmo responsável, a reunião de quarta-feira com a ministra e diretores de museu “é pouco habitual nesta escala” e “não deve tornar-se uma liturgia”. Seabra Carvalho sugere que se tratou de uma iniciativa de Graça Fonseca que extravasa as práticas habituais e não tem justificação.
“Não acho que sejam fóruns a repetir com regularidade. O que é hábito, sim, é fazerem-se reuniões da Direção-Geral do Património com os diferentes serviços, museus ou monumentos, conforme as necessidades. Claro, é sempre útil o diálogo de cima para baixo e de baixo para cima, mas isso tem de ser feito em moldes institucionais organizados e justificados.”
Relação sempre tensa
A relação entre os atuais responsáveis do MNAA e o ministério da Cultura nunca foram pacíficas. Em 2016, o diretor viu-se obrigado a enviar um pedido de desculpas ao ministro Castro Mendes, depois de ter afirmado numa conferência que o museu estava à beira da calamidade, por falta de vigilantes. Em novembro de 2017, em entrevista ao Observador, Pimentel afirmou que o diálogo com a tutela não era construtivo. E desde há vários meses, tem sido uma das vozes mais críticas do novo regime de autonomia dos museus. A visão mais liberal da direção do MNAA pareceu sempre contrária a uma possível visão mais estatizante do atual Governo.
Questionado agora sobre o que espera da ministra Graça Fonseca, nomeada há menos de três meses, Seabra Carvalho disse que “não haverá grandes mudanças” face ao antecessor. “Tanto quanto sei, prepara-se uma continuidade da mesma política para os museus, o que não me agrada.” “É necessária uma outra política que responda a uma pergunta fundamental: o país quer ou não quer um Museu Nacional de Arte Antiga a sério? Se quer, ótimo, se não quer, ficamos como estamos.”
Quanto a possíveis sucessores na direção, o atual adjunto referiu não vislumbrar qualquer nome, reconhecendo, porém, que “é um lugar importante e vai ter candidatos”. Seabra Carvalho, de 66 anos, tenciona reformar-se imediatamente após concluir o mandato.