Chegou o dia do julgamento histórico em Espanha. Doze dirigentes independentistas catalães acusados de estar envolvidos na tentativa de secessão da Catalunha em outubro de 2017, incluindo o ex-vice-presidente da Generalitat, Oriol Junqueras, começaram esta terça-feira a ser julgados pelo Tribunal Supremo, num processo transmitido em direto nas televisões e em streaming.
“É o processo judicial mais importante que já tivemos desde a democracia” disse no início deste mês o antigo presidente do Tribunal Supremo espanhol, Carlos Lesmes. Os números mostram a dimensão e o mediatismo deste julgamento: ao longo de três meses, com a sentença a ser conhecida antes das férias de verão, serão 600 jornalistas e 150 meios de comunicação de vários países a fazer a cobertura do juízo.
Os primeiros dias do julgamento servirão para as defesas de cada um dos arguidos apresentarem as chamadas alegações prévias, ou seja, os últimos argumentos para solicitar a nulidade deste processo.
Julgamento do independentismo catalão. Quem vai estar na sala de audiências? E quem falta?
As penas pedidas pelo Ministério Público contra os doze acusados vão até aos 25 anos de prisão, por alegados delitos de rebelião, sedição, desvio de fundos e desobediência. No entanto, a figura principal desta tentativa de independência, o ex-presidente do governo regional catalão, Carles Puigdemont, que fugiu para a Bélgica, é o grande ausente neste processo, visto que Espanha não julga pessoas à revelia em delitos com este grau de gravidade.
No banco dos réus estão, entre outros, o ex-vice-presidente do governo regional e vários ex-membros desse executivo, a antiga presidente do Parlamento catalão e os dirigentes de duas associações cívicas separatistas. Já entre as mais de 500 testemunhas está o ex-Presidente de Governo Mariano Rajoy; o presidente do governo do País Basco, Íñigo Urkullu; e a presidente da Câmara de Barcelona, Ada Colau.
Nove dos acusados estão detidos provisoriamente há mais de um ano suspeitos de terem cometido os delitos mais graves de rebelião e desvio de fundos públicos.
De acordo com aquilo que adiantou o presidente do Tribunal Supremo, Manuel Marchena, no início da sessão desta terça-feira, cada uma das partes deste julgamento — cada advogado de defesa, a acusação da Procuradoria Geral e ainda a acusação do partido Vox — terá 45 minutos para expor os seus argumentos.
[Acompanhe neste vídeo o streaming do julgamento]
Advogado de Junqueras quer que processo saia da justiça e volte à política
O primeiro advogado a falar na sessão inaugural do julgamento foi Andreu Van den Eynde, que defende o ex-vice-presidente regional Oriol Junqueras e também o ex-conselheiro para as relações externas Raül Romeva. Na sua intervenção, pediu o fim da prisão preventiva dos seus clientes e defende que os seus clientes estão a ser privados de diferentes direitos e liberdades — ideológicas, de expressão, políticas, entre outras.
No caso da liberdade ideológica, apoiou-se na resolução do processo de instrução, de novembro, altura em que, disse o advogado, se “produziu um facto muito surpreendente”. “Essa resolução introduz explicitamente uma análise da realidade política em que o juiz instrutor dizia que ‘só há dois caminhos para a independência, um é a reforma constitucional e o outro é a guerra'”, apontou o advogado. “[O juiz instrutor] não o disse com essas palavras, evidentemente, deixou um pouco de margem para exagerar, mas está a dizer que não existe uma via de solução pacífica dos conflitos pacíficos”, acrescentou. E, dizendo que a ideologia dos arguidos é “pacífica”, e também que a “autodeterminação dos povos é a forma para evitar os conflitos no mundo”, pediu que este caso saísse dos tribunais e voltasse para a política.
“Devolva a responsabilidade da resolução deste conflito aos políticos. Na verdade, eu sonho com uma decisão tão corajosa quanto essa. O princípio democrático diz que uma pretensão sólida, defendida de forma maioritária, legítima, por uma entidade nacional durante um determinado período de tempo, deve ser analisada pelo Estado e solucionada através de meios políticos”, disse o jurista, que acrescentou ainda que “nenhuma lei, nem internacional nem da UE, impede a secessão de uma entidade sub-estatal”.
