Uma vez, perguntaram a Jeff Bridges numa entrevista como é que se definia como ator e ele respondeu: “Sou um ator de estilo livre.” E podia ter acrescentado: de escolhas múltiplas. Admirador de atores “físicos” como Lee Marvin ou Robert Ryan, sem filiação em qualquer escola de representação, o imponente, bonacheirão e topa-a-tudo Jeff Bridges tem interpretado desde polícias, bombeiros, “cowboys”, engenheiros, músicos, psiquiatras e mesmo atores, até assassinos psicopatas, alcoólicos, adúlteros e ladrões, evitando assim transformar-se numa estrela de cinema no sentido mais clássico do termo, e também ficar preso em meia-dúzia de papéis estereotipados. E é um dos atores mais sem pretensão, mais incapaz de auto-importância e sem vícios e caganças de vedeta do cinema americano: “Não devemos levar isto de representar muito a sério. Nem confundi-lo com a realidade. Temos que ser sinceros, mas também temos que nos divertir. Não sejamos sisudos demais. Também devemos ser assim na vida, isto não se vale só para o cinema”, disse, quando lhe pediram conselhos a atores mais novos.
De galãs românticos a pais de família mental e emocionalmente devastados, do inclassificável Dude de “O Grande Lebowski” a um extraterrestre apaixonado por uma humana em “Starman — O Homem das Estrelas”, passando pelo delinquente estridente e irresponsável de “A Última Golpada” ou pelo construtor de automóveis idealista e ético de “Tucker — O Homem e o seu Sonho”, Jeff Bridges nunca deixa de surpreender os espectadores, embora haja ali um gostinho por personagens individualistas, ciosas do seu modo de estar no mundo, que, para o pior como para o melhor, arriscam ir contra o convencionado pela sociedade.
Em registo gozão ou ferido, exuberante ou estóico, sério ou desleixado, ele é um daqueles atores cujo trabalho de representação é “invisível”, que nunca vemos exibir-se num papel e que se considera muito simplesmente “um ator ‘característico'”. No ano em que sopra 70 velas no bolo de aniversário, Bridges vai receber este domingo, nos Globos de Ouro, o Prémio Cecil B. DeMille de carreira. Uma boa ocasião para recordarmos, por ordem cronológica, doze dos seus papéis mais memoráveis.
“A Última Sessão”
De Peter Bogdanovich (1971)
Logo ao segundo papel no cinema, Jeff Bridges teve uma nomeação para o Óscar de Melhor Ator Secundário, juntamente com Ben Johnson neste mesmo filme. Esta melancólica crónica da vida de um grupo de finalistas do liceu numa cidadezinha decadente no Texas, nos anos 50, é um exemplo de filme de “ensemble acting”, onde convivem atores de várias idades e gerações, mas Bridges sobressai claramente no divertido embora nem sempre simpático Duane. O ator voltaria à personagem em 1990, em “Texasville”, a inspirada continuação de “A Última Sessão”, também de Peter Bogdanovich.
“Cidade Viscosa”
De John Huston (1972)
Jeff Bridges é muito bom, tocante de ingenuidade, na pele de Ernie Munger, um jovem e ambicioso pugilista estreante, nesta fita realista e pessimista de John Huston, passada no fim da linha do boxe profissional, onde se combate por um punhado de dólares, em condições precárias e muitas vezes contra adversários debilitados ou batoteiros. Stacy Keach interpreta o pugilista na fase descendente da carreira que “descobre” Munger e o põe a ser treinado pelo seu antigo “manager”, mas acabam por se incompatibilizar.
“A Última Golpada”
De Michael Cimino (1973)
Clint Eastwood e Jeff Bridges formam um par do barulho neste policial de ação e comédia de Michael Cimino. Eastwood é um famoso e temível ladrão de bancos e Bridges um delinquentezeco irreverente e irrefletido, que se conhecem por acaso e apesar de terem personalidades muito diferentes, se juntam para fazer um grande assalto. A personagem de Bridges apresenta já características que o ator desenvolveria futuramente noutras, e deu-lhe uma nova nomeação para o Óscar de Melhor Ator Secundário.
“Corações do Oeste”
De Howard Zieff (1975)
Jeff Bridges também faz comédia, e bem, como ficou demonstrado neste filme de culto passado nos anos 30, em que interpreta Lewis Tater, um autor de livros baratos ambientados no Oeste, e cujo sonho é ser “cowboy”. Por mero acaso, Tater vê-se um dia no “set” onde está ser rodado um “western”, e acaba por se tornar não num “cowboy”, mas numa estrela de filmes de “cowboys” de série B em Hollywood. Bridges diverte-se com a sua personagem e tira-lhe todo o sumo cómico que ela tem.
“Starman — O Homem das Estrelas”
De John Carpenter (1984)
Este filme de ficção científica valeu a Jeff Bridges a sua primeira indicação ao Óscar de Melhor Ator, pelo papel de um alienígena pacífico cuja nave se despenha no nosso planeta, e assume a forma do marido recentemente falecido de uma jovem (Karen Allen). John Carpenter combina o romance com a ação e o “suspense” e Bridges é perfeitamente plausível no extraterrestre que se vai familiarizando lentamente, e não sem vários percalços, com o que significa ser humano – e apaixonar-se.
