Foi há pouco mais de um ano que o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) se viu obrigado a enviar um pedido de desculpas, por carta, ao ministro da Cultura – depois de ter afirmado numa conferência que o museu estava à beira da calamidade, por falta de vigilantes. Nessa carta, citada pela agência Lusa, António Filipe Pimentel considerava as declarações inoportunas e fazia notar que a relação com o ministro Luís Filipe Castro Mendes se distinguia pela “elevada qualidade”.

Chegados a novembro de 2017, não é de supor que a relação entre ambos esteja no mesmo patamar. Em entrevista ao Observador, António Filipe Pimentel sugere que o diálogo com o ministro já não é eficaz e acusa Castro Mendes de estar desinteressado do museu.

“O diálogo existe, sempre e naturalmente simpático. Outra coisa, diversa, é existir um trabalho conjunto, no sentido de estudar e promover a construção de uma solução estrutural, que garanta ao MNAA os recursos de que necessita para o tranquilo cumprimento da sua missão”, afirma o diretor.

Acrescenta que o Conselho de Curadores do museu, um órgão consultivo de apoio à direção – de que é presidente honorário Marcelo Rebelo de Sousa – , “já se disponibilizou” para encontrar essa “solução estrutural”, em conjunto com o governo, mas ainda nada avançou.

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Questionado sobre as razões do alegado desinteresse de Castro Mendes pelo museu da Rua das Janelas Verdes, António Filipe Pimentel contrapõe: “Essa pergunta não deve ser-me colocada. Suponho – é, pelo menos, manifesto — que o tempo político é diverso do tempo operacional, que é aquele em que um museu tem de mover-se.”

No cargo há sete anos, por nomeação da ministra socialista Gabriela Canavilhas, António Filipe Pimentel entende que o museu lisboeta está à beira de uma “rutura que poderá ser irreversível” caso não haja uma “decisão lúcida e atempada”. “Na essência e no imediato” o MNAA precisa de um “novo e ágil modelo administrativo” e “faseadamente” precisa de “mais meios”.

Segundo o diretor, o futuro do museu passa por muitas das recomendações contidas no estudo “MNAA 2020”, encomendado pela tutela e entregue em setembro de 2015 ao então secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier. “Não foi ainda possível obter qualquer parecer” sobre o estudo, da parte do ministério, afirma, acrescentando que o documento aponta soluções para “dotar Portugal de um grande museu e garantir a sustentabilidade”.

“Tanto o senhor Presidente da República como o senhor primeiro-ministro se pronunciaram formal e publicamente sobre a necessidade de dotar o museu com um novo estatuto, correspondente ao modelo autonómico de gestão. Um museu cumpre serviço público todos os dias e já passaram mais de 500 [dias, desde que o estudo “MNAA2020” foi entregue ao governo]. O tempo da decisão política é desesperantemente lento”, lamenta António Filipe Pimentel.

Em concreto, aponta a falta de recursos humanos, “não só de vigilância mas em todas as áreas de trabalho, que vão muito além do que o público vê”. Recursos financeiros, “seja para a manutenção do equipamento, seja para a programação, que exige garantias de estabilidade”. E recursos administrativos, “essenciais para garantir a sustentabilidade do equipamento”.

“Dos teatros nacionais à Cinemateca, da Biblioteca Nacional ou da Torre do Tombo ao Centro Cultural de Belém, para todos foi pensado um modelo de gestão autónomo. Com maiores ou menores limitações, mas autónomo. Só o MNAA, que é um contínuo embaixador de Portugal no mundo, continua década após década refém de um modelo administrativo obsoleto, que há muito foi abandonado no plano internacional”, entende o diretor.

É necessário retirar o MNAA da alçada da Direção Geral do Património Cultural (DGPC, tutelada pelo Ministério da Cultura) e dotar a instituição de financiamento plurianual, diz. “Porém, como é óbvio, na direta dependência do Ministério da Cultura” para que, aí sim, seja “possível estabelecer uma relação de trabalho e o tal diálogo”.

A cedência de monumentos públicos para eventos privados “não choca”, diz António Filipe Pimentel

Ainda na semana passada, à margem da visita guiada para a imprensa à nova exposição do MNAA, intitulada “As Ilhas do Ouro Branco – Encomenda Artística na Madeira (séculos XV-XVI)”, o diretor tinha afirmado à Lusa que a instituição continua a encerrar ao público algumas salas de exposição, por falta de vigilantes.

O Observador perguntou quantos vigilantes tem o museu agora e quantos seriam desejáveis. Pimentel não adianta um número concreto, mas compara a situação atual com a que existia há algumas décadas.

“Em finais da década de 80 do século passado, o quadro do museu contava 50 vigilantes, hoje reduzidos a pouco mais de metade, da qual um terço assegura outras funções, igualmente essenciais. E tinha então menos áreas abertas ao público, uma programação incomparavelmente menos exigente e uma pressão de públicos, obviamente, muitíssimo menor. E os tempos eram, sobretudo, outros”, responde. “Em inícios de 1990, o MNAA tinha um quadro de 131 pessoas, e nunca foram muitas; hoje dispõe de 62, incluindo vigilantes, e as frentes que desenvolve são infinitamente mais extensas.”

