A mise en scène esteve sempre nas suas mãos. As mãos, esse termómetro cruel do envelhecimento, camuflado com estilo pelo designer. Um desfile Chanel nunca foi só um desfile. As manequins nunca foram só bons cabides. As coleções ficariam sempre debilmente arrumadas no separador “roupa”. E as frases do mestre são demasiado livres para caberem num espartilho.
Há mais de três décadas ao leme dos destinos criativos da maison Chanel, Karl Lagerfeld foi acolitado por uma legião de musas, como Inès de La Fressange, epítome do charme gaulês e indissociável dos anos 80 e do arranque da relação do mestre alemão com a casa fundada por Gabrielle Chanel. Seguir-se-ia a era dourada das top models com a exuberância servida por nomes como Cláudia Schiffer, Naomi Campell ou Linda Evangelista. E a criação de cenários cada vez mais rebuscados porque, mais uma vez, o espetáculo tinha que continuar.
Para a história, sobressaem ficções bem reais, dos mais clássicos pergaminhos, fieis aos preceitos da mítica Coco (ainda que o último dos kaiser achasse que Coco odiaria as suas criações), à irreverência de um felino arisco, aquele que não se separava da sua companheira de pelo, Choupette. Karl deu-nos concertos ao vivo, luxuosos rodeos, megafones e cartazes de protesto, praias urbanas onde passaríamos os restos dos dias ao sol, esfinges, e até um vila saída do Mediterrâneo que recriou para o seu derradeiro fôlego e close up, a coleção de alta costura apresentada em janeiro em Paris. Lagerfeld já não apareceu no final para colher aplausos e louros por detrás das omnipresentes lentes escuras. Um par de luvas é capaz de disfarçar dez dedos mas não chegava para disfarçar a bofetada da doença que os 85 anos trouxeram.
Na galeria, recorde algumas das melhores imagens da ligação do designer alemão à célebre casa francesa, dos desfiles de alta-costura ao pronto-a-vestir, sem esquecer a mostra anual Metiers d’Art, desfile paralelo que lançou em 2003, numa linha de inspiração cruise.