Ainda que passe pouco das seis da tarde, o sol de inverno há muito que desapareceu e as ruas de Mayfair, o município de Londres com mais milionários por metro quadrado, têm a agitação típica de uma sexta-feira à noite. À porta de bares e pubs, pequenas multidões respiram fundo depois de uma semana de trabalho e libertam gargalhadas e brindes de alívio. A contrastar com esta realidade, a Charles Street mantém a sua distância. De cada lado da rua as casas amplas e simétricas de estilo georgiano invocam uma elegância quase austera. A marcar a entrada para o Mark’s Club não há sequer uma placa. Quem sabe, sabe, quem não sabe, pergunta ao porteiro.
A realidade exclusiva dos muito britânicos gentleman clubs encontra um expoente máximo no Mark’s Club, um clube de acesso difícil e restrito aos selecionados pelos proprietários. “Não basta ter o nome certo ou dinheiro suficiente para entrar. A qualificação principal é ser interessante”, explicou à Vanity Fair Charles Price, metade da dupla que em 2015 adquiriu o clube privado. Depois de devidamente aceite, o novo membro paga pelo livre acesso a esta casa de sonho com bar, biblioteca e diferentes salas de estar para onde pode trazer convidados e partilhar whisky e charutos recostado num cadeirão de veludo vermelho perto da lareira. Aqui, a tradição britânica ainda pode ser o que era.
Hoje um dos andares que compõem o clube está reservado para a apresentação da colecção outono-inverno 2019 de Sophia Kah. O embaixador de Portugal no Reino Unido, Manuel Lobo Antunes, está cá para mostrar apoio constitucional a uma marca que nascida no norte de Portugal e da sua tradição têxtil de excelência, sabe mexer-se no mercado internacional. Pela elegante sala de teto alto e candelabro cintilante espalham-se jornalistas, influenciadores digitais e “as nossas clientes aqui de Londres”, explica Ana Teixeira de Sousa, designer da marca que fundou em Londres em 2011. “Cada vez mais me apercebo que houve um crescimento orgânico através das clientes porque são elas que andam a fazer a publicidade. Eu tenho clientes que se tornaram amigas e que às vezes estão mais excited com a marca do que eu”.
Quando Ana Teixeira de Sousa fala, o seu discurso revela o tempo passado no estrangeiro. Em 2017 voltou a Vila Real, onde cresceu, para se casar no fabuloso Palácio de Mateus com Philippe Schmitz, o CEO da Rotarex, um grupo industrial estabelecido no Luxemburgo. A cerimónia foi acompanhada pela Vogue que fotografou todos os pormenores do casamento, com os seus muitos vestidos Sophia Kah, a começar pelo da noiva. Desde então, Ana Teixeira de Sousa vive dividida entre Portugal, onde toda a produção da marca é feita, o Luxemburgo onde o marido vive e trabalha, e Londres onde estão algumas das suas clientes mais importantes. “A minha relação com Londres já vem de há muitos anos e eu adoro o inverno cá. Ou melhor, adoro o lifestyle de Inverno vivido dentro dos clubs, que acho tão special. Não há disto em nenhum outro lugar do mundo. Foi aqui que fui buscar as cores desta coleção, os vermelhos, e as texturas. A opulência de cores do design de interiores com o seu luxo contido e sofisticado, toda essa parte fui buscar a Londres”, diz Ana Teixeira de Sousa para situar a sua nova coleção.
Só pela inspiração que o ambiente dos clubes privados lhe ofereceu já fazia sentido fazer aqui a apresentação das novidades, mas para além disso a designer tinha como objetivo continuar a cultivar os laços pessoais com as suas clientes num formato mais íntimo do que o de um desfile. “Hoje em dia, its all about the experience. É tudo sobre este dreamy world que uma marca oferece. Até pode ser uma experiência no Instagram, mas é muito mais interessante ver umas fotos aqui no clube do que se calhar ver um desfile quando se vai ver não sei quantos outros a seguir”.
