O antigo advogado de Edward Snowden, da Wikileaks, e atual advogado de Rui Pinto, William Bourdon, confirmou esta sexta-feira numa entrevista à Der Spiegel, que o hacker português detido na Hungria há uma semana é mesmo ‘John’, uma das principais fontes de todas as denúncias feitas pelo Football Leaks.

A entrevista à revista alemã foi esta sexta-feira reproduzida pelo jornal Expresso, que integra o consórcio internacional European Investigative Collaborations (EIC) e que, nessa qualidade, teve acesso a milhares de documentos pirateados. A confirmação é dada logo na primeira pergunta: “Na semana passada, a polícia de Budapeste prendeu Rui Pinto. Pode dizer-nos se existe alguma diferença entre Rui Pinto e John, o whistleblower (fonte) dos Football Leaks? Rui Pinto é o John. Dito isso, não estou a dizer que ele é o único whistleblower do Football Leaks. Ele faz parte do Football Leaks, mas há, claro, outras fontes.”

A confirmação da ligação de Rui Pinto ao Football Leaks, explicou o advogado, aconteceu depois de uma “reunião intensa para preparar a sua defesa”, onde ficou claro que tinha de ser revelado que Rui Pinto não era apenas um hacker, como estava a ser descrito nos media portugueses, mas sim “o” hacker: a fonte dos documentos que atingiram o mundo milionário do futebol.

Fotografia no Twitter mostra ‘hacker’ Rui Pinto a assistir ao FC Porto-Benfica com os advogados

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“A prisão trouxe-lhe muito stress e, depois de recuperar disso, ficou claro para ele que tinha de confirmar o facto de que é o John. Ele precisava de um pouco de tempo para isso, o que é compreensível. Ter sido preso e ter sido quase extraditado foi devastador para ele e para a sua família. Além disso, imediatamente após a sua detenção, ele foi apresentado pelos media portugueses simplesmente como um hacker, quando ele é um whistleblower relevante”, diz William Bourdon na entrevista, onde acrescenta que é advogado de Rui Pinto “desde o verão passado”, embora não seja pago por esse serviço. “Como sou membro do conselho consultivo da Signals Network Foundation [uma organização franco-americana que presta apoio a whistleblowers], seria anti-ético receber dinheiro”, diz.

Questionado sobre como Rui Pinto conseguiu o acesso aos documentos, William Bourdon recusou-se a confirmar se o jovem de 30 anos “é um hacker ou não” ou se já colaborou com hackers. “Digo apenas que ele teve acesso a muitos dados diferentes. E, na opinião dele, o que descobriu criou um sentido de dever muito forte de divulgar essa informação”, afirmou, sublinhando que as ações de Rui Pinto foram motivadas pelo seu “amor ao futebol” e “à medida que ia tendo acesso a mais documentos a sua revolta e indignação aumentaram”. “Tornou-se cada vez maior a consciência de que era seu dever revelar ao mundo que a sua paixão, o futebol, foi tão prejudicada pela criminalidade, pela ganância, por esquemas de lavagem de dinheiro e de fuga aos impostos”, diz.

Quanto ao facto de as autoridades portuguesas o terem indiciado por um crise de tentativa de extorsão, relacionado com uma suposta chantagem à agência Doyen Sports a troco de dinheiro, o advogado reduz o gesto a uma “brincadeira infantil” que não teve consequências criminais porque o próprio não aceitou o dinheiro.

“É absolutamente verdade que ele queria testar até onde a Doyen estaria disposta a ir. Foi mais uma brincadeira infantil do que outra coisa. Ele, no fim, rejeitou o dinheiro por iniciativa própria. Nada aconteceu, ninguém pagou nada a ninguém. Como tal, esta criminalização de Rui Pinto é um exagero. Estamos convencidos de que ele não pode ser condenado pelo código penal português. Isto foi-nos explicado pelo advogado português de Rui, Francisco Teixeira da Mota. O seu oponente [a Doyen] está a tentar encobrir o facto de que ele é um whistleblower importante. Estão a tentar retratá-lo como um pequeno criminoso e descredibilizar tudo o que ele fez”, afirmou.

Recusando que Rui Pinto tivesse agido em nome de uma agenda própria, o advogado limitou-se a insistir na ideia de que o fez apenas por amor ao futebol, com “intenções clara e puras” e sem “motivos negativos”. “Conheci muitos whistleblowers e alguns deles não têm as intenções claras e puras que Rui Pinto tem. Acho que no caso da tentativa de extorsão, muitos teriam seguido em frente com ela. A ganância é algo extremamente universal. Mas não vejo nenhuma ganância na atitude de Rui Pinto”, disse.