A vice-governadora do Banco de Portugal Elisa Ferreira considera que os bancos portugueses fizeram um “esforço notório” na redução do crédito em incumprimento — que atingiu proporções inéditas no auge da crise e que, apesar de ter sido reduzido nos últimos dois anos, continua a colocar Portugal entre os países europeus com maior volume de “ativos não rentáveis”, os créditos conhecidos pela sigla NPL, de non-performing loans. A responsável defende que “é necessário que as instituições de crédito prossigam com a redução dos seus ativos não produtivos, em linha com os planos submetidos às autoridades de supervisão e, se possível, superando esses planos”, evitando qualquer “imobilismo” que se possa instalar nesta fase.

“No que diz respeito aos NPL, os progressos desde 2016 são, de facto, significativos quer na redução do stock quer na cobertura desses créditos por imparidades”, salientou Elisa Ferreira numa conferência organizada, em Lisboa, pela Ordem dos Economistas, onde se discutiu o impacto das vendas de carteiras de NPL e o seu impacto na economia. A vice-governadora do Banco de Portugal lembra que desde o máximo histórico que foi comunicado em junho de 2016 — um rácio de NPL de 17,9% — já existiu uma redução para os 11,3% em setembro de 2018.

Só neste período, esta redução de 6,6 pontos percentuais diz respeito, em concreto, a cerca de 19 mil milhões de euros que estavam nos balanços dos bancos e que deixaram de estar, seja porque foi possível resolver a situação de incumprimento (as “curas”), seja porque os bancos tomaram a iniciativa de fazer “abatimentos ao ativo” ou, ainda, porque esse crédito foi vendido a outras partes, designadamente investidores (maioritariamente estrangeiros que, por regra, contratam agências especializadas na recuperação de dívida, neste caso, no mercado português). Em particular, a vice-governadora explicou que desses 19 mil milhões, 13 mil milhões dizem respeito a dívidas de empresas.

No total, de um valor “muito pesado” de mais de 50 mil milhões de euros baixou-se, assim, para a região dos 30 mil milhões de euros em créditos problemáticos. E os bancos têm investido na cobertura (com registo de imparidades) dos riscos que estão no balanço — como têm salientado vários responsáveis do setor. Elisa Ferreira reconhece que “em setembro de 2018 o rácio de cobertura, por imparidades, ascendia a 53,1%, mais 10 pontos percentuais que havia em junho de 2016 e níveis comparáveis — nalguns casos até acima — dos níveis médios na União Europeia”. Esses são os últimos dados disponíveis — setembro de 2018 — mas a vice-governadora do Banco de Portugal adianta que a informação mais recente que já existe permite antecipar a “continuação desta tendência” de redução do stock total e de aumento da cobertura.

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Tudo indica que os dados relativos a dezembro serão, também, confortáveis neste aspeto. Aguardamos que sejam confirmados”.

À margem da conferência, Elisa Ferreira comentou que o problema está mais “contido” mas “não está tudo feito, é preciso continuar, mas progressivamente o mercado vai reconhecendo que os bancos estão a entrar numa situação de relativa normalidade”. Ainda assim, pese embora os créditos tóxicos que estão nos balanços dos bancos portugueses sejam “especialmente heterogéneos”, os bancos têm “plena consciência do que têm a fazer e estão a fazê-lo”, porque sabem que “cada vez mais há uma recompensa por parte do mercado quando os bancos se apresentam mais flexíveis e mais leves”.

Os bancos não querem ouvir falar em pressão para continuar a vender créditos, porque quem está sob pressão para vender irá, provavelmente obter preços mais baixos. Mas abrandar o ritmo de “limpeza” seria indesejável, em parte porque a pressão regulatória a nível europeu só tende a tornar-se mais intensa.

Na banca europeia, enquanto houver “calotes” antigos não se juntam os trapinhos

“Este é um equilíbrio difícil, subtil”, diz Elisa Ferreira, mas isso “tem de levar não a um imobilismo mas a um equilíbrio que tem de ser um equilíbrio dinâmico“. “Não pode ser um equilíbrio estático em que paramos no tempo e ficamos contentes porque fizemos um trajeto”, continuou Elisa Ferreira, concluindo que, “mesmo com o que já foi feito, os valores que estão em causa nos balanços dos bancos portugueses ainda se desviam de uma forma substancial face à média europeia, mesmo já tendo perdido aquele visibilidade que nos punha sempre como um país cujo sistema bancário estava descontrolado”.

Ainda assim, o trabalho não se afigura fácil. Além dessa “heterogeneidade” que caracteriza as carteiras de NPL dos bancos, um dos especialistas que estiveram na conferência — João Bugalho, presidente da WhiteStar Asset Solutions, a maior empresa de recuperação de crédito no país — comentou que as operações mais “fáceis” já foram feitas e, a partir de agora, deverá ser em muitos casos mais difícil para os bancos livrar-se destes ativos, em parte devido à maior complexidade das carteiras que restam. “A fruta madura já foi colhida”, defende o especialista, que aproveitou para elencar as várias razões porque é que os bancos não têm, normalmente, capacidade organizacional e de “cultura” para maximizarem valor neste processo de recuperação de dívidas.

João Bugalho advogou que aquilo que para os bancos é um “fardo”, para estas empresas cada carteira de crédito é vista como uma “oportunidade” de ser uma “luz” para o devedor, que normalmente passa a lidar com uma empresa como esta depois de um processo longo e e uma relação desgastada com o banco. Este é um setor que continua sem regulação em Portugal, mas o presidente da WhiteStar garante que a sua empresa — até por perceber à londrina Arrow e, aí, sim, haver regulação — deseja essa regulação para colocar preto no branco as regras para um setor onde há empresas com práticas mais agressivas de recuperação de dívidas.