Vários adolescentes com bonés com a inscrição Make America Great Again — o “grito de guerra” de Donald Trump — gozaram com um ancião nativo-americano, da tribo Omaha, que estava a executar um cântico e a tocar um tambor indígena, à margem da Marcha dos Povos Indígenas, perto do Lincoln Memorial, em Washington D.C, noticiou a CNN. Tudo aconteceu na passada sexta-feira e os vídeos divulgados pela imprensa norte-americana rapidamente se tornaram virais. Nick Sandmann, um dos alunos que participou no episódio, diz que se limitou a entoar cânticos “escolares” para “bloquear os comentários odiosos” que lhes estavam a ser lançados.
No vídeo pode ver-se um dos rapazes, de boné vermelho, a sorrir na cara do velho nativo enquanto este executa o cântico — esse jovem é Nick Sandmann. Os outros jovens também se riem, filmam com os telemóveis e gozam com a cena.
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“Não me senti segura naquele círculo”, disse à CNN Kaya Taitano, uma aluna da Universidade do Distrito de Columbia que participou na marcha e que gravou os vídeos. A aluna disse que os adolescentes estavam a entoar cânticos como “Construam o muro” e “Trump 2020”.
Taitano recordou que tudo começou quando os adolescentes e quatro jovens afro-americanos, que estavam ali perto a pregar, começaram a gritar e a chamar nomes uns aos outros. Os ânimos exaltaram-se bastante, disse Taitano, pelo que Nathan Phillips, um ancião da tribo Omaha, começou a tocar o seu tambor e a fazer um cântico — na verdade, uma prece nativa — com o objetivo de apaziguar a situação.
Phillips foi até à multidão de adolescentes e as coisa até se acalmaram, contou Taitano. Pelo menos até Phillips chegar perto do rapaz que aparece a sorrir no vídeo. “Aquele miúdo recusou-se, simplesmente, a sair e pôs-se mesmo cara a cara com o Nathan”, disse a estudante.
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Os outros rapazes rodearam o ancião. “Eles cercaram-no, a gozar com ele e com o cântico que ele estava a executar. Não sabíamos mesmo o que é que ia acontecer ali”, recordou. Para agravar o caso, Nathan Phillips é, além de ancião da tribo Omaha, um veterano da guerra do Vietname. O idoso disse ter servido no Vietname entre 1972 e 1976. Também é um antigo diretor da Aliança da Juventude Nativa e é o responsável pela cerimónia anual feita aos veteranos de origem índia, no cemitério nacional norte-americano em Arlington.
“Estava assustado, temi pelos meus amigos mais jovens. Não quero fazer mal a ninguém”, disse Nathan Phillips à CNN. A multidão foi aumentando com o prolongar do confronto silencioso entre Phillips e o rapaz do boné vermelho, mas o ancião prosseguiu com o seu cântico e a tocar o pequeno tambor.
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Taitano disse que o impasse se manteve até que um responsável da escola dos rapazes os levou para tirar uma fotografia. Alguns dos rapazes usavam camisolas a dizer Covington Catholic High School (Liceu Católico de Covington), uma escola só para rapazes no norte do Kentucky.
Jovem condena “mentiras” sobre o episódio
Na noite de domingo, o jornalista da CNN Jake Tapper publicou uma declaração de duas páginas e meia atribuída a Nick Sandmann, estudante da Escola Secundária Católica de Covington. O jovem denuncia as “mentiras” contadas a seu respeito e garante partilhar “o relato factual” dos acontecimentos.
Sandmann diz que estava com um grupo de colegas nas escadas do Lincoln Memorial, à espera do autocarro que os levaria de volta ao Kentucky, quando “quatro manifestantes afro-americanos” se aproximaram deles. “Não tenho a certeza de qual era o protesto, e não interagi com eles”, diz o jovem. “Ouvi-os, sim, dirigir insultos ao nosso grupo escolar”.
O estudante garante que os manifestantes proferiram palavras como “recistas”, “intolerantes”, “branquelas”, “maricas” e “filhos de incesto”. Diz ainda que o grupo se dirigiu a um dos alunos, de ascendência africana”, dizendo-lhe que os colegas haveriam de “colher os seus órgãos”.