O jurista catalão apontou ainda que “a acusação é desproporcionada” e por isso “perde credibilidade”. “Ninguém na Europa estende que a resposta aos factos que vocês aqui propõem tenha de ter esta severidade”, disse Andreu Van den Eynde, referindo-se ao facto de a Procuradoria-Geral chegar a pedir penas de 25 anos, como é o caso de Oriol Junqueras.
Na parte final da sua intervenção, Andreu Van den Eynde referiu que a presunção de inocência dos acusados não foi respeitada em vários setores: da Procuradoria-Geral aos políticos, passando pelos media. O advogado catalão apontou intervenções de líderes do anterior governo (o Presidente de Governo Mariano Rajoy e a sua vice, Soraya Sáenz de Santamaría); da atual vice-Presidente de Governo, Carmen Calvo; e também do atual presidente do Partido Popular, Pablo Casado.
Também falou o advogado Jordi Pina, que defende o presidente da associação cívica Assembleia Nacional Catalã, Jordi Sànchez; e os ex-conselheiros do governo regional Jordi Turull e Josep Rull. Num tom bastante crítico para os juízes, Jordi Pina disse: “Peço-vos que façam de juízes e não de salvadores da pátria, porque não é disso que se trata este processo”.
O advogado Jordi Pina também acusou o juiz de instrução de não ter sido imparcial, referindo que num dos autos de acusação se lia a expressão “a estratégia com que todos sofremos” em relação aos atos dos políticos independentistas. “Quando um magistrado que utiliza a primeira pessoa do plural para falar de factos que está a investigar, é razoável que aqueles que recebem essa manifestação duvidem da sua imparcialidade”, apontou o jurista.
Puigdemont: “A única sentença justa é a absolvição”
Enquanto o julgamento decorria, Carles Puigdemont deu uma conferência de imprensa a partir de Berlim, onde disse que “não há provas, não há atos, não há crime” e por isso “a única sentença justa é a absolvição”.
“São pessoas inocentes, honradas e eleitas democraticamente, sentadas no banco dos réus como se fossem criminosos”, disse o ex-presidente do governo regional da Catalunha, que fugiu para Bruxelas poucos dias antes de ser chamado a comparecer a um juiz de instrução.
Sublinhando que “este julgamento nunca devia ter acontecido” e também que “o sistema judicial espanhol está a ser submetido a um teste”, Carles Puigdemont lançou uma questão também à União Europeia. “Quero perguntar às instituições da UE, por que razão se preocupam mais com o que está a acontecer por exemplo na Venezuela do que com o que se passa em Madrid?”, disse.
Sobre a atual crise política, em que a Esquerda Republicana da Catalunha e o PdeCAT, partidos independentistas com representação também no Congresso dos Deputados, ameaçam bloquear a aprovação do Orçamento do Estado proposto pelo Governo de Pedro Sánchez, Carles Puigdemont disse: “Queremos um governo que escute, que se sente à mesa do diálogo. Isto foi algo que, infelizmente, nem o governo do senhor Sánchez fez, apesar de um princípio de acordo existente”.
Radicais separatistas cortam trânsito em autoestrada do Mediterrâneo
Os Comités de Defesa da República (CDR) cortaram no início da manhã o trânsito e queimaram pneus em vários pontos de uma importante autoestrada da Catalunha e provocaram dificuldades na circulação de carros na Gran Via de Barcelona. O grupo radical separatista, conhecido pela realização de ações contra a ordem pública, manifestava-se assim contra o início do julgamento.
Segundo informação do Serviço Catalão de Trânsito, no início da manhã estava cortada em vários locais a AP-7, conhecida como a Autoestrada do Mediterrâneo e um eixo que comunica com toda a costa mediterrânica espanhola desde da fronteira com a França. Uma das vias principais da capital catalã, a Gran Via, também estava a ser afetada pela ação dos CDR, havendo grandes filas de trânsito. Ao mesmo tempo, em Madrid, estavam a chegar ao Tribunal Supremo os detidos que começaram a ser julgados a partir das 10h00 locais (9h00 em Lisboa).