A bomba estourou em pleno tribunal, quando Ian Douglas Campbell, ou o 11º Duque de Argyll, fez circular uma embaraçosa lista de 88 homens com os quais a mulher teria mantido relações sexuais durante o matrimónio. O elenco de topo incluía dois ministros no ativo e ainda três membros da família real britânica. E confirmava um dado previsível: ao longo da vida, Margaret, ave rara num bando bem menos irreverente que ela, fora apenas fiel às fiadas de pérolas ao pescoço.
Concedido o divórcio ao segundo marido, o veredito do juiz pesou como um martelo sobre um espírito e um corpo demasiado livres, quem sabe até para os padrões vigentes: “completamente promíscua, cujo apetite sexual só poderia ser satisfeito por vários homens”. Aquilo a que facilmente hoje embrulhamos no anglicismo de slut shaming abria então as suas portas de par em par, corriam os anos 50/60 do século passado.
“A Duquesa de Argyll foi a primeira mulher a ser acusada de galdéria na praça pública”, resumiu recentemente à Radio Times Domi Treadwell-Collins, produtor executivo da série “A Very British Scandal”, que irá recuperar a infame história desta personagem na sua segunda temporada, com elenco e data de estreia ainda por conhecer. Quanto à autoria, Treadwell-Collins aposta as suas fichas numa mulher, para assumir as rédeas deste escândalo sexual com contornos feministas.
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Sabe-se que a série cómico-dramática, que somou nomeações aos Globos de Ouro, não esquecerá o momento em que o então marido de Margaret arrombou a sua secretária e encontrou três Polaroids totalmente reveladores da conduta inesperada da companheira, com direito a óbvias cenas de nudez e a presença de uma figura masculina cuja identidade nunca haveria de ser absolutamente confirmada (os rumores à época desaguariam no Ministério da Defesa). E assim, de forma inédita fotografias eram chamadas à baila para um processo desta natureza, também ele inédito pela dimensão pública que aspetos da vida privada assumiam.
O formato televisivo, que se estreou na BBC One em maio de 2018, e na Amazon Prime em junho desse ano, contou na fornada inicial com Hugh Grant e Ben Whishaw nos papéis principais, e seguiu os passos do líder do partido Liberal Jeremy Thorpe, nomeadamente o seu affair com Norman Josiffe e os respetivos dilemas e repercussões na sua carreira política. Agora, prepara-se para narrar o episódio que mais marcou o trajeto daquela que ficou conhecida como a “Dirty Duchess” (a duquesa suja).
Para a posteridade fica a ousadia da socialite nascida em 1912, e que morreria em 1993, aos 80 anos. Filha única de um milionário escocês, Ethel Margaret Whigam, o seu nome de batismo, passou os primeiros 14 anos de vida em Nova Iorque e no ano seguinte acumulava já no curriculum afetivo uma extensa lista de parceiros, do príncipe Ali Khan ao romancista e ator David Niven, de quem engravidou aos 15 anos, durante umas férias na ilha de Wight. Enfurecida a família e interrompida a gestação por ordem paterna, a beleza de Margaret continuaria a despertar atenções.
A jovem debutou em 1930, mais ou menos a mesma altura em que foi anunciado o seu noivado com Charles Guy Fulke Greville, o 7º conde de Warwick. Mas o enlace haveria de ficar pelo caminho, depois da menina Whigam se ter deixado encantar por um outro Carlos, desta feita Charles Sweeny, um americano de uma abastada família da Pennsylvania, que justificou até a sua conversão ao catolicismo. A sumptuosa cerimónia religiosa em Brompton Oratory em 1933 fez parar o trânsito por três horas no coração de Londres e ficou marcada pelo vestido de noiva com assinatura de Norman Hartnell, consagrado costureiro oficial da rainha-mãe em 1940, e mais tarde, em 1952, da própria rainha Isabel II — a peça, com a sua longa cauda, está exposta no museu Victoria&Albert.
Estava oficialmente inaugurada essa profícua ligação de Margaret com a moda, a elegância e o glamour, com Hartnell e Victor Stiebel, outra referência incontornável na couture britânica do pós-guerra, a partilharem a atenção da diva.
Em 1947, depois de ser mãe por três vezes, findaria a união dos Sweeny’s. Quatro anos antes, um episódio mudaria por completo a vida de Margaret. Uma queda quase fatal na rua, que provocou um golpe violento na cabeça, comprometeria sentidos como o paladar e o olfato, devido a danos no sistema nervoso. Segundo amigos próximos, as consequências do acidente estariam na origem da sua voragem sexual, que muita tinta haveria de fazer correr. “Vão para a cama cedo e muitas vezes”, era um dos lemas preferidos.
Depois de uma série de outros casos fugazes no rescaldo da separação, Margaret tornar-se-ia então senhora Campell ou duquesa de Argyll, com um rasto de infidelidades que não haveria de passar despercebido, culminando com o mediático divórcio em 1963. Chegada aos anos 70 e depois de lançar um livro de memórias, a personagem extravagante que se gabava de ser “sempre fútil”, era uma sombra do que fora, pelo menos ao nível da conta bancária, delapidada pelo nível de vida faustoso. Em 1978, o mau estado das finanças obrigou-a a despedir-se da sua casa em Belgravia e a fazer check in com a sua dama de companhia no hotel Grosvenor, um claro retrocesso face a uma vida de luxo e extravagâncias mil.
Lembra-se de escrevermos que Margaret foi apanhada nua nas malditas fotos? Em bom rigor, parece que vestia as suas leais pérolas.