Depois, e porque, alegadamente continuavam a ser alvo de insultos — que nunca são visíveis no vídeo, no entanto —, Sandmann relata que um dos alunos pediu autorização aos professores para “entoar os cânticos escolares”, habitualmente usados em “eventos desportivos”, para fazer frente aos gritos dos manifestantes.
Só depois desse momento Sandmann diz ter-se apercebido da presença de manifestantes nativos americanos, quando eles se aproximam do grupo. “O manifestante que toda a gente viu no vídeo começou a tocar o tambor enquanto se reunia ao grupo que se tinha separado dele”. Nathan Phillips “fixou o olhar” no jovem, aproximou-se e ficou a “centímetros” do seu rosto, enquanto continuava a tocar tambor.
Sandmann diz que nunca interagiu com o manifestante, não fez qualquer gesto ou “movimentos agressivos”. Na verdade, garante, estava “confuso” sobre o que levara Phillips a aproximar-se dele. “Pensei que se permanecesse imóvel e calmo, estaria a ajudar a acalmar a situação.”
Just in: Statement of Nick Sandmann, Covington Catholic High School junior, about the event at the Lincoln Memorial: pic.twitter.com/PkuMh2cVZM
— Jake Tapper (@jaketapper) January 20, 2019
Nas gravações postas a circular, o aluno do Kentucky é visto esboçar um sorriso quando está próximo do manifestante. “Eu sorri, a determinada altura, porque queria que ele soubesse que não estava a ficar irritado, intimidado nem seria provocado para um confronto de maiores proporções”, justifica.
Diocese de Covington condena atitude dos alunos para com o ancião nativo-americano
No seu site, o Liceu Católico de Covington informou que os seus alunos estavam em Washington para participar num comício da Marcha Pela Vida, uma iniciativa anti-aborto que decorreu na sexta-feira. A escola responde perante a Diocese Católica de Covington, que já condenou o sucedido.
A porta-voz Laura Keener disse que a diocese vai investigar o incidente e adotar as medidas consideradas apropriadas.
“Condenamos as ações dos alunos do Liceu Católico de Covington dirigidas a Nathan Phillips, especificamente, e aos nativos-americanos em geral a 18 de janeiro, depois da Marcha pela Vida, em Washington, D.C. Endereçamos as nossas mais sentidas desculpas ao senhor Phillips. Este comportamento contradiz os ensinamentos da Igreja sobre a dignidade e o respeito para com a pessoa humana”.
“O assunto está a ser investigado e vamos tomar as ações apropriadas, que podem ir até à expulsão. Também sabemos que este incidente manchou por completo a Marcha Pela Vida, pelo que expressamos as nossas sinceras desculpas a todos os foram à marcha e a todos os que apoiam o movimento pró-vida”.
Entretanto, a Fox News — uma cadeia de televisão mais próxima das posições de Donald Trump — divulgou outros vídeos sobre o incidente, não só excertos como um clip com uma hora e 46 minutos, que diz ser o “vídeo completo” do sucedido. De acordo com a Fox, o vídeo completo levou vários comentadores conservadores a retirarem as críticas que tinham feito aos alunos.
Segundo a Fox, o novo vídeo completo parece mostrar que os estudantes não se envolveram em confrontos físicos com os quatro jovens negros que estavam a pregar ensinamentos da Bíblia — pertencentes a um grupo chamado Black Hebrew Israelites — com quem tinham trocado insultos. No vídeo ouvem-se vários insultos raciais e homofóbicos dirigidos aos estudantes e a frase “Brancos, voltem para a Europa, de onde vieram”, mas não se vê os autores dos mesmos. A Fox salienta que “não é claro qual é o contexto completo dessas declarações”.
O vídeo completo também atesta as declarações de Nathan Phillips, que disse ter sido ele a aproximar-se dos alunos, após a troca de insultos entre estes e os Black Hebrew Israelites. No entanto, quando Phillips se aproxima dos alunos, estes apenas estão a entoar “CCH! CCH!”, as iniciais da escola Covington Catholic Highschool.
Título e artigo atualizados às 22h com a posição da Diocese Católica de Covington acerca do incidente e, novamente, às 10h de segunda-feira, com o relato de um dos estudantes envolvidos.