Portugal tem um fundo de investimento gerido por inteligência artificial que ganha mais que o índice de referência este ano, mas há ‘mão’ humana no processo e, segundo os especialistas, o humano tem sempre de supervisionar o robô.
A inteligência artificial já é usada para ganhar dinheiro nos mercados financeiros e, em Portugal, existe um fundo que investe em ações de 50 empresas à escala global que é gerido através de computação inteligente.
Chama-se Acatis AI, chegou a Portugal através do banco Best e está com ganhos de 18% desde o início do ano, acima da rentabilidade do índice de referência, de 14%. Já em 2018 o fundo perdeu 10%, a acompanhar a tendência de queda nas bolsas.
Carlos Almeida, diretor de investimentos do banco Best explicou à Lusa que, para selecionar as ações mais promissoras, o fundo recorre a ferramentas de inteligência artificial e identifica num conjunto de quatro mil empresas as 50 com maior probabilidade de retorno a médio e longo prazo, considerando 230 indicadores.
O que [o modelo de inteligência artificial] faz é consultar tudo o que são relatórios de atividade, relatórios de contas de empresas, numa base de dados com mais de 30 anos, identifica padrões e, no final, há critérios de investimentos específicos” para selecionar as 50 empresas que vão integrar o fundo, processo que ocorre duas vezes por ano, adiantou o responsável.
De acordo com o banco, trata-se do único fundo gerido através de inteligência artificial a ser distribuído em Portugal e um dos poucos que existem no mundo.
Segundo Rui Neves, professor do Instituto Superior Técnico, é possível fazer manualmente a análise de relatórios e notas técnicas referentes a uma empresa, mas se estivermos a falar das 500 empresas do índice norte-americano S&P 500, por exemplo, já é mais difícil.
E se considerarmos as “pequenas e médias empresas em vários países da Europa é impossível de fazer à mão”, adiantou o docente. “Então vou fazer com o computador, vou analisar os balanços das empresas todas e vou depois usar análise técnica” que consiste em olhar para os padrões gráficos, acrescentou.
A ideia é usar técnicas de computação inteligente ou inteligência artificial para detetar automaticamente empresas que tenham mais capacidade de se valorizar no futuro”, disse.
No entanto, de acordo com o professor do Mestrado de Engenharia Eletrotécnica e Computadores, os algoritmos criados para o efeito têm um problema associado que é o facto de deixarem de funcionar decorridos três a quatro anos, em média.
“Tenho um algoritmo que está a funcionar, que ganha dinheiro em bolsa, mas passados três a quatro anos normalmente vai deixar de funcionar”, referiu Rui Neves, acrescentando que, por isso, é preciso estar sempre a inovar para continuar a ganhar dinheiro em bolsa.
“Esse é o grande problema da inteligência artificial, olha para o passado, encontra uns padrões fantásticos, mas, entretanto, o mercado já mudou e [o algoritmo] já não funciona e então vai perder dinheiro”, explicou o professor do Instituto Superior Técnico.
O fundo Acatis AI chegou a Portugal em dezembro de 2017, tendo sido distinguido na 7.ª edição dos Euronext Lisbon Awards, no ano passado.
A análise das empresas é feita através do robô, mas existe uma parceria com o humano.
“No final há sempre uma intervenção humana, no sentido de que toda a execução das ordens em termos da construção do próprio portefólio é feito com intervenção humana”, frisou Carlos Almeida.
O robô identifica as empresas que são elegíveis para fazerem parte do portefólio e depois cabe ao humano executar estas mesmas ordens numa base semestral. A intervenção humana está a validar de certa forma aquilo que o próprio modelo identifica”, explicou o diretor de investimentos do banco Best.
No entender do professor Rui Neves será sempre necessária a ‘mão’ humana para supervisionar, detetar e reagir a eventuais desvios de resultados e falhas no modelo do algoritmo.
“Se ele começa a fazer asneira, eu fecho logo [a posição], tenho de olhar para perceber o que falhou no modelo e o que tenho de alterar para que volte a acertar”, frisou o docente, acrescentando que “os humanos vão estar sempre a ter de fazer um novo algoritmo constantemente porque o mercado está sempre a mudar e, com isso, o algoritmo que funcionou há três anos já não vai funcionar tão bem este ano”.
Questionado sobre qual a recetividade relativamente a um fundo que é gerido por inteligência artificial, Carlos Almeida respondeu que existe “interesse e curiosidade dos investidores por este tipo de abordagens”, na sequência da divulgação de conceitos como a robótica, a cibersegurança e a economia digital.
Mas não são só os investidores que manifestam apetência pelo tema. No Instituto Superior Técnico há alunos que se interessam pela aplicação dos sistemas de inteligência artificial à área financeira.
“Neste momento há vários trabalhos a decorrer nesse sentido. É uma área muito interessante. Os alunos acham muita piada porque envolve dinheiro, a capacidade de ter um salário melhor e têm interesse nisso”, partilhou Rui Neves.
Segundo o diretor de investimentos do banco Best, o sistema financeiro não vai ficar à margem da tendência de utilização crescente da tecnologia de inteligência artificial em vários processos nos diversos setores da sociedade.
“Aquilo a que temos assistido é uma maior robotização, maior digitalização de processos financeiros e queremos estar a acompanhar”, frisou.
De acordo com o docente do Instituto Superior Técnico, há mais fundos geridos por inteligência artificial à escala global do que se conhece.
“Aqui o segredo é a alma do negócio. Existem muitos fundos, mas não são todos conhecidos porque os melhores as pessoas não conhecem, esses estão no segredo dos deuses”, partilhou.