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Provocação ou exagero? Novas imagens lançam dúvidas sobre incidente com índio

Este artigo tem mais de 5 anos

O episódio marcou o fim de semana. Um ativista indígena e um estudante do Kentucky estiveram longos segundos frente a frente, a centímetros um do outro. O que aconteceu realmente?

À esquerda, o estudante de um colégio católico com um boné com o slogan  de Trump; à direita, o ativista índio
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À esquerda, o estudante de um colégio católico com um boné com o slogan de Trump; à direita, o ativista índio

À esquerda, o estudante de um colégio católico com um boné com o slogan de Trump; à direita, o ativista índio

Há novos vídeos sobre a polémica do momento nos Estados Unidos: imagens do episódio que, na sexta-feira, colocou frente a frente  um ativista índio norte-americano e um grupo de jovens estudantes com chapéus vermelhos e a inscrição “Make America Great Again”, o slogan com que Trump chegou à Casa Branca, lançam a dúvida sobre o que realmente aconteceu. São vídeos que mostram o outro lado desse confronto em que um grupo de jovens é acusado de ridicularizar Nathan Phillips e os ativistas indígenas norte-americanos.

[Vídeo com as primeiras imagens divulgadas do confronto entre o ativista dos direitos indígenas e um dos estudantes da Escola Secundária de Covington]

A primeira notícia no The New York Times, publicada no sábado, referia, em título, que um “vídeo viral mostra rapazes com chapéus ‘Make America Great Again’ a rodear um idoso nativo”. Foi publicada um dia depois de o Lincoln Memorial, em Washington, ter sido palco de momentos de tensão entre vários grupos (um dos quais foi referido apenas de passagem nas primeiras notícias). Nesse mesmo dia em que as imagens se tornavam virais, a escola dos alunos já admitia punições pesadas — eventualmente, a expulsão — caso se provasse que estavam em causa condutas condenáveis por parte dos jovens.

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Este comportamento é oposto aos ensinamentos da Igreja em relação à dignidade e aos respeito pela pessoa humana”, dizia o comunicado da Escola Secundária Católica de Covington, a que pertencem os alunos.

Nas primeiras imagens divulgadas sobre o episódio, Nathan Phillips, um ativista dos direitos indígenas, de 64 anos, veterano da Guerra do Vietname, surge a tocar um tambor artesanal e a entoar cânticos da comunidade indígena. À sua frente, num plano ligeiramente superior, com o rosto a poucos centímetros de Phillips, está Nick Sandmann, estudante da Escola Secundária de Covington. Entre os dois, em pano de fundo, surgem outros alunos que alegadamente se riem do representante da comunidade índia.

Incidente entre adolescentes com bonés com slogan de Trump e ancião índio em Washington torna-se viral

À luz do atual momento da política norte-americana, em que, por exemplo, o presidente dos EUA se referiu a uma senadora democrata como Pocahontas, as primeiras imagens, divulgadas por ativistas dos direitos indígenas nos EUA,  surgiam como o reflexo desse tipo de intervenção.

Que grupos participam no incidente?

Com base no primeiro vídeo divulgado, havia apenas dois lados da história: o lado dos ativistas dos direitos indígenas, personificado por Nathan Phillips; e o lado dos jovens estudantes, de que Nick Sandmann foi a principal figura. Mas havia outro grupo, formado por quatro ou cinco elementos do grupo Israelitas Hebreus Negros — e esse grupo está na origem do momento de tensão na capital norte-americana.

A dado momento, na tarde de sexta-feira, os três grupos cruzam-se e dão origem ao incidente entre Nathan Phillips e Nick Sandman. Mas cada um deles estava naquele local da cidade por diferentes razões.

Os alunos da Escola Secundária Católica de Covington tinham viajado da sua cidade, no Kentucky, até Washington para participar numa Marcha Pela Vida, uma manifestação anti-aborto marcada para aquele dia na capital.

