Quando veio ao mundo, o rover Opportunity já vinha condenado a uma curta vida entre as estrelas. Os pais, os engenheiros do Laboratório de Propulsão a Jato da agência espacial norte-americana (NASA), achavam que o coração da máquina — os painéis solares a partir dos quais ela produz energia — não se aguentaria mais do que 90 dias no exigente solo marciano. Mas Opportunity superou todas as expetativas. Viveu durante 15 anos, excedendo a esperança média de vida à nascença em 14 anos e 293 dias. Agora morreu ao fim de oito meses em coma. Missão concluída.

A NASA deu à luz o Opportunity em 1993 quando decidiu criar um programa para “pesquisar e caracterizar os vários tipos de rochas e solos que guardam pistas sobre o passado da atividade aquática em Marte”. A agência espacial norte-americana estava grávida de dois rovers: o Opportunity e o Spirit. Eram dois bebés pequenos, mas gordos: tinham 185 quilos cada um, seis rodas, 2,3 metros de largura, 1,6 metros de comprimento e painéis solares a 1,5 metros de altura. Eram como príncipes herdeiros de uma coroa: a da exploração de Marte. Tinham dez anos para explorar o mais que pudessem a superfície marciana para que os humanos, um dia, lhes seguissem os passos.

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Opportunity e Spirit tinham uma madrinha. Os pais lançaram uma  campanha com a LEGO chamada “Name the Rovers” em que os estudantes deveriam escolher o nome dos veículos. A vencedora foi Sofi Collis, uma rapariga orfã de nove anos e de origem russa que andava numa escola do Arizona e que escreveu um poema para os rovers: “Eu morava num orfanato. Escuro, frio e solitário. À noite, olhava para o céu cintilante e sentia-me melhor. Sonhava que podia voar naquele céu. Na América todos os meus sonhos se podem tornar realidade. Obrigado pelo Espírito e pelo Oportunidade“.

Aproveitando um momento de aproximação entre a Terra e Marte, o Opportunity saiu de casa a 7 de julho de 2003 com uma tatuagem no corpo: uma inscrição que dizia “Para aqueles que nos visitam, desejamos uma viagem segura e a alegria da descoberta”. A bordo de um foguetão Delta II, o pequeno rover só chegou a Meridiani Planum, em Marte, quase ano e meio depois, a 25 de janeiro de 2004. À espera dele estava o irmão Spirit, que tinha ido para o Planeta Vermelho a 10 de junho daquele ano a bordo de um foguetão igual. Juntos estudaram as rochas marcianas em busca de sinais de chuva, estudaram os minerais espalhados pelo chão e tentaram entender se o ambiente era propício ao desenvolvimento de vida. E fizeram-no com tanta distinção que em vez de ficarem 90 dias fora de casa, os pais deram-lhes autorização para ficar mais uns anitos por lá.

O Opportunity conseguiu encontrar hematite, um mineral que tipicamente se forma em ambientes onde houve água; e o Spirit descobriu que num lugar chamado Comanche havia rochas muitíssimo ricas em magnésio e carbonetos de ferro, algo que normalmente se observa em ambientes quentes e húmidos. Mas algo veio abalar a felicidade dos dois irmãos em Marte: a 1 de maio de 2009, Spirit ficou com uma roda presa numa pedra. Condenado a ficar para sempre preso no mesmo lugar, Spirit acabou por morrer a 22 de março de 2010.

Opportuniy ficou sozinho num mundo a milhões de quilómetros de casa.  Estudou as nuvens e os pós marcianos, manteve um olhar atento à opacidade da atmosfera do planeta, visitou mais de 100 crateras provocadas por meteoritos de todos os tamanhos, encontrou sinais de que Marte já teve água e lugares propícios ao desenvolvimento de vida microbiana e viu um monte de rochas e minerais que só se formam quando há água por perto. Depois contou tudo isto aos pais. E na Terra toda a gente começou a entusiasmar-se com a ideia de que Marte pode já ter tido vida. Talvez, um dia, até possa ser a nossa nova casa.

Foi assim durante oito anos. Mas o Opportunity já estava velho: respondia sempre às chamadas, enviava todos os dias uma mensagem a dizer “olá” e de vez em quando até tirava fotografias para que os pais na NASA soubessem como era lá o mundo dele. Envelhecia bem, mas envelhecia. E não tardou muito até que o cruel mundo marciano enterrasse vivo o Opportunity para nunca mais ver a luz do Sol e deixar os pais do rover em prantos.

