Foi um discurso de 15 páginas, lido e declamado exatamente ao mesmo tempo que, ali ao lado, em Vila Nova de Gaia, António Costa lia o seu. Um e outro passaram em revista aquilo que defendem para os vários setores da sociedade. Em Santa Maria da Feira, no encerramento da convenção do Conselho Estratégico Nacional, Rui Rio optou por fazer um retrato do país, apontando o que está mal, da Justiça à Saúde, passando pela Proteção Civil e as finanças públicas, e o caminho que o PSD defende para que fique melhor. Mas sem propostas fechadas.

Debater “ideias”, em vez de “lugares” e “listas”, foi o mote de Rui Rio, que voltou a afirmar que, depois de 2019, é altura para retomar os entendimentos partidários em nome das reformas estruturais. Ou seja, a porta continua aberta para entendimentos com o PS, apesar do interregno próprio da campanha eleitoral.

“Chegámos ao fim de uma convenção inédita em termos de atividade partidária clássica. Não discutimos nomes, não elegemos ninguém para nada, não houve os truques nem as jogadas de bastidores, infelizmente tão frequentes em reuniões político-partidárias. Estivemos aqui apenas a debater o nosso país”, disse, suscitando aplausos na plateia de militantes e “independentes” que esteve este sábado no Europarque. Talvez por isso, Rio não tenha referido sequer o nome de Paulo Rangel, o candidato do PSD às europeias, no decorrer do seu longo e extenso discurso, ainda que tenha feito uma referência à intervenção do comissário europeu Carlos Moedas, nomeado mandatário nacional do PSD para as europeias.

A ideia era outra: mostrar que está a ser construída no PSD uma “alternativa credível”, sem foguetório e sem ‘dizer mal só por dizer’. “A democracia não precisa de espetáculo político, nem da superficialidade do politicamente correto. Muito menos um povo civilizado faz as suas escolhas em benefício dos que mais agridem verbalmente o adversário. Dizer muito mal dos outros não é programa”, disse, defendendo que os portugueses fazem as suas escolhas eleitorais em função da “credibilidade” do projeto. E a credibilidade do projeto, segundo Rio, mede-se com base na soma de três fatores: seriedade, coragem e competência.

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Por isso, Rio defendeu uma “militância diferente”, longe das jogadas de aparelho, e mais centrada nos “problemas reais das pessoas”. “A política só faz sentido se for para resolver os problemas reais das pessoas. Não tem qualquer utilidade quando é exercida em torno de guerras partidárias estéreis ou conduzida por temas virtuais que, podem alimentar notícias e fomentar a notoriedade pública, mas que nada dizem ao cidadão comum”, disse, numa crítica que pode ser entendida para dentro do partido ou para o partido do lado, o CDS, que esta sexta-feira apresentou uma moção de censura ao Governo, num gesto que foi entendido como uma “jogada política” para obrigar o PSD a definir de que lado está. Mas sobre isso concretamente, Rio nada disse.

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Criticar sem nomear Costa porque, depois de 2019, haverá “entendimentos”

Num discurso de 47 minutos, muito aplaudido pela plateia de mais de mil participantes (segundo a organização), Rui Rio passou em revista todas as áreas da sociedade que foram debatidas este sábado nos vários painéis da convenção do CEN, e que preocupam o PSD. Em nenhum momento, contudo, criticou diretamente o primeiro-ministro, nem nunca referiu o nome de António Costa, nem quando apontou o dedo às situações onde o Governo e o Estado falharam aos cidadãos.

“É hoje evidente aos olhos de todos que o atual Governo tem vindo a falhar no cumprimento do contrato que o Estado tem com todos os cidadãos”, disse, enumerando as falhas não só ao nível da segurança, como também da saúde, educação, habitação, cultura e, “fundamentalmente”, no “direito a serviços públicos de qualidade compatíveis com a época em que vivemos”.

Os transportes, da aviação ao setor ferroviário, passando pelo desinvestimento na saúde, Rio atacou a “falta de estratégia, de investimento, de manutenção”, que faltam na mesma medida em que sobram em “largos milhões de dívidas que haveremos de pagar com os nossos impostos”.

