Para Juan Guaidó, este sábado era o dia do “sim ou sim”. Foi dessa forma que o autoproclamado Presidente interino da Venezuela se dirigiu ao regime de Nicolás Maduro, numa tentativa de deixar claro que, desse por onde desse, a ajuda humanitária destinada enviada sobretudo pelos EUA teria entrar no país. Mas o desfiar de um longo duelo, em que os militares e autoridades se mantiveram tendencialmente no lado de Nicolás Maduro, atirando sobre a população e alguns elementos violentos do lado da oposição que procuravam passar a fronteira, serviram de metáfora para uma crise política que se adivinha longa e parca em avanços.

A luta da Venezuela de Juan Guaidó contra a Venezuela de Nicolás Maduro não é, por isso, uma situação de “sim ou sim”, mas antes um emaranhado que, neste momento, não consegue ir além de um “nim”, a meio caminho entre a Venezuela chavista e um futuro incerto.

As imagens do dia em que a ajuda humanitária não conseguiu chegar aos venezuelanos

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Prova disso foram as várias proclamações feitas ao longo do dia por Juan Guaidó, que na sexta-feira atravessou a fronteira a correr e a sorrir, num momento filmado e publicado nas redes sociais já este sábado. Uma das mais importantes foi aquando da entrada de dois camiões com ajuda humanitária enviada pelo Brasil. “É um grande feito”, sublinhou Juan Guaidó. Porém, escreveu o El País naquele momento, os camiões entraram efetivamente na Venezuela — mas não conseguiram ainda assim ultrapassar o cordão de militares venezuelanos que ali impediam a sua passagem.

285

Ao todo, morreram duas pessoas este sábado, segundo números da Amnistia Internacional e também da ONG venezuelana Foro Penal. Os números de feridos são díspares: a Amnistia Internacional refere 22, a Foro Penal avança 29 e o governo da Colômbia eleva a contagem para 285. A estes, juntam-se ainda outras duas vítimas mortais resultantes dos confrontos na sexta-feira. As vítimas mortais foram todas registadas junto à fronteira com o Brasil, mas também na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia o dia foi marcado por duros confrontos. Um dos focos de tensão na fronteira com a Colômbia foi a cidade de Ureña, no estado venezuelano de Táchira, onde a população e manifestantes da oposição foram atacados por membros dos colectivos, nome dado aos grupos paramilitares ligados ao regime venezuelano.

Neste momento, todas as atenções na Venezuela dirigem-se para os militares. Perante dois homens que se dão por Presidente — tendo cada um deles o seu próprio parlamento, tribunais e procuradores —, dificilmente o poder poderá ser tomado na Venezuela por quem não tiver os militares do seu lado. E, para já, é Nicolás Maduro quem conta com o apoio da maior parte dos entre 95 a 150 mil militares (números oficiais) das Força Armada Nacional Bolivariana.

A sangria de militares leais a Nicolás Maduro para o lado de Juan Guaidó tem sido lenta e pouco significativa. Ainda assim, este sábado, segundo o governo da Colômbia, que recebeu os militares que ali se dirigiam até Juan Guaidó para lhe jurar lealdade, um total de 23 membros das autoridades (três polícias, um dos quais membro das forças especiais; 19 membros da Guarda Nacional Bolivariana, um destes condutor de tanques; e um oficial da marinha) passaram para o lado da oposição. Entre os desertores da Guarda Nacional Bolivariana, está o major Hugo Parra, a mais alta patente a declarar o seu apoio a Juan Guaidó este sábado. “Bem-vindos ao lado correto da luta”, disse o líder da oposição, numa das duas conferências de imprensa que deu esta tarde.

Maduro: “Onde está a convocatória de eleições? Estamos à espera!”

Em Caracas, Nicolás Maduro falou para um ajuntamento de apoiantes, num comício igual a tantos outros como aqueles que tem feito nos últimos tempos. Antes de falar, o Presidente de facto dançou salsa com a primeira-dama e deputada Cilia Flores; a vice-Presidente, Delcy Rodríguez, acusou a acusação de serem uns “cachorros” que “lambem a cauda ao imperialismo”; e por fim Nicolás Maduro falou durante cerca de uma hora.

[Vídeo: Rebobinámos a cassete que Maduro usou nestes seis anos]

No seu discurso, Nicolás Maduro chamou atenção ao facto de este sábado se cumprirem os 30 dias da autoproclamação de Juan Guaidó, que sustenta a sua tomada de posição no Artigo 233 da Constituição. Porém, esse mesmo artigo define que, após a destituição do Presidente em funções, devem ser convocadas eleições antecipadas num prazo de 30 dias — ou seja, o prazo terminou.

Nicolás Maduro anunciou o corte das relações com a Colômbia e deu 24 horas aos diplomatas de Bogotá para saírem da Venezuela (YURI CORTEZ/AFP/Getty Images)

“Onde está a convocatória de eleições presidenciais, se supostamente têm um Presidente interino? Onde está a convocatória? Estamos à espera! Ao senhor fantoche, ao palhaço de mil caras, que convoque eleições. Desafio-o formalmente a convocar eleições. Palhaço, fantoche do imperialismo americano!”, lançou-lhe Nicolás Maduro.

No Twitter, Juan Guaidó, respondeu-lhe: “Isto é apenas o início. Se pensaram que nos íamos cansar, enganaram-se”.