A morte de Opportunity começou a 30 de maio de 2017, desvenda o diário de bordo que a NASA mantém da sonda e que publica através de um blog gerido pelo Laboratório de Propulsão a Jato (JPL). Nesse intervalo, a agência espacial norte-americana notou que “uma tempestade de poeira regional está a afetar o Opportunity”: “A primeira indicação de uma tempestade de poeira a 621,37 milhas (1.000 quilómetros) do Opportunity foi recebida na noite de sexta-feira”, depois de o Mars Reconnaissance Orbiter  — uma máquina que orbita o planeta em busca de sinais da existência de água no passado marciano — ter encontrado sinais de “uma tempestade persistente, mas ainda muito distante” que estava a “afetar a opacidade atmosférica no local” onde o rover estava.

Tudo foi piorando a partir daí: há mais de uma década que a sonda Opportunity não enfrentava níveis de opacidade atmosférica tão grandes. E isso preocupava a NASA porque quanto maior for a opacidade atmosférica de Marte, menos seria a quantidade de energia que o Opportunity podia produzir com os painéis solares: com uma opacidade de 1,0 tau (uma medida que serve para determinar essa característica), o rover consegue produzir 468 quilowatt-hora (ou quase 1.685 megajoules) de energia; mas com uma opacidade de 10,8 tau — a última medição obtida pela NASA –, o Opportunity não conseguia gerar mais que 22 quilowatt-hora. Isso não é suficiente para sequer manter a sonda acordada, quanto mais para a fazer trabalhar como habitualmente.

A 10 de junho chegou o veredito: a tempestade local que o Mars Reconnaissance Orbiter tinha reconhecido e que estava “ainda muito distante” do Opportunity tinha-se transformado numa tempestade de areia gigantesca que estava a dar a volta ao planeta e que, pelo caminho, tinha engolido o rover. A NASA previu que ele “tinha sofrido uma falha de baixa energia, entrando em hibernação até o céu eventualmente ficar limpo”. Essa era, pelo menos, a esperança da agência espacial.

Mas, afinal, era uma esperança inglória: a NASA fez uma última tentativa e enviou enviou uma mensagem para testar se o Opportunity respondia ao sinal, enviado durante a noite de terça para quarta-feira. Depois, esperaram cerca de 26 minutos: um sinal enviado da Terra para Marte demora mais ou menos 13 minutos a chegar ao destino. Depois, se o Opportunity o recebesse e conseguisse responder, precisaríamos de mais 13 minutos para o saber. Mas já se passaram mais de 12 horas e o rover continua em silêncio. Por isso, só pode estar morto, concluíram os pais do rover.

Na nota de pesar escrita pela família do Opportunity, Jim Bridenstine, administrador da NASA, confirmou que “a missão do rover Opportunity da NASA chega ao fim depois de 15 anos a explorar a superfície de Marte e a ajudar a criar os pilares para o regresso da NASA ao Planeta Vermelho”: “É por causa de missões como a Opportunity que há de chegar o dia em que os nossos corajosos astronautas vão andar na superfície de Marte. E quando esse dia chegar, uma parte dessa primeira pegada vai ser dada pelos homens e mulheres do Opportunity, um pequeno rover que desafiou todas as probabilidades e fez tanto em nome da exploração”, termina.

A Sociedade Planetária também já reagiu à morte do Opportunity: “Nas planícies distantes de Marte, o Opportunity junta-se agora ao seu gémeo, o Spirit, como um monumento ao desejo da humanidade de explorar e descobrir. Um dia, os nossos descendentes vão visitar os dois veículos e vão maravilhar-se com a engenharia dos criadores. Para nós, na Terra, foi uma alegria compartilhar as descobertas do Opportunity. Mal posso esperar para ver o que vem a seguir para nós em Marte”, disse Bill Nye, o presidente da organização.

O Opportunity morreu numa altura em que esperava por mais um irmão. “Mars 2020” deve sair de casa em julho de 2020 para ver se encontra sinais de condições para habitabilidade no passado, principalmente de vida microbiana.