Quase uma semana depois de o Tribunal de Contas (TdC) ter revelado que a situação económico-financeira do Serviço Nacional de Saúde (SNS) era “extraordinariamente débil” e que a dívida a fornecedores e credores aumentou consideravelmente, o Governo procurou mostrar esta quinta-feira que o cenário não é bem assim.
Em comunicado conjunto, o Ministério das Finanças e o Ministério da Saúde consideram que “a despesa efetiva do SNS, de acordo com a informação da conta financeira, deverá atingir em 2018, pela primeira vez desde 2010, um valor de cerca de 10.000 milhões de euros”, o que representa um crescimento de 5% face a 2017 e de 12% face a 2015.
A auditoria do Tribunal de Contas à Conta Consolidada do Ministério da Saúde, divulgada a 08 de janeiro, indicava que a dívida do SNS a fornecedores e credores totalizou 2,9 mil milhões de euros em 2017, um agravamento de cerca de 52% face a 2014. Mas também apontava a razão para este aumento: a redução de 6,1% do fluxo financeiro do Estado para o SNS, em cerca de 1,6 mil milhões de euros, no triénio 2015-2017 face ao triénio anterior (2012-2014). O relatório do TdC indicava que este montante tinha sido cortado de 26,3 mil milhões de euros para 24,7 mil milhões de euros.
Dívida do SNS a fornecedores e credores aumenta 51,6% em três anos
No comunicado desta quinta-feira, o Governo considera que o método de análise do Tribunal de Contas não é o mais acertado. E dá a sua versão: “A despesa efetiva é o indicador adequado para aferir os recursos utilizados pelo SNS num determinado ano. O indicador de fluxo financeiro do Estado para o SNS, utilizado no relatório recentemente divulgado pelo Tribunal de Contas, inclui aumentos extraordinários de capital dos hospitais do SNS, aplicados em regularizações da dívida contraída”, lê-se na nota das Finanças e da Saúde.
Ou seja, para o Governo, os fluxos financeiros do Estado para o SNS não constituem um indicador do esforço de despesa num determinado ano, uma vez que se referem a despesa de anos anteriores.
“Por este motivo, por não refletir a despesa anual, este indicador tem flutuações anuais muito elevadas, como é visível nos dados contidos no referido relatório. A análise das transferências em 2018 mostra, para além do aumento da despesa efetiva já referido, os 1.400 milhões de euros que o Governo canalizou para pagamentos em atraso no SNS, e que estão registados no indicador de fluxo financeiro”, contrapõe o Governo.
Ora, a auditoria do TdC constatou que a dívida do SNS a fornecedores e credores aumentou mais mil milhões de euros em 2017 relativamente a 2014, ano em que o endividamento estava nos 1,9 mil milhões de euros. Esse aumento para 2,9 mil milhões de euros representa um agravamento de 51,6% em três anos.
Na semana passada, uma fonte da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), um dos principais credores, adiantou à agência Lusa que a dívida global dos hospitais públicos aos laboratórios totalizava 906,1 milhões de euros no final de 2017. A este valor ainda seria preciso somar a dívida às empresa de dispositivos médicos.
Mas o governo contrapõe agora que “um dos mais relevantes desenvolvimentos em 2018 foi a redução da dívida a fornecedores, num valor que ficará abaixo de 500 milhões de euros, uma diminuição próxima de 50% face ao valor registado no final de 2017”.
A análise global do TdC sobre o SNS é que a situação económico-financeira do serviço de saúde pública é “extraordinariamente débil”. Também apontava que a recapitalização do serviço “não tem sido suficiente” e que entre 2014 e 2016 os fundos próprios do SNS caíram quase 79%, fixando-se nos 231 milhões de euros em 2016.
O Governo indica, por seu lado, que “o reforço da despesa no SNS tem sido a principal aposta do Estado” já que a despesa no SNS representa quase 60% do aumento da despesa corrente primária da Administração Central entre 2015 e 2018 (ou seja, 1.042 milhões de euros em cerca de 1.745 milhões de euros).
Ainda de acordo com os ministérios das Finanças e da Saúde, entre 2015 e 2018, “as despesas com pessoal cresceram 597 milhões de euros, mais 17% do que em 2015”, um valor que “representa o esforço de contratação, melhoria das condições de trabalho (horas extra, horas de qualidade e redução do período normal de trabalho) que deve ser valorizado por todos os profissionais do SNS”.
Profissionais a fazer 40 horas têm de receber trabalho suplementar
Ao longo do ano passado, o Governo começou a passar os profissionais de saúde do SNS (enfermeiros, técnicos e assistentes) para o regime das 35 horas semanais, obrigando a contratações adicionais e pagamento de horas extraordinárias.