Domingo devia ter sido um dia de festa para a família. A prima de José Rosello, 29 anos, ia começar a construir uma casa junto à Tumba del Moro, Málaga, e a família ia juntar-se no terreno. Enquanto Vicky Jimenez, a mulher, avisava a casa de hambúrgueres La Cala que não ia trabalhar nesse dia, José tinha duas funções: acender a fogueira para cozinhar a paella e manter debaixo de olho Julen, o filho de dois anos que brincava com uma prima da mesma idade a quatro ou cinco metros dali. Bastaram uns meros segundos de distração para Julen começar a correr enquanto o pai recolhia uns galhos. Quando José voltou a procurar o filho, Julen já estava a entre 10 e 15 metros dele. Depois, a terra engoliu-o.

“Alguém tirou a pedra, eu não tenho a culpa”. Responsável pelo poço de Málaga defende-se

O relato é feito pelo pai da criança numa entrevista ao Diario Sur. O primeiro alerta veio da prima de José Rosello, mãe da rapariga com quem Julen brincava na altura em que caiu dentro de um poço de prospeção de água com 110 metros de profundidade e 25 centímetros de largura. “O menino! O menino!”, gritou ela quando Julen corria para junto de uns pedregulhos atrás dos arbustos. Era a pessoa que estava mais próxima das crianças, mas não conseguiu alcançar o rapaz antes de tropeçar para dentro do buraco. “Está devastada, imaginem. Ela viu como o Julen caiu através do buraco com braços para cima”, recorda José.

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O pai de Julen chegou logo a seguir. Arrastou as pedras para mais longe — as mesmas pedras que tapavam o buraco — e enfiou o braço dentro do poço até ao ombro na esperança de encontrar o filho. Tinha o rosto pregado ao solo rochoso, poeirento e húmido “para tentar chegar a ele” porque não sabia a profundidade do poço. Não o encontrou, mas conseguia ouvi-lo chorar. “Tem calma, o pai está aqui e o teu irmãozinho vai ajudar-nos”, disse ele a chorar. Referia-se a Óliver, um filho mais velho de José e de Vicky que morreu de forma súbita em 2017, com três anos de idade, vítima de uma doença grave que nunca chegou a ser diagnosticada.

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Desesperado, José pediu à prima e ao namorado dela — que tinha mandado construir o poço em dezembro em busca de água — que fossem até à cidade para chamar os bombeiros e o número de emergência 112. Desde então que está “morto para a vida”, descreve ele ao Diario Sur. “Tinha o meu coração partido em mil pedaços pela perda do Óliver. E agora tenho-o partido em três mil porque dentro de um dia ou dois posso ficar sem ele”, desabafa José. “Estávamos os dois a trabalhar e tínhamos começado a tentar dar um irmãozinho ao Julen porque a vida lhe tirou o outro. Depois acontece-nos isto”.

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José Rosello garante que é “um bom pai”. “Vivo para os meus filhos, passo a vida a trabalhar para lhes comprar as coisas que eles querem, como equipamentos de futebol e boa roupa. É algo que eu nunca tive, por isso queria que eles tivessem uma vida melhor”, explica por telefone ao Diario Sur. É por isso que se sente revoltado com quem coloca em causa o paradeiro de Julen: “Não se podem fazer insinuações dessas. É muito duro. Quando acontece um crime ou algo feio, sou o primeiro a repudiá-lo. Eu só quero ter o meu menino comigo. Espero que isso aconteça rápido”. “O meu filho está aqui, que não haja qualquer dúvida. Oxalá fosse eu naquele poço, como cheguei a ouvir. Oxalá fosse eu enterrado lá em baixo e que ele estivesse cá em cima com a mãe dele”, desabafa.

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Questionado sobre como estão a correr as operações de socorro, o pai de Julen denuncia que as autoridades “não têm meios” para procurar a criança. “A minha crítica não é aos bombeiros nem aos guardas, que estão a dar tudo. Mas não têm meios. O primeiro camião de bombeiros que chegou não trazia sequer uma câmara. Disse ao delegado Gómez de Celis e direi ao presidente do governo que não preciso de tweets nem de mensagens nas redes. Preciso de meios. Sei que é um caso complicadíssimo e que estão a tentar trabalhar sem recursos, inventando e fabricando ferramentas. Espero que mais ninguém tenha de passar por isto”, afirmou José.

Numa conferência de imprensa dada esta manhã, José Rosello quis agradecer “a todos pelo apoio”. Estava acompanhado por Juan José Cortés, o pai de Mariluz, a rapariga que desapareceu e foi morta em 2008 em Huelva. “Temos a esperança de que [Julen] não está morto, mas nós estamos. Estamos aqui há três dias mas parecem seis meses. A minha mulher está desfeita. Estamos mortos, mas com esperança de que temos um anjo que nos vai ajudar a que o meu filho saia daqui o mais rápido possível”.