O problema, resumiu, é que, mesmo que haja falta de verbas (porque “haverá sempre falta de verbas”), o Governo falha por “não ter uma estratégia para o crescimento económico” que assente nas exportações e no investimento, em vez de assentar no consumo e na “distribuição de tudo até ao osso” para depois não sobrar nada. “Nunca os portugueses pagaram tantos impostos e nunca os portugueses viram os serviços públicos degradarem tanto em tão pouco tempo”, disse, não referindo contudo o nome do primeiro-ministro em nenhum momento do discurso.

Tudo porque, segundo Rui Rio, apesar do interregno que é o ano eleitoral de 2019, quando a campanha passar continua a ser tempo de entendimentos. “As reformas estruturais só são possíveis se os partidos forem capazes de relegar os seus interesses para segundo plano e colocar o interesse nacional acima de tudo”, disse, criticando a “visão clubística da militância”, o “taticismo de curto prazo” e os “interesses instalados”. Para Rio, o clima permanente de “bota-abaixo” é o “clima ideal para descredibilizar ainda mais os políticos e os partidos” — e é preciso contrariar essa tendência que será ocupada pelo “populismo”, que é nada menos do que o “filho varão da nossa incapacidade de regenerar o sistema”.

Daí que Rio tenha mantido a porta aberta a entendimentos com outros partidos (onde se inclui o PS de António Costa). “Estamos em ano de atos eleitorais e, por isso, compreende-se que 2019 não seja a altura propícia para levar a cabo esses entendimentos, mas passado esse período, o PSD terá de continuar a fazer todo o esforço necessário para conseguir que Portugal possa ter as reformas que o seu desenvolvimento reclama”, disse.

Rio quer “redução sensata do número de deputados”, legislaturas de 5 anos e brancos e nulos a contar

Um dos temas que esteve em debate este sábado na convenção do CEN foi a reforma do sistema político, que o PSD quer ver vertidas em propostas concretas no programa eleitoral que apresentará entre junho e julho. Com a certeza de que o atual sistema está “desgastado” e que é preciso “renovar”, o presidente do PSD deixou cair as linhas orientadoras daquela que irá ser a proposta de alteração ao sistema político do partido social-democrata.

Uma das ideias que está em cima da mesa, disse, passa pela “redução sensata do número de deputados”, tal como já tinha revelado o presidente da comissão criada para esta área, Pedro Rodrigues. Sem especificar até onde pode ir essa redução (a Constituição prevê que o número de deputados vá de 180 a 230, sendo que atualmente vigora o número máximo), Rio disse apenas que não pode “pôr em causa o princípio da proporcionalidade nem a capacidade de funcionamento dos grupos parlamentares mais pequenos”.

PSD não exclui redução de deputados para a próxima legislatura

Outra das propostas de Rio passa por alargar a duração das legislaturas para cinco anos, o mesmo que a duração dos mandatos presidenciais, para “facilitar uma governação menos condicionada pelos ciclos eleitorais”, ou ainda a contabilização dos votos nulos e brancos para efeito do número de deputados a eleger.  “Reformular os executivos camarários de modo a privilegiar a competência, em lugar da lógica de lista corrida” foi outra das ideias enumeradas por Rio que podem vir a integrar a proposta de reforma do sistema político do PSD. “Todas estas ideias, e muitas outras, terão de ser debatidas e o PSD irá, seguramente, acomodar algumas delas no seu programa eleitoral para as próximas legislativas”, disse, definindo esta como uma reforma “prioritária”.

Justiça. Rio admite revisão constitucional

Outra das reformas que Rio coloca à cabeça é a reforma da justiça. Nesse plano, promete “medidas corajosas”, que podem passar inclusive pela necessidade de “revisão constitucional”. Uma coisa é certa: “Não deixaremos de as propor com toda a coragem e toda a frontalidade”, disse, depois de defender maior “escrutínio público” na justiça e “um controlo efetivo da sociedade sobre o funcionamento da justiça”.

Para o líder do PSD, é tão intolerável a pressão de políticos sobre o sistema judicial, como a pressão imposta a processos judiciais e função de objetivos de natureza política. “O condicionamento do poder parlamentar legislativo por parte do poder judicial é tão reprovável como o seu contrário”, disse.

Sobre a reforma da justiça, e sobre tudo o resto, Rui Rio não tem dúvidas: “Estamos a ter razão no tempo certo”.