Dois cardeais que se opõem às ideias do Papa Francisco divulgaram esta terça-feira uma carta aberta aos líderes católicos de todo o mundo, que se reúnem esta semana no Vaticano para discutir os abusos sexuais na Igreja, na qual dizem que “o mundo católico está à deriva” e afirmam que o abuso sexual de menores faz parte “de uma crise muito maior” relacionada como “a praga da agenda homossexual”.

“O mundo católico está à deriva e, com angústia, surge a questão: para onde vai a Igreja? Diante da deriva, parece que a dificuldade se reduz à do abuso de menores, um crime horrível, especialmente quando é perpetrado por um sacerdote, que é, no entanto, só uma parte de uma crise muito maior. A praga da agenda homossexual difundiu-se dentro da Igreja, promovida por redes organizadas e protegida por um clima de cumplicidade e uma conspiração de silêncio”, lê-se numa tradução portuguesa da carta publicada inicialmente em meios ligados à ala mais conservadora da Igreja.

A carta surge assinada pelos cardeais Raymond Burke e Walter Brandmüller, os dois subscritores das famosas dubia de 2016 que ainda estão vivos.

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Burke e Brandmüller fizeram parte de um grupo de quatro cardeais (juntamente com Joachim Meisner e Carlo Caffarra) que em setembro de 2016 enviou uma carta ao Papa Francisco na qual pediam ao líder da Igreja esclarecimentos sobre cinco pontos da exortação apostólica Amoris Laetitia. Aquele foi o documento em que o Papa Francisco abriu pela primeira vez a porta à possibilidade de os divorciados que voltaram a casar poderem receber a comunhão católica, causando polémica entre os elementos mais conservadores da Igreja.

A publicação das dubia marcou, de certa forma, o início formal de uma guerra entre os fiéis ao Papa Francisco, habitualmente conotados com uma ala mais progressista da Igreja, e os católicos mais conservadores ou tradicionalistas, liderados por Raymond Burke.

Na carta agora divulgada, Burke e Brandmüller garantem que as raízes da tal “praga da agenda homossexual” se encontram numa “atmosfera de materialismo, relativismo e hedonismo, na qual se questiona abertamente a existência de uma lei moral absoluta, ou seja, sem excepções”.

“O abuso sexual é atribuído ao clericalismo. Mas a primeira e principal culpa do clero não se baseia no abuso de poder, mas em ter-se afastado da verdade do Evangelho. A negação, inclusive pública, por palavras e actos, da lei divina e natural, está na raiz do mal que corrompe certos círculos na Igreja. Diante desta situação, os cardeais e os bispos guardam silêncio. Também ficarão em silêncio por ocasião da reunião convocada, no Vaticano, para o próximo dia 21 de Fevereiro?”, questionam os dois cardeais.

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Os cardeais aproveitam ainda a carta para salientar que as dubia que remeteram em 2016 ao Papa Francisco ainda não tiveram resposta da parte de Bergoglio e “são parte de uma crise da Fé mais geral”.

A carta surge dois dias antes de começar no Vaticano uma reunião inédita convocada pelo Papa Francisco, que vai reunir em Roma 190 líderes católicos de todo o mundo — incluindo o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente —, para debater a forma como a hierarquia da Igreja Católica lida com as denúncias de abusos sexuais.