PSD, CDS, PCP e Bloco de Esquerda chegaram um texto de consenso para impor a divulgação dos grandes créditos à banca que entraram em incumprimento e obrigaram a ajudas públicas. No entanto, há ainda uma diferença que separam o PSD e CDS, de um lado, e o Bloco e PCP, por outro lado, que nesta posição são acompanhados pelos socialistas.

Os primeiros defendem que esta obrigação de transparência se deve limitar a bancos que receberam ajudas públicas e não as devolveram, isentando as instituições bancárias que reembolsaram esses apoios — o BCP e o BPI. Os segundos defendem que excluir estes dois bancos privados representaria uma ameaça à Caixa Geral de Depósitos que, na qualidade do banco do próprio Estado não tem necessariamente que devolver o dinheiro recebido do acionista.

Para João Paulo Correia do PS, o único partido que não assina o texto de consenso que substitui as anteriores iniciativas legislativas dos restantes partidos,  a exclusão dos dois bancos privados será uma distorção da concorrência. E irá penalizar apenas a Caixa porque esta é a única instituição ajudada pelo Estado que continua a operar com a mesma configuração.

A salvaguarda do banco do Estado também é apoiada pelo PCP e Bloco de Esquerda, que deverão assim votar contra a proposta de aditamento do PSD, também apoiado pelo CDS, que excluía das obrigações de transparência para instituições apoiadas os dois bancos privados. BCP e BPI receberam ajuda através de cocos (instrumentos de capital contingente), mas já pagaram esses empréstimos com juros que deram lucro ao Estado, como destacou o deputado do PSD, António Leitão Amaro.

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As propostas de alteração ao regime geral das instituições bancárias estabelecem novos deveres de transparência e escrutínio a bancos sujeitos as operações de capitalização, resolução, nacionalização ou liquidação de instituições de crédito com recurso, direto ou indireto, a fundos públicos. A medida já foi aprovada no Parlamento no ano passado, mas esta sexta-feira foi discutida na comissão de orçamento e finanças. A votação está agendada para a próxima semana e tudo indica que o texto de consenso proposto por iniciativa dos sociais-democratas vai ser aprovado na especialidade, com a abstenção do PS, na sua versão mais abrangente que inclui todos os bancos e com a qual, apesar de tudo, o PSD está “confortável”.

Outro tema que separa os partidos é o raio de divulgação da informação que hoje está protegida pelo sigilo bancário, no quadro de pedidos feitos por comissões parlamentares de inquérito. Esta iniciativa surge na sequência de sucessivas recusas do Banco de Portugal em entregar informação sobre operações e clientes bancários em casos de bancos que tiveram intervenção do Estado. O caso mais recente foi o da Caixa Geral de Depósitos em que o regulador, Ministério das Finanças e a própria CGD, contestaram acórdãos do Tribunal da Relação que ordenavam o envio da informação pedida pelos deputados.

Não se conhece a posição do supervisor bancário sobre este novo texto, mas o Banco de Portugal foi muito crítico das propostas legislativas apresentadas pelos vários partidos em maio do ano passado, e da qual nasce a versão que deverá passar no Parlamento. Outra dúvida prende-se com a compatibilidade entre o diploma agora proposto e as regras comunitárias sobre o setor bancária, nomeadamente a diretiva nº 36 de 2013 que regula o acesso à atividade bancária. Para o deputado independente Paulo Trigo Pereira, essa avaliação deve ser feito antes da votação final.

 Trigo Pereira: “Não é possível manter sigilo de informação em comissões de inquérito”

O texto em cima da mesa defende que alguns dados atualmente protegidos pelo sigilo bancário sejam apenas do conhecimento do Parlamento e, em particular das comissões parlamentares de inquérito. O CDS propõe que divulgação dessa informação seja feita sem restrições pelo próprio Banco de Portugal. PCP tem dúvidas e o agora deputado independente Paulo Trigo Pereira também. O antigo deputado socialista invoca a sua experiência parlamentar para considerar o diploma “ingénuo”.

