Como todas as casas, a Embaixada de Portugal em Londres tem dias mais agitados do que outros. A última quinta-feira foi um deles. Arriscamos mesmo dizer que as carpetes (de dimensões absolutamente impraticáveis nos dias que correm) dos dois salões principais há muito que não sentiam tanto salto alto. Tudo porque Sophia Kah, marca criada por Ana Teixeira de Sousa em 2011, tem já uma legião de seguidoras fiéis. Entre as muitas que atraiu a Belgrave Square, algumas vestiram-se a rigor — levaram a peito as normas de boa conduta de qualquer fashion week que se preze e honraram a própria criadora com outfits da sua autoria. Pelas rendas, topavam-se à distância. E foi com as rendas que Ana e a sua Sophia encontraram um lugar ao sol no mercado da moda de luxo.

“Saí daqui à uma com tudo fechado. Cheguei às três e já três tinham desistido”, desabafa com o Observador, no meio da correria dos bastidores. Pouco habituada às inconstâncias de uma manequim adolescente, Ana não esconde a ansiedade da primeira vez. Em sete anos, este é o primeiro desfile da marca, e logo aqui, onde, das carpetes (já dissemos) aos lustres, tudo ganha proporções imperiais. Mas há um elo simbólico a unir criação e lugar — “Tributo a Portugal” é o nome da coleção, antecipação do próximo verão, seguindo um léxico já estabelecido: costas decotadas, cortes (também eles) imperiais, silhuetas longilíneas e rendas, muitas rendas. “Quando lancei a marca, a primeira coleção era só de vestidos. Logo aí, as rendas tornaram-se na nossa imagem de marca. Hoje, compõem 80% da coleção”, explica.

Ana Teixeira e Sousa, designer e fundadora da marca Sophia Kah © Divulgação

O desfile está quase a começar. Na verdade, é o primeiro de três breves momentos. Nos salões, cuja escala não podia contrastar mais com as divisões exíguas onde se instalaram os bastidores, ouve-se o som dos saltos no chão, os flashes das máquinas e o tilintar das taças de espumante. A sinfonia só é silenciada com a entrada da primeira modelo. É um verão que está por vir, mas os presságios são bons — vestidos vaporosos, cheios de movimentos, algodões, conjuntos que deixam uma faixa de barriga a descoberto, alças finas e o uso comedido de folhos. Já lá vai o tempo em que a Sophia Kah só tinha olho para os vestidos de noite. Passo a passo, e depois de ter satisfeito uma necessidade de mercado, o design de Ana Teixeira de Sousa mostra-se à luz do dia. “Em Portugal, somos muitos leves no que vestimos, queremos estar confortáveis, sobretudo no verão”, relaciona a criadora. Do estilo de vida português, absorveu essa leveza no vestir e, sem perder a subtileza, continuou a explorar o seu país de origem. “Inspirei-me nas rendas de Guimarães. Temos trabalhos fantásticos — almofadas, toalhas –, mas nunca os transpomos para moda”, afirma. “E as cores são muito portuguesas, são das nossas fachadas, sobretudo das de Lisboa. O verde é do Douro. Inspirei-me em Portugal como um todo”, conclui.

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A assistir está Manuel Lobo Antunes, o embaixador em pessoa. A Sophia Kah estreia-se no roteiro internacional do Portugal Fashion e a embaixada abriu-lhe as portas. “A moda implica persistência, resiliência e qualidade. E é um mercado muito competitivo. Tudo o que tem haver com criação e com design encontramos aqui. Não é um mercado imediato, nem um mercado fácil”, afirma o embaixador, à conversa com o Observador.

Moodboard no atelier Sophia Kah, em Felgueiras © Divulgação

O que se viu no desfile foi só uma parte — 15 coordenados de uma coleção que terá à volta de 40. O desfile repetiu-se duas vezes com as filas de cadeiras sempre cheias de caras novas. “Fãs” será a melhor forma de definir muitas das mulheres que vieram à embaixada, inglesas e portuguesas, na maioria. Ana conta que nos dias que antecederam o desfile, sobretudo na véspera, surgiram encomendas relâmpago. Tudo para aparecerem na primeira fila vestidas por Sophia Kah. Onde é que esta marca tem andado? Em Portugal, poucos ouviram falar dela. Em Londres, já começa a ser sinónimo de vestido à prova de tudo. Nos Estados Unidos da América, começou pela meta de todas as marcas do mundo: Beyoncé.

