O caso remonta a fevereiro de 2016 quando Manuel Pizarro era vereador do pelouro da Habitação e da Ação Social da Câmara Municipal do Porto, após assinar um acordo de governação com Rui Moreira nas eleições autárquicas de 2013. Ao detetar a falta de pagamento de rendas, o membro socialista emitiu uma notificação de intenção de despejo a uma inquilina residente no Bairro do Lagarteiro, em Campanhã. A inquilina é Paula Gonçalves, detida em setembro de 2012 por tráfico de droga e condenada a uma pena de quase 9 anos, com saídas precárias desde 2017 e, segundo o estabelecimento prisional Santa Cruz do Bispo, com a “probabilidade de sair em liberdade condicional num curto prazo”. Estes dados condicionaram a decisão de Pizarro que acabou por “reponderar” o despejo.

Rui Moreira afirmou esta manhã, durante uma conferência de imprensa, que “está provado” que foi Pizarro, vereador eleito pelo PS “quem iniciou o processo de despejo, assinou a decisão e a notificação da inquilina a dar-lhe deu 60 dias para contestar em 2016”, dizendo mesmo que o socialista “pode ter-se arrependido”.  Já Pizarro diz que foi Fernando Paulo, atual vereador de Rui Moreira, “quem em janeiro de 2018 assinou uma nova notificação”, recomeçando todo o processo. “Foi ele quem em junho de 2018 assinou a decisão de despejo e, muito mais grave, foi ele quem no dia 22 de dezembro de 2018, vésperas de Natal, assinou uma ordem de despejo, o que revela bem o espírito social com que estas situações são tratadas”, afirmou também em conferência de imprensa realizada esta manhã, onde entregou aos jornalistas os documentos assinados pelo vereador Fernando Paulo.

Rui Moreira fala em “repor a verdade” quando sublinha que “a lei prevê, especificamente, o despejo após dois anos de abandono da habitação em caso de detenção”, acrescentando que “até hoje, a Câmara ou a Domus Social não receberam qualquer comunicação das autoridades competentes” relativamente à possibilidade da libertação condicional. O autarca do Porto diz mesmo que “toda a narrativa é montada com base num falso pressuposto”.

Na mesma conferência de imprensa afirmou que o estabelecimento prisional é gerido pela Santa Casa da Misericórdia do Porto, que já garantiu ao vereador Fernando Paulo que, caso venha a ser determinada a liberdade condicional, “a Santa Casa tem condições para dar uma resposta social”. Moreira afirma ainda que os filhos de Paula “estão acompanhados e não se encontram desprotegidos desde 2012”, tendo “proteção social e familiar”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A autarquia, que no dia de ontem fez chegar aos jornalistas a notificação de despejo assinada por Manuel Pizarro a um mês de abandonar o pelouro, afirmou que “está provado” que foi Pizarro “quem decidiu o processo de despejo, assinou a decisão e a notificação”, tendo também “negado” o pedido da inquilina para integrar o pai no seu agregado familiar, mesmo depois do parecer técnico da Domus Social ser favorável, dando assim “continuidade ao despejo ordenado e nunca revogado”.

Pizarro, que abandonou o pelouro em maio de 2017, não tem dúvidas de que o processo que abriu em 2016 “está morto e enterrado”, tendo sido “ressuscitado por uma decisão política que é questionável e não pode ser atribuída a quem não a tomou”. “Tenho as maiores dúvidas que se possa dizer sobre os últimos dois anos, em que a casa era periodicamente ocupada pela senhora e os seus filhos nas saídas precárias, que a casa estava desocupada. Isto precisa de ser cuidadosamente ponderado e desta vez não houve essa ponderação”, sublinha.