[Vídeo completo dos confrontos entre os vários grupos, na tarde da última sexta-feira, 18 de janeiro, junto ao Lincoln Memorial]

No National Mall estava, também, um grupo de elementos do grupo Israelitas Hebreus Negros. Num primeiro momento, um dos elementos é filmado a pregar, com mensagens sobre a Bíblia e sobre as razões pelas quais aquela terra lhes tinha sido “retirada”. Mas não há ninguém ali próximo, o ativista parece falar para um grupo indistinto de pessoas que estão a algumas dezenas de metros.

Porém, momentos depois, o mesmo elemento dos Israelitas Hebreus Negros é filmado a dirigir-se aos alunos de 14, 15 e 16 anos. E, aí, ouvem-se os seguintes comentários:

  • “O vosso presidente é um homossexual”.
  • “Na parte de trás da vossa nota de dólares diz ‘Em Deus, Nós Confiamos’, mas são-vos garantidos direitos de maricas [neste momento, ouvem-se protestos dos alunos]. A Bíblia condena a homossexualidade”

É nesse momento que o terceiro grupo, liderado pelo ativista dos direitos indígenas, entra na história. Estavam ali depois de participar numa marcha pelos direitos da população indígena. À frente de um conjunto de cinco ou seis pessoas, e com os Israelitas Hebreus Negros de um lado e os alunos, reunidos numa escadaria, do outro lado, Nathan Phillips entra em cena, com um tambor artesanal na mão que toca de forma contínua enquanto entoa cânticos nativos americanos. O foco muda a partir desse momento.

Phillips passa pelos Israelitas Hebreus Negros e dirige-se ao grupo de alunos que continua reunido numa escadaria junto ao Lincoln Memorial. Rapidamente, vê-se envolvido por algumas dezenas de estudantes, depois de se colocar no meio do grupo.

O que fizeram o ativista indígena e o estudante?

Já depois do confronto, Phillips explicaria que decidiu avançar em direção aos jovens por um impulso. “Algo me levou a colocar-me entre [eles], era branco e preto”, disse o ativista. “O que eu vi ali foi o meu país a ser despedaçado. Não podia ficar especado e permitir que isso acontecesse.” O ativista disse ainda ao Detroit Free Press que os estudantes estavam prestes a “atacar aqueles quatro indivíduos” — mas nada nas imagens revela essa intenção.

Segundos antes de Nathan Phillips intervir, os jovens entoavam cânticos com o nome da sua escola. Foi uma resposta — autorizada pelos professores, segundo Nick Sandmann — às palavras dos elementos do grupo Israelitas Hebreus Negros. Num comunicado que divulgou já no domingo, o estudante garante que o grupo proferiu palavras como “racistas”, “intolerantes”, “branquelas”, “maricas” e “filhos de incesto”. Diz ainda que o grupo se dirigiu a um dos alunos, de ascendência africana, dizendo-lhe que os colegas haveriam de “colher os seus órgãos”.

Numa entrevista televisiva à CNN, durante o fim de semana, Phillips, o ativista dos direitos indígenas norte-americanos, revela que foi ele quem avançou na direção dos alunos (as primeiras imagens não deixavam perceber essa decisão). E explica que, depois de ter interrompido a troca de palavras entre os dois grupos — alunos e os Israelitas Hebreus Negros —, “aquela massa de grupos e de pessoas começou a separar-se e a desviar-se, permitindo-me avançar”. Mas “um jovem pôs-se à minha frente e não se mexia”. Phillips referia-se a Nick Sandmann.

Na verdade — e as imagens posteriores mostram isso —, Sandmann não se coloca na frente de Phillips. O jovem já estava na escadaria, juntamente com outros colegas, e é o ativista índio quem se dirige a ele. Sandmann não se aproxima de Phillips nem se desloca para se colocar no caminho do ativista.

Jovem e veterano ficam frente a frente. Estão a centímetros um do outro. Phillips continua a tocar tambor e a entoar cânticos. De chapéu vermelho na cabeça, com a inscrição ‘Make America Great Again’, Nick Sandmann, que há momentos estava a rir-se junto com outros colegas, está agora sozinho, com o rosto cada vez mais fechado, quase sem sorrir. Ficam assim durante largos minutos.