Com as lojas online a ganharem cada vez mais preponderância em termos de total de vendas, resta às lojas do mundo real transformarem-se em espaços onde o potencial cliente pode vivenciar através dos sentidos o conceito proposto pela marca. Formada em gestão e especializada em negócios internacionais, Ana Teixeira de Sousa está mais do que a par desta realidade. A estratégia da sua marca, Sophia Kah, passa por não ter loja própria, vendendo antes online e através de pontos de venda que são sinónimos de luxo como o Barneys, em Nova Iorque, ou o Harrods, em Londres. Por isso mesmo, apresentações como esta no Mark’s Club e os momentos de interação direta com jornalistas, buyers e clientes num cenário cinematográfico são essenciais. “Queremos criar uma relação com os nossos clientes, com as pessoas que nos ajudam e gostam de nós”, explica a designer. “O futuro está em vender para clientes finais. Não achava isso há uns tempos. Criar uma rede comercial para clientes finais é incrível. Online, porque o digital hoje é tudo! As pessoas até ligam a dar as medidas e a encomendar um vestido que viram online. Acho que há uma grande oportunidade nesse mercado. As lojas hoje estão em declínio. Aqui na Europa o processo ainda está a acontecer slow, mas nos EUA que é um grande mercado nosso sente-se realmente que as lojas estão a fechar porque o online está a tomar conta de tudo”.
Famosa pelos vestidos de noite e de cocktail de rendas elaboradas,a marca Sophia Kah está em crescimento. Muito graças a clientes como Beyoncé que usou um vestido Sophia Kah para o casamento da mãe em 2015 ou de várias outras clientes como Florence Welch ou Kerry Washington que catapultaram a marca para a ribalta. Apesar dos oito anos de existência, esta é apenas a segunda apresentação em Londres com o apoio do Portugal Fashion e Ana Teixeira de Sousa quer sair um pouco do formato que popularizou a sua marca. “Nesta coleção quis trazer coisas novas, quis trazer uma mulher até bem mais prática. Ou seja, há muitos looks que até têm um casaco de renda que dá para usar com uns jeans e flats para ir trabalhar”. Ainda que esse pragmatismo não esteja representado nas modelos que deambulam pela sala a pingar glamour e sensualidade por todos os decotes e transparências, um dos motes para a nova coleção Sophia Kah é essa transição do dia para a noite que a sua criadora incorpora tão bem.
Podem ter sido celebridades como Beyoncé e Keira Knightley que lhe deram um empurrão para a ribalta ao usar as suas peças, mas na altura de definir supermulheres, Ana Teixeira de Sousa não olhou para cima, mas antes para o lado. “Inspirei-me num perfil de mulher que faz tudo porque hoje em dia a mulher tem de ser uma tigerwoman, tem de ser successful, ter um nice job, depois tem de estar sempre bonita e arranjada, tem de ter uma social life, tem de ter tempo para tudo e the world expects so much! Há algumas mulheres que conseguem desdobrar-se em mil eu pensei nelas, nessas tigerwomen que conseguem até tornar as suas imperfeições perfeitas”, diz a propósito das mulheres da sua vida que serviram de musas para “Tiger Souls”, a coleção para o outono-inverno 2019/20.
Ela mesma uma tigerwoman, Ana Teixeira de Sousa encontrou o equilíbrio perfeito entre criatividade, bom gosto e conhecimento de negócios, essa fórmula tão rara dentro do universo da moda. Ainda que diga que “Estamos numa altura em que não dá para definir uma estratégia. As pessoas compram, mas de maneiras completamente diferente”, a businesswoman tem os Quatro Tigres do Oriente, que é como quem diz Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan, na sua mira. “Hoje em dia o grosso o nosso negócio continua a acontecer em loja, mas eu acho que nós enquanto marca temos de estar constantemente em evolução. Estar atenta ao que se passa no mundo e evoluir”, resume a designer que promete levar a tradição têxtil portuguesa aos quatro cantos do mundo.