Manuel Pizarro acusa ainda a Câmara do Porto de “mentir deliberadamente e manipular a informação para mentir com maior eficácia”, dando exemplos como a autarquia “ter a informação que a reclusa poderia ter uma liberdade condicional” ou o fato de não existir “uma obrigação legal de proceder à ordem de despejo”. “A lei considera que a não ocupação de uma casa por um período superior a dois anos é motivo para o despejo, mas não obriga a câmara a fazer nenhum despejo”. Pizarro sublinha ainda que “o Regulamento Municipal de Gestão do Parque Habitacional tem normas de exceção que prevê que em certos casos de emergência social se possam adotar outros comportamentos, é tudo uma questão de humanidade”. O vereador do PS conclui dizendo que “se tudo estivesse dependente de um automatismo da lei, não era necessário um vereador para assinar ordens de despejo”.

Esta tarde foi publicado um comunicado no site do município do Porto que mostra as duas cartas que a reclusa escreveu a queixar-se da ação da câmara e que, segundo a mesma, nunca chegaram. Documentos que têm como remetente no envelope “ao contrário do que seria espectável”, não o estabelecimento prisional mas sim o da Junta de Freguesia de Campanhã, “a única onde o PS é poder”.

“A maioria municipal quis transformar isto numa guerra política”

A “quantidade de mentiras” proferidas pelo executivo, que segundo Manuel Pizarro estão a transformar o Porto “numa espécie de pátria das fake news em Portugal”, preocupa-o e admitiu “hoje mesmo” escrever “à senhora provedora da justiça”, “pedindo para ser ouvido neste processo”.

“Se a pessoa em causa está presa desde 2012 é muito difícil justificar o seu despejo em janeiro de 2019, a poucas de semanas de obter liberdade condicional. Isso não faz nenhum sentido e não teria sido feito se fosse eu o responsável pelo pelouro da habitação”, afirmou, acrescentando que “há uma diferença gigantesca” entre este “procedimento desumano” e aquilo que era feito quando tinha responsabilidades nesta matéria, recordando que atribuiu “casas a 1777 famílias” quando estava no poder. Por sua vez, Moreira lembrou que entre 2014 até à saída de Pizarro “mais de 150 agregados familiares de habitações municipais foram despejados”.

Sem ficar “excessivamente perturbado” por o “colocarem no centro das atenções”, Pizarro diz “perceber o embaraço político” de Rui Moreira, mas acredita que é necessário “desmascarar” um “comportamento lamentável”. O representante do PS vai mais longe e diz que “agora é mesmo o CDS que domina agenda social da Câmara Municipal do Porto, com a sua visão punitiva em relação às pessoas”. “Acho que a maioria municipal quis transformar isto numa guerra política, não me sinto nada responsável por isso. Não fiz nenhuma intervenção a atacar o município nesta matéria, não posso é aceitar que me responsabilizem por um comportamento que não é seu”, diz.

Sobre o seu silêncio na última reunião de câmara na passa terça-feira, que segundo Moreira é “o sítio certo”, Pizarro justifica afirmando que “preferia que o assunto desta família não estivesse a ser debatido em praça pública com toda esta expressão e exposição”, mas que não “lhe restou outra alternativa para repor a verdade”, dizendo mesmo que Moreira está a ter “uma atitude de perseguição a uma família injustificável”. Segundo o jornal Público, essa mesma reunião foi aprovada por unanimidade a disponibilização de cinco habitações sociais por ano para abrigar ex-reclusos que tenham ficado sem casa por estarem a cumprir pena. O projeto Apoio para (Re)inserir, em parceria com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Santa Casa da Misericórdia, vai agora ser negociado com o Ministério da Justiça.

No mesmo jornal pode ler-se que existe uma carta aberta, que deverá ser entregue a Rui Moreira esta quarta-feira, com quase 200 subscritores que pedem a revisão e a reversão deste caso. José Mário Branco, Vitorino, Alexandre Quintanilha, Helena Roseta, Fernanda Lapa, Regina Guimarães ou José Soeiro são alguns nomes que constam no documento que deixa duras críticas à atuação por parte da autarquia.