Dá também nota do alegado absentismo de alguns trabalhadores da casa.

“Às salas há que acrescentar as duas portarias, com os respetivos bengaleiros, o auditório, a biblioteca, o jardim, a elasticidade exigida pelas atividades e ainda a própria coordenação dos vigilantes. E sobretudo as necessidades de uma equipa que trabalha ao fim de semana, com exigência de folgas e compensações. E, claro, as férias, as baixas por doença, etc. Trata-se de uma geometria de turnos altamente complexa e volátil, com uma constante aferição em cima da hora. A súbita falta de um vigilante, não raro apercebida na iminência do início do turno, por acordar doente, o que é, de resto, normal, obriga a rever, ou mesmo compromete, toda uma linha de salas, numa instituição que, neste domínio está há muito abaixo da linha de água. Não é propriamente uma equação aritmética: 20 vigilantes igual a 20 salas. Se o fosse, aliás, o museu passaria a vida semiencerrado.”

Em resumo, afirma o diretor, o MNAA “é uma estrutura amplamente precária, uma casa palafítica, como sempre digo, assente em bolseiros e colaboradores informais de toda a ordem, cuja sustentação não é assegurada pela Direção Geral do Património Cultural”.

Sobre o concurso para contratação de três novos vigilantes a tempo inteiro para MNAA, anunciado em novembro do ano passado pelo Ministério da Cultura – na sequência de um incidente que envolveu a presumível queda de um visitante e o derrube da escultura de São Miguel Arcanjo –, António Filipe Pimentel deixa uma crítica velada a Castro Mendes. O concurso de contratação era anterior à data do anúncio e “não teve impacto efetivo” porque alguns desses trabalhadores já saíram para outras instituições públicas.

“Esse concurso foi um processo longo, que remonta ao primeiro semestre de 2016. Tratou-se de um concurso apenas por mobilidade interna, dentro da função pública, para três vigilantes. Sem impacto efetivo, aliás, pois correspondeu à retirada de outros tantos prestadores de serviços privados. Entraram ao serviço, na verdade acrescidos de um outro. Mas estes não foram já os vigilantes selecionados, entretanto colocados em outros equipamentos do Estado, sendo que três [dos que ficaram no MNAA] já obtiveram transferência para outras instituições públicas. Resta um.”

A solução passaria por um novo concurso, mas essa hipótese “não está sequer no horizonte”, diz o diretor.

“A Adoração dos Magos”, de Domingos Sequeira, custou 600 mil euros

Nesta entrevista, dada por escrito, o Observador perguntou ainda se o MNAA tenciona promover novas campanhas públicas de angariação de fundos para compra de obras de arte, como a que teve lugar em 2015 e 2016 e permitiu a aquisição de “A Adoração dos Magos”, uma pintura de Domingos Sequeira, de 1828, avaliada em 600 mil euros. A resposta aponta para o “não”.

Aquela campanha “ia positivamente matando toda a gente”, desabafa António Filipe Pimentel. A falta de experiência do museu neste domínio, bem como da agência de publicidade Fuel, que concebeu a campanha, levou os envolvidos à exaustão. “Não sei se será possível repetir esta aventura. Não, decerto, no quadro atual”, diz, destacando que a iniciativa “não tem cessado de arrecadar os mais prestigiosos prémios da especialidade, tanto nacionais como internacionais”.

Outro projeto de angariação de fundos, que já este ano permitiu a compra de um retrato de frei José Maria da Fonseca Évora, pintado pela miniaturista romana Maria Felice Tibaldi Subleyras na primeira metade do século XVIII, e avaliado em dez mil euros, teve um funcionamento muito diferente, diz o diretor, não sendo comparável à campanha do Sequeira.

Tantas vezes criticadas, as parcerias do museu com produtoras privadas, para a montagem de exposições de grande impacto público, são vistas por António Filipe Pimentel como “um expediente de desespero por parte de um museu desguarnecido de orçamento de programação”.

“Está objetivamente fora de questão voltar ao modelo de parcerias de produção com empresas privadas. O MNAA está, obviamente, muito grato à Everything is New, à UAU e à Ritmos, que permitiram aguentar dois anos de grandes exposições sem interrupções.”

Exemplos dessas exposições são “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português”, “A Coleção Franco Maria Ricci” ou “Rubens, Brueghel, Lorrain: A Paisagem Nórdica do Museu do Prado”.

Sendo António Filipe Pimentel, por inerência de funções, subdiretor da DGPC, o Observador perguntou que opinião tem sobre a cedência de monumentos públicos para realização de eventos privados, presente que está a polémica em torno do jantar da Web Summit que decorreu a 10 de Novembro na nave central do Panteão Nacional.

Salvaguardando que se está a pronunciar em abstrato, diz que a cedência “não choca em si mesma, desde que salvaguardada a dignidade do equipamento e, muito particularmente, as questões de segurança dos espaços e acervo”. No dizer do diretor do MNAA, trata-se de uma prática “generalizada internacionalmente como fonte de receitas” e forma de aproximar o público do património. “É especialmente adequada a monumentos e sítios patrimoniais e menos adequada a museus, como são os nossos, em regra de pequena dimensão”, entende.