A regulamentação da assistência sexual a pessoas com deficiência, a partir de um debate alargado, é a solução apontada por especialistas para acabar com o estigma em torno do recurso a profissionais do sexo.
Raquel Pereira, investigadora da Universidade do Porto, Nuno Teixeira, coordenador regional da Associação para o Planeamento Familiar (APF), e Rui Machado, do Centro Vida Independente, falaram à Lusa sobre a “sexualidade das pessoas com deficiência”, tema em foco no 12.º Salão Erótico do Porto, que vai decorrer até 10 de março, na Exponor, em Matosinhos.
Rui Machado vive na primeira pessoa o problema da deficiência, ainda que o facto de se locomover em cadeira de rodas não lhe retire ânimo nem força para lutar pelo que considera justo, concordando ser a “sexualidade em Portugal uma questão de lei”, mas também “cultural”.
Crítico de “um entendimento da deficiência contaminado pelo modelo médico, em que o problema está na pessoa”, defendeu a necessidade de um debate para resolver o problema da sexualidade nas pessoas com deficiência.
“A participação de todos os envolvidos é uma premissa para um trabalho de grande impacto”, enfatiza Rui Machado para quem “a legalização do trabalho sexual era muito importante”, sustentando não “encontrar nenhuma razão em contrário”, num país com um “vazio legal” nessa matéria.
Este trabalho, advertiu, deve também “diferenciar muito bem a assistência sexual da prostituição”, sob pena “de não se conseguir ajudar quem precisa”, numa conjuntura em que a não perceção por familiares e cuidadores do desejo sexual do deficiente a cargo “só vai agravar o problema”.
Segundo Rui Machado, o não acompanhamento do desejo sexual da pessoa com diversidade funcional faz com que piore com o passar da idade, num processo a que se juntam casos de indivíduos que não conseguindo “interpretar” as mudanças no seu corpo não sabem como “lidar” com isso.
Da parte da APF, Nuno Teixeira apontou na mesma direção, reclamando uma abertura para que o tema possa “ser trabalhado de forma científica” e lembrando que este é um problema transversal à sociedade.
“Na deficiência, orientação sexual ou na identidade sexual, as famílias transportam toda a carga simbólica que a sociedade atribui à diferença e, perante a diferença, reagimos com medo”, apontou Nuno Teixeira, queixando-se que os “cuidadores formais e informais têm muito pouca competência” e que o “habitual é fazer de conta que estas pessoas [deficientes] são assexuadas”.
Defensor do recurso a trabalhadores sexuais para assistir deficientes, disse faltar na sociedade “uma maior discussão sobre todas estas questões”, envolvendo “pais, mães, escolas, as ONGs que trabalham nisto e Estado”, em busca da solução “mais informada e consciente possível”.
Raquel Pereira integra o grupo de investigação e sexualidade humana da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e disse haver hoje um “tabu social menor sentido pelas pessoas com incapacidades físicas“.
“Contudo, o problema continua, pois “as pessoas vão às suas consultas normais, com médicos, e nem sequer lhes é perguntado como está essa parte da sua vida, o que necessitam”, relatou a académica que teve um período de formação na Holanda [no centro de Reabilitação Basalt, em Haia], que lhe permitiu avaliar diferenças entre os dois países.
“Tive a oportunidade de entrevistar profissionais que trabalham em contexto de reabilitação e que são sexólogos, focando a sua intervenção na sexologia” relatou Raquel Pereira de uma realidade “que em Portugal é praticamente inexistente, tirando Alcoitão, onde existe uma consulta da especialidade”, comparou.
E prosseguiu: “lá, explorei um bocadinho quais os desafios à implementação da sexologia em contexto de reabilitação, e para aquelas que já nasceram com algum tipo de incapacidade, e o tabu parece não estar tão presente”.
“Existem desafios, sim, mas não tanto em relação à forma como a sexualidade é vista e encarada. Ela parece ser relativamente aceite como parte do cuidado holístico à pessoa”, completou.