O efeito Beyoncé

Voltemos a 2015, ano em que Tina Knowles e Richard Lawson deram o nó. O dress code seguiu um único requisito, o branco. Branco para a noiva (naturalmente), branco para o noivo, branco para a família e para os restantes convidados. Beyoncé mandou a sua stylist às compras, a stylist entrou no Barneys e, entre muitos outros itens, supomos, adquiriu um vestido branco de renda da linha de noivas da Sophia Kah. O modelo chama-se Mary, custa 2.850 euros e continua à venda. “Já tinha visto uma foto, mas elas estavam todas tão distantes que nem percebi. No dia a seguir, comecei a receber notificações no Twitter. Os fãs dela, que descobrem tudo, já estavam a identificar a marca”, recorda Ana Teixeira de Sousa. O resto da história é fácil de adivinhar. “Tivemos imensos pedidos na loja online, lojas a enviarem-nos e-mail. O vestido esgotou em todo o lado.”

Beyoncé com um vestido Sophia Kah, em 2015 © Twitter

Beyoncé pode ser a mais influente, mas não foi a única figura pública a engraçar com a marca portuguesa. Tal como a cantora, muitas outras são clientes, já que a Sophia Kah raramente envia peças a troco de divulgação. O rol é extenso e inclui nomes como Sarah Jessica Parker, Kerry Washington, Keira Knightley, Florence Welsh, Olivia Palermo, Kylie Minogue e a princesa Beatrice.

A presença constante em eventos de relevo social tem feito com que a marca escale em popularidade, embora também tenha posto o foco sobre a sua designer e fundadora. Em agosto de 2017, se a marca andava nas bocas do mundo, Ana não ficava a atrás. A semanas do próprio casamento, em pleno Vale do Douro, foi contactada pela edição americana da Vogue. Ana disse “sim”, e a festa teve direito a reportagem fotográfica. “Desenhei tudo, dos guardanapos ao vestido, o meu e os de mais umas 30 pessoas”, revela.

A gestora que sonhava com a moda

Para explicar o início da marca, é preciso ter em conta que o gosto pela moda são herança familiar. A fábrica têxtil, onde hoje são produzidas todas as peças da marca, já vem do tempo da avó, motivo pelo qual Ana aprendeu cedo o que era uma mesa de corte e a distinguir seda de algodão. Apesar das referências, a designer acabou por estudar gestão. O bichinho da moda nunca arredou pé, só ficou mais atiçado quando se mudou para Londres. Ao mesmo tempo, Ana encontrou uma falha no mercado da moda — faltava uma marca de vestidos de noite com preços intermédios, mas com qualidade excelente. Porque não produzir em Portugal, cuja vocação para o têxtil é reconhecida internacional, e fazer de Londres uma plataforma de comunicação para o mundo? Afinal, o curso de negócios internacionais havia de ter alguma serventia.

Imagem da coleção de verão 2018 © Divulgação

A marca nasceu em 2011 e, desde o primeiro dia, que tudo é feito em Portugal, em Felgueiras mais propriamente. Aliás, foi lá que tudo começou. “Foi mais de um ano até acertarmos na modelagem perfeita. Houve uma equipa, que levei do Reino Unido, só para isso. O interior do vestido tinha de ser praticamente igual à parte de fora”, explica. “Quarenta vestidos demoram três ou quatro meses a fazer. A modelagem é tudo. A modelagem e um bom tecido”, conclui.

O negócio arrancou com investimento próprio e, sete anos depois, é sustentável. Os preços vão dos 800 aos 3.240 e a Sophia Kah já está representada em lojas de luxo do mundo inteiro. Mas é no comércio online que Ana aposta quase todas as fichas. Afinal, continha a ser uma mulher de negócios. Além do próprio site, onde as peças apresentadas no desfile desta quinta-feira vão estar à venda dentro de uma semana, a marca já está na plataforma Moda Operandi e a negociar a entrada na Farfetch. “É o futuro — as pessoas estão a comprar cada vez mais online, até pelo WhatsApp. O que encontram nas lojas multimarca acaba por ser uma escolha do comprador. Por muito grande que seja a loja, com uma marca que não é uma Valentino, numa coleção de 40 vestidos, ele vai sempre comprar umas sete referências. É muito pouco”, afirma.

Questionada sobre a possibilidade de ter uma loja física, a cabeça de Ana volta a pender para as contas. A falta de rentabilidade é desencorajadora, tal como era a conjuntura do país, quando decidiu criar a própria empresa. “Portugal estava muito para baixo. Além disso, quando lançávamos um produto lá, as pessoas não valorizavam. Mas acho que isso está a mudar”, refere. Prova disso é talvez o desfile que a marca vai ter na próxima edição do Portugal Fashion no Porto, já em outubro.

A vontade de ver a marca reconhecida dentro do país é meramente sentimental. Diz que faz muitos vestidos de noiva quando cá vem, mas é fora da terra dos casamenteiros que estão as verdadeiras oportunidades de negócio. O primeiro desfile deixou-a com vontade repetir, mas não abre mão dos showrooms sazonais em Nova Iorque e Paris. A Sophia Kah pode ser portuguesa, mas está espalhada pelo mundo, e dirigi-la é mesmo isto: ter uma mão nas rendas e a outra na máquina calculadora.

O Observador viajou para Londres a convite do Portugal Fashion