Essa seria a imagem do incidente, num local já de si carregado de simbolismo. Foi no Lincoln Memorial que o ativista dos direitos raciais Martin Luther King proferiu, em 1963, o seu discurso “Eu tenho um sonho”. Um discurso em que Luther King condena a segregação racial e em que proclama a “verdade, por si só evidente, de que todos os homens nascem iguais”.

A partir daqui, a ação de Phillips e de Sandmann distingue-se dos restantes elementos de cada um dos grupos.

O que fizeram os grupos?

À volta de Phillips e de Nathan, a história é diferente. Há alguns alunos do colégio católico com uma atitude provocadora em relação ao ativista — gravam o episódio com o telemóvel, emitem sons de troça dos cânticos índios, saltam e riem-se de toda a cena —, da mesma forma que há ativistas do grupo do veterano que acusam os jovens de ocupar uma terra que não lhes pertence.

Muito desse contexto ficou fora das primeiras imagens divulgadas. Mas as gravações que foram sendo conhecidas ao longo do fim de semana mostram de forma mais detalhada — ainda que não de forma completa — os comportamentos dos vários envolvidos no episódio de sexta-feira à tarde.

Num primeiro momento, depois de Phillips se aproximar de Sandmann, vários alunos chegam a acompanhar o cântico com palmas. Essa fase dura alguns segundos. A seguir, alguns dos alunos que surgem num plano mais afastado das várias imagens divulgadas têm uma postura diferente. Gritam na direção dos ativistas e gesticulam em reação aos cânticos.

Por outro lado, um dos elementos do grupo de ativistas também é captado nas imagens a dirigir-se a um dos estudantes dizendo-lhe: “Esta terra não é vossa.” Imediatamente antes, ouve-se a frase “pessoas brancas, voltem para a Europa, de onde vieram”, ainda que não seja perceptível se é o mesmo ativista quem diz essas palavras.

Que reações foram provocadas pelo confronto?

Uma das primeiras reações veio da Escola Secundária Católica de Covington e da diocese de Covington. Os responsáveis das instituições condenaram os estudantes e deixaram claro que poderia haver alunos expulsos por estarem envolvidos naquele episódio.

Condenamos as ações dos alunos do Liceu Católico de Covington dirigidas a Nathan Phillips, especificamente, e aos nativos-americanos em geral a 18 de janeiro, depois da Marcha pela Vida, em Washington, D.C”, refere um comunicado conjunto. “Endereçamos as nossas mais sentidas desculpas ao senhor Phillips. Este comportamento contradiz os ensinamentos da Igreja sobre a dignidade e o respeito para com a pessoa humana”, acrescenta o documento.

Escola e diocese adiantavam que “o assunto está a ser investigado” que seriam tomadas “as ações apropriadas, que podem ir até à expulsão”.

A congressista Deb Haaland, uma democrata do Novo México, também reagiu ao episódio no Lincoln Memorial. No twitter, Haaland, uma das primeiras mulheres nativas americanas a ser eleitas para o Congresso, disse que os alunos demonstraram “ódio, desrespeito e intolerância” e via nessa atitude um sinal de como “a decência decaiu” durante a Administração de Donald Trump.

Até ao momento, a congressista não recuou nas primeiras palavras que dedicou ao caso dos “rapazes MAGA [a sigla do slogan de Trump]”. Mas outras figuras, várias do lado conservador, que num primeiro momento condenaram a atitude dos jovens vieram agora retractar-se da primeira leitura que fizeram do episódio.

Foi o caso de Robert P. George, professor da Universidade de Princeton, que pediu “desculpa aos rapazes da Católica de Covington” pelas críticas iniciais. “Apressei-me” a comentar o caso “e isso foi estúpido e injusto”, escreveu no Twitter. “Sou eu, e não os rapazes, quem tem de tirar uma lição de tudo isto.”

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