Ameaçou uma vez. Ameaçou a segunda. Avançou à terceira. Pedro Santana Lopes esteve cerca de 40 anos ligado ao PSD e acabou mesmo por sair do partido. Renasce agora com uma nova força política, que dará o último passo para ser um partido em plenas funções este fim de semana. Apresenta-se com uma moção dura para o Governo e com críticas a Marcelo Rebelo de Sousa. Uma cambalhota no apoio ao Presidente da República, que, quando se candidatava ao PSD, apoiava incondicionalmente.

Ao contrário do que chegou a especular-se, Santana Lopes não arrastou com ele grandes figuras do PSD. O nome mais sonante dos que fizeram esta travessia é o do embaixador Martins da Cruz, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros no governo de Durão Barroso, que lidera atualmente o Conselho Político Estratégico do Aliança. Assim, a maior parte das atenções vão recair sobre o líder e fundador do partido, que se arrisca a ser quase protagonista único nestes dois dias de conclave.

O congresso fundador do Aliança arranca este sábado em Évora. Um local escolhido a dedo: mais do que servir para conquistar eleitorado na região, que tendencialmente vota à esquerda, permite agitar mais uma bandeira em prol da coesão territorial – já que nunca nenhum partido realizou um congresso no Alentejo.

Um congresso atípico

Só o facto de se tratar de um congresso fundador de um partido é, per se, motivo de exceção. E a identidade do novo partido tem de ser discutida e aprovada no primeiro conclave. É o caso do hino do partido. Ao que o Observador apurou, o Aliança conta com três propostas para a música oficial. Uma delas composta por um dirigente do partido e membro da Comissão Instaladora: Carlos Pinto. Num momento “festival da canção”, os congressistas terão de ouvir todas as propostas para depois votarem naquela que consideram a mais adequada.

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Por se tratar de um momento fundacional, nunca se pensou na possibilidade de haver, logo à partida, um militante que quisesse desafiar a liderança do partido. Tradicionalmente, o grupo de pessoas que dá origem ao partido é o mesmo que compõe a sua primeira direção. A questão costuma ser pacífica entre os primeiros militantes, que aderem sobretudo pelos princípios da nova força política, e não estava inicialmente prevista a apresentação de outras moções de estratégia global. Mas há quem tenha obrigado a redefinir a organização do congresso.

O militante Celso Pereira Nunes quer apresentar uma moção ao congresso. Fez questão de informar o próprio Santana Lopes num encontro do partido há cerca de um mês em Leiria. O líder do partido ouviu-o e disse que ia levar o tema a discussão na reunião seguinte da Comissão Instaladora. O tema foi de facto discutido e, segundo apurou o Observador, a maioria dos membros não queria deixar que o militante avançasse com a moção.

Inicialmente, Santana Lopes estava reticente mas acabou por chegar a um consenso com os órgãos de instalação do partido: se houvesse uma candidatura alternativa à liderança, que teria de ser subscrita por pelo menos cem militantes, a moção poderia ser discutida. Celso Pereira Nunes alegou, em declarações ao Público, que a regra tinha sido feita à medida da sua reivindicação e de forma arbitraria e disse sentir que estava a ser boicotado. “Existe uma máquina” que fecha “as portas a militantes que pretendam apresentar alternativas”, reclamou.

Em resposta, Luís Cirilo, diretor executivo do partido, argumentou que “não há tempo” para discutir documentos estratégicos, já que a excecionalidade trazida pelo momento de fundação obriga a votar demasiadas coisas. No entanto, sabe o Observador, depois de a notícia ter sido publicada, Santana Lopes ligou a Celso Pereira Nunes para pacificar os ânimos. Assim, o presidente do partido vai permitir que o militante 112 intervenha e apresente a sua moção, mesmo sem uma candidatura à liderança associada.

Quanto aos trabalhos propriamente ditos, a menos de 24 horas do arranque do congresso, não há ainda hora prevista para a primeira intervenção de Santana Lopes. No programa diz-se apenas que será “sábado a seguir ao almoço”. Na sessão de encerramento, o presidente do Aliança também vai dirigir-se aos congressistas. Essa é, para já, a única intervenção agendada – domingo, às 12h45.

Além destes dois discursos e das inscrições que surjam para discutir a moção estratégica global, o próprio partido destaca mais três intervenções: a do embaixador Martins da Cruz, a do cabeça de lista às europeias, Paulo de Almeida Sande, e a de um representante da CAP. No programa, todas estão agendadas para “sábado à tarde sem hora marcada”.

A manhã de sábado está destinada a uma série de apresentações mais burocráticas, mas que são essenciais para dar forma ao partido. A declaração de princípios, os símbolos do Aliança, os estatutos e o regulamento eleitoral serão apresentados nas duas primeiras horas aos congressistas. Assim como a Moção de Estratégia Global de Pedro Santana Lopes. Apenas depois de uma interrupção para almoço é que os delegados vão poder tomar a palavra para debater, pela primeira vez, o futuro de um partido recém-nascido.

Santana Lopes mudou de ideias sobre o Marcelo

Na moção de estratégia global que Santana Lopes leva ao primeiro congresso do Aliança surgem por diversas vezes análises ao momento político. Logo nas primeiras páginas do documento assinado por Pedro Santana Lopes pode ler-se que a moção “não se substitui ao Programa do Partido nem ao Programa de Governo”. É mais circunstancial que estrutural. Define a lógica de liderança e estabelece os limites do pensamento político do atual contexto. Olha para os próximos anos, mas foca-se sobretudo no ano de 2019.