“Tucker — O Homem e o seu Sonho”
De Francis Ford Coppola (1988)
O papel de Preston Tucker, o individualista, extrovertido, ético e persistente engenheiro e fabricante de automóveis com o seu nome que, nos anos 40 e 50, tentou revolucionar a indústria de carros norte-americana com “o carro do futuro” — e acabou afastado pelas grandes marcas em conluio, e falido –, serve com uma luva da melhor confeção a Jeff Bridges, que aprecia personagens que tentam ir a contrapelo dos sistemas e das convenções. Um dos melhores filmes de Francis Ford Coppola e um papelão de Bridges, que faz de Tucker um vencedor, mesmo na derrota.
“Os Fabulosos Irmãos Baker”
De Steve Kloves (1989)
Jeff Bridges contracena pela primeira vez com o seu irmão Beau neste soberbo filme de Steve Kloves, onde personificam irmãos que tocam piano em dueto em clubes noturnos e hotéis, e cuja amizade e harmonia profissional são postas em causa quando contratam uma vocalista (Michelle Pfeiffer). Jeff e Beau transportaram para as suas personagens as suas idiossincrasias, cumplicidades e fricções enquanto irmãos, e é um regalo vê-los dar-lhes forma cómica e dramática, e enfrentarem-se por causa da personagem de Pfeiffer.
“Sem Medo de Viver”
De Peter Weir (1993)
Max Klein, um arquiteto, sobrevive a um desastre de aviação, juntamente com um punhado de outros passageiros, e essa experiência modifica-lhe por completo a forma de se comportar, passando a julgar-se invulnerável e dotado de capacidades sobrehumanas. Jeff Bridges personifica Klein neste drama assinado por Peter Weir, dando-nos, de forma vívida e complexa, o retrato de um homem drasticamente transfigurado por uma situação-limite, que altera a forma como se vê a si mesmo e se relaciona com família, amigos e o mundo em seu redor.
“O Grande Lebowski”
De Joel e Ethan Coen (1998)
The Dude, o calaceiro californiano imortalizado por Jeff Bridges neste filme dos irmãos Coen, que passa o dia a mandriar, emborcar White Russians e a jogar “bowling” com os cromos amigos, e mete-se num opaco enredo que envolve o rapto da mulher de um milionário, não se limitou a ganhar, tal como a fita, estatuto de ultra-culto. O Dude tem uma legião de seguidores nos EUA e pelo mundo, uma religião, o Dudeism, que prega a filosofia e o estilo de vida da personagem, festivais associados a ele e ao filme, e duas espécies de aranhas africanas e um fóssil de árvore pré-histórica batizadas em sua honra. Que outro ator se pode gabar de um tal registo? “The Dude abides!”.
“A Porta no Chão”
De Tod Williams (2004)
Um escritor de livros infantis e artista que perdeu dois filhos adolescentes num acidente de automóvel, eis Ted Cole, a personagem de Jeff Bridges nesta fita adaptada de um livro de John Irving. Ted, que bebe muito e é adúltero, tem uma mulher (Kim Basinger) para sempre devastada pela tragédia e que saiu de casa, uma filha mais nova (Elle Fanning) e contrata para seu assistente e motorista o jovem Eddie (Jon Foster), que o admira e quer ser escritor. Bridges domina este tremendo drama familiar com a sua intensa interpretação de um homem talentoso mas despedaçado, e assombrado pelo remorso e pelas recriminações.
“Crazy Heart”
De Scott Cooper (2009)
Foi num filme arrumadinho e competente e que se resume praticamente à sua interpretação, que Jeff Bridges ganhou finalmente um Óscar (e já foi tarde, na opinião de muitos). Ele é Otis “Bad” Blake, um outrora aclamado cantor e compositor “country” que se desgraçou por causa da bebida. Caiu do pedestal, alienou a família, perdeu tudo o que tinha e agora sobrevive a cantar em pequenos bares nos EUA. Bridges dá vida, credibilidade e consistência a esta personagem tipificada, e aproveita para mostrar os seus dotes de cantor (tem três álbuns, Be Here Soon, de 2000, Jeff Bridges, de 2011, e Sleeping Tapes, de 2015, que deu origem a uma docu-série na Internet, “Life is but a Dream”).
“Indomável”
De Joel e Ethan Coen (2010)
Este “western” dos irmãos Coen baseia-se no mesmo livro de Charles Portis que foi filmado por Henry Hathaway em 1969 com John Wayne no papel principal, o do veterano, brusco e resmungão xerife Rooster Cogburn. Esta versão dos Coen é mais realista e dura que a original de Hathaway. Jeff Bridges interpreta Rooster Cogburn com inteligência, sem temer a comparação com Wayne, mudando na personagem o que entendeu por bem mudar, mantendo alguns traços dela tal como aquele os definiu (caso do humor) e estabelecendo o mesmo tipo de relação com a jovem Mattie, que contrata Cogburn para caçar os assassinos do pai. E podia muito bem ter ganho o seu segundo Óscar de Melhor Ator.