“Não é possível manteve o sigilo de informação em comissões parlamentares de inquérito. aprendi isso na comissão à Caixa. Este projeto é ingénuo. A minha experiência passada, no Parlamento — e outras instituições que não nomeia –, não consegue impor o sigilo”. Para Paulo Trigo Pereira, o texto de substituição não dá garantias nenhumas sobre como será mantido esse sigilo bancário e defende que isso deve ficar acautelado.

Leitão Amaro lançou o debate com o reconhecimento de que os partidos se entenderam no essencial para “garantir uma solução forte e equilibrada” que responde a vários problemas históricos que Portugal viveu em particular nos últimos dez anos quando caíram quatro bancos. “É importante que as ajudas a bancos sejam usadas com exigência e transparência”, considerando que houve concessões de crédito a projetos sem viabilidade e sem as garantias adequadas. Mas defende também a necessidade de um regime equilibrado e proporcional.

Dirigentes que concederam créditos em falha também vão ser divulgados

O texto de substituição que concilia as posições dos partidos prevê que o Banco de Portugal elabore um relatório extraordinário com a informação relevante relativa às instituições de crédito abrangidas que nos doze anos anteriores à publicação da presente lei se tenha verificado qualquer das situações aplicação ou disponibilização de fundos públicos. Para além da identidade do devedor, este relatório deverá ainda identificar o valor das perdas e os membros da administração e dirigentes do banco que participaram nas decisões de concessão do crédito e eventual renegociação.

Ainda que o PSD esteja “confortável” com o texto acordado entre os partidos, Leitão Amaro considera que “seria mais racional” se a obrigação de produzir um relatório extraordinário sobre os grandes devedores — créditos acima dos cinco milhões de euros que representem pelo menos 1% do montante total da ajuda e cujo incumprimento obrigou a intervenções públicas — se aplicasse apenas aos que não devolveram a ajuda. O CDS concorda com este aditamento, mas o resto dos partidos não.

João Paulo Correia do PS defendeu a proposta “de banda larga” que inclui todos os bancos que receberam algum tipo de ajuda pública para reforçarem o seu balanço. O que inclui os bancos alvo de resolução, como o BES e o Banif, o BPN nacionalizado, mas também o BPI e o BCP que tiveram de recorrer ao mecanismo dos CoCos para cumprir os rácios de capital impostos no tempo da troika. Os dois bancos privados pagaram juros elevados por esses empréstimos e sofreram limitações na sua gestão, que passaram pela redução dos salários dos administradores. BCP e BPI já reembolsaram estas operações que acabaram por ser um bom negócio para o Estado. Já a Caixa ficou com os fundos emprestados que fizeram parte da recapitalização.

O deputado do PS lembra a natureza específica da Caixa que por ser do Estado está na situação de receber financiamento público, ainda que não seja no quadro de ajudas de Estado. E considera que a proposta do PSD é um ataque ao banco do Estado porque seria o único dos bancos ainda em atividade que veria informação sobre os grandes devedores divulgada. Daí que o PS defenda “que todos os bancos tenham de divulgar informação, independentemente da forma da ajuda e do resultado dessa ajuda.

A mesma posição foi apoiada pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. Para Mariana Mortágua, ao limitar a medida a quem devolveu a ajuda  “estamos a criar uma discriminação negativa para a Caixa”, porque no caso do Novo Banco, os créditos de má qualidade já ficaram quase todos do lado do banco mau, o BES. Assinala ainda a importância deste dever ter também uma função preventiva para evitar situações futuras.

“Os bancos devem saber que se derem credito de forma irresponsável vão ser descobertos”.

Para Duarte Alves do PCP, a proposta dos social-democratas “limitaria  muito o alcance esta medida e considera que todos os bancos devem prestar conta dos riscos para o sistema financeiro.”

Corrigido com a indicação de que o texto de consenso foi negociado entre PSD, CDS, Bloco de Esquerda e PCP, excluindo o PS.