Em 21 páginas, o líder do Aliança sublinha a importância das três eleições – europeias, regionais da Madeira e legislativas -, mas é quando fala das presidenciais, que serão apenas em janeiro de 2021, que surpreende. Ao fazer uma análise daquilo que tem sido o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, Santana Lopes vê pontos positivos, mas deixa alertas. “O Aliança deve ser especialmente exigente com o Chefe do Estado”, começa por defender a moção. Destaca a “popularidade” do Presidente da República, reconhece que “fez bem à autoestima do Portugueses”, tendo sido “próximo, generoso e afetuoso”. No entanto, “o apoio” e a “solidariedade” que tem dado em diversas ocasiões à solução de governação deixa Santana Lopes reticente. “Soube ser exigente com o Executivo” mas “surgiu, talvez demais, em salvação do Governo”.

Assim, defende, “espera-se agora, no tempo que falta para concluir o mandato, que o PR se empenhe mais do que na habitual solidariedade com o Governo, na prossecução dos grandes desígnios nacionais”. Só depois vai definir a sua posição sobre as presidenciais. “Em devido tempo, o Aliança fará o balanço necessário e tomará uma decisão sobre as eleições presidenciais”.

Uma postura que esbarra de frente com aquela que Santana Lopes defendia há pouco mais de um ano na moção que apresentou quando concorreu contra Rui Rio pela liderança do PSD. Então, salientava “a honra e o profundo orgulho” pela forma como Marcelo Rebelo de Sousa estava a exercer a função. “Nas próximas eleições presidenciais reafirmaremos o nosso apoio a um Presidente no qual os portugueses se reveem, que respeitam e com quem, ao mesmo, tempo encontram uma proximidade”, declarava na moção “Unir o partido, Ganhar o País”.

Uma afirmação perentória e que estabelecia um objetivo que extravasava o horizonte temporal do cargo a que se candidatava, já que se tivesse sido eleito líder do PSD terminaria o seu mandato em 2020, um ano antes das presidenciais. Agora, dentro de um outro lado da mesma barricada, e tendo as presidenciais no horizonte do seu mandato, Santana Lopes parece ter cada vez mais dúvidas e menos certezas quanto à atuação de Marcelo Rebelo de Sousa.

4% nas sondagens e a ambição de fazer parte da alternativa

Na moção, Santana Lopes não estabelece objetivos para as eleições, mas recorda que o ponto de partida do recém-criado partido é favorável. “Entrámos nas sondagens com 4%”, salienta. Embora admita que o Aliança não é “conhecido de todos”, acredita que já é “uma força credível e respeitada no quadro político nacional”. Estes são os factos que levam o partido a assumir que quer fazer parte de uma alternativa de direita à geringonça. “Declaramos a nossa disponibilidade para integrar um governo de centro-direita”, afirma-se no documento. “Tudo faremos para construirmos uma alternativa democrática e patriota, que assuma a bipolarização e substitua a frente de esquerda”, escreve-se ainda.

Se não for com ação direta no Governo, o apoio pode vir também do Parlamento. Isto porque, recorda, desde o primeiro momento que o Aliança se mostrou preparado para ajudar a constituir de “uma coligação pós-eleitoral, que assegure uma nova maioria no Parlamento, apta a dar suporte a uma alternativa democrática e patriótica de Governo”. Um discurso que se alinha com o do CDS, que através de Assunção Cristas tem repetido recorrentemente que o objetivo para as eleições legislativas é o de conseguir um bloco de 116 de deputado à direita.

E não é a única vez que o vocabulário utilizado por Santana Lopes se assemelha ao dos centristas. Como conclusão da análise à atuação do Governo, o líder do partido escreve: “o Governo falhou!”, utilizando uma expressão que também Cristas e companhia têm vindo a utilizar de cada vez que querem apontar o dedo ao Executivo.

Um futuro entendimento com o CDS e com o PSD também se pode fazer por via das prioridades que a moção define como suas para o país. Desde logo, a aposta no crescimento económico e o apoio ao tecido empresarial. “O Aliança assume como verdadeiro desígnio nacional o crescimento económico acima dos 3%”, estabelece a moção do ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Outra das prioridades da moção é a redução de impostos. Para início de conversa, Santana Lopes defende que “toda a margem orçamental disponível deverá ser orientada para a desoneração dos contribuintes”. Manifestando-se contra a carga fiscal existente em Portugal, que considera excessiva, e posicionando-se como defensor de um alívio fiscal para as famílias, o único imposto de que fala na moção é o IRC. “É fundamental a redução do IRC, permitindo assim às empresas terem margem para investir”, escreve.

Na moção, Santana Lopes volta a defender a redução do número de deputados mas “como permite a Constituição da República Portuguesa”. Uma referência que pretende estabelecer uma diferença, ainda que de forma indireta, perante a proposta do partido de André Ventura, que quer reduzir para 100 o número de deputados – fora dos limites permitidos pela Constituição. Santana recupera ainda uma velha batalha, dos tempos do PPD-PSD: a criação de um Senado e de círculos uninominais com um outro de compensação nacional.

Já sobre a Europa, que também inclui na lista das prioridades, Santana Lopes apresenta uma visão crítica do atual estado da União Europeia, que “não pode ser um comboio a várias velocidades”. Para o combater, pede que permitam ao Aliança a entrada no Parlamento Europeu. Sem especificar diretamente de uma meta, fala sempre de “deputados” e não de “um deputado”, pelo que se presume que o objetivo mínimo do partido para as eleições de maio é a eleição de pelo menos dois eurodeputados.

O fundador do Aliança já disse por várias vezes que prefere falar de “frente de esquerda” do que de “geringonça”. Entende que o primeiro é mais ofensivo, o segundo é quase um mimo para a atua solução de governo. Por isso, são várias as vezes em que Santana Lopes usa esta terminologia para atacar o Governo e os partidos à esquerda do PS.