Esta segunda-feira à noite, a Câmara dos Comuns puxou o tapete debaixo dos pés do Governo de Theresa May e, numa votação sem precedentes, os deputados decidiram assumir o controlo da gestão do processo do Brexit. A partir de agora, serão eles a definir o que é votado e em que termos. Caminho fácil para um consenso? Nem por isso. As divisões políticas no Reino Unido continuam muito profundas e, no final, a primeira-ministra pode não aceitar as decisões que saírem do Parlamento, mantendo-se o impasse.

Em quatro perguntas e quatro respostas, saiba o que se passou e o que pode estar pela frente nos dias que se seguem.

O que aconteceu?

Esta segunda-feira, Theresa May recusou levar a votos pela terceira vez o seu acordo para o Brexit com a UE, alegando não ter apoio para aprová-lo na Câmara dos Comuns. Desta forma, a primeira-ministra deixou a mensagem de que teria de usar ainda mais dias para convencer um número suficiente de deputados a aprovar a sua solução para o Brexit, até à data da saída do Reino Unido da UE — em tese, 12 de abril, se não houver acordo, ou 22 de maio, caso haja um acordo aprovado na Câmara dos Comuns nas próximas duas semanas e meia.

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Horas depois da explicação de May, e vendo que os trabalhos do Governo não avançavam à mesma velocidade que os dias no calendário, os deputados da Câmara dos Comuns votaram favoravelmente uma moção que deixa nas mãos dos parlamentares o controlo do Brexit — cujos trabalhos, até agora, eram levados à Câmara dos Comuns por proposta do governo e decisão do speaker John Bercow. Esta é uma decisão de última hora e um sintoma da gravidade da situação — de tal forma que é a primeira vez que a Câmara dos Comuns aprova uma resolução deste tipo.

Quem foram os deputados que votaram a favor do resgate do processo do Brexit?

A proposta partiu de um deputado do Partido Conservador e ex-ministro, Oliver Letwin. A medida foi apoiada pela oposição, mas também por outros 30 deputados “rebeldes” do Partido Conservador, incluindo três ministros que se demitiram esta segunda-feira à noite, de forma a poderem furar a disciplina de voto. Esta é, portanto, a prova de que, tal como já se tinha visto em ocasiões anteriores, Theresa May tem cada vez menos mão não só no seu partido, mas também no próprio governo.

No final de contas, a moção foi aprovada com 329 votos a favor e 302 contra.

O que acontece a partir daqui?

Cabe agora aos deputados propor diferentes modalidades para o Brexit e levá-las a votação — os chamados votos indicativos. Aqui, volta-se, de certa forma, à estaca zero no que diz respeito a Londres — nunca esquecendo, porém, todo o contexto que vem de trás e o desgaste que ele acarreta para o governo de Theresa May. Na quarta-feira, é provável que os deputados definam, em cada uma das propostas, as questões fundamentais de um hipotético Brexit. Ou seja, os possíveis cenários: saída sem acordo, uma saída com acordo (e que tipo de acordo), uma adiamento mais longo ou ainda a realização de um segundo referendo.

speaker da Câmara dos Comuns deixou claro esta segunda-feira que, tendo em conta esta nova realidade, o deputado Oliver Letwin (que propôs esta resolução) deve “assumir a liderança do tema” e “assegurar um resultado satisfatório” após negociações entre os vários partidos, escreve o Politico.

Nesta altura, os diferentes deputados já estarão a submeter as diferentes moções a serem debatidas e votadas no parlamento. O debate tem hora marcada para as 14h00 desta quarta-feira. Sublinhe-se que aqui não se trata de aplicar medidas, mas antes de propô-las ao Governo. Portanto, o que quer que seja votado na quarta-feira, terá de voltar à Câmara dos Comuns para ser posteriormente alvo de resposta do Governo. Ainda de acordo com o Politico, essa resposta deverá chegar só na segunda-feira.

O Governo de Theresa May é obrigado a aceitar as resoluções adotadas pelos deputados?

Não, porque os votos dos deputados servem apenas como sugestão e não são, de maneira alguma, vinculativos para o Governo de Theresa May. A primeira-ministra ainda não se pronunciou publicamente após a tomada de posição dos deputados, mas na imprensa britânica há vários relatos que indicam que, embora Theresa May esteja disposta a acompanhar o processo de procura de uma solução por parte dos deputados, o Governo não estará disponível para aplicar qualquer resolução que vá contra o programa de governo firmado entre o Partido Conservador e os unionistas da Irlanda do Norte após as eleições gerais de junho de 2017 — e que define a saída da UE.

O que é isso quer dizer? Para já, que o Brexit é uma certeza — e que, como Theresa May já sublinhou várias vezes, para desagrado das centenas de milhares de pessoas que se manifestaram este sábado em Londres, o resultado do referendo de 2016 é para respeitar e o Brexit é irreversível. E, depois, que uma solução do Brexit terá de cumprir um requisito-chave do programa do Governo: assim que estiver for da União Europeia, o Reino Unido não continuará nem no mercado único nem manterá a união aduaneira.

Portanto, entre a falta de consenso que existe no Partido Conservador, parece pelo menos haver um entendimento quanto ao que está pela frente: ou o Reino Unido sai nos termos gerais do acordo de Theresa May, ou o Reino Unido sai sem qualquer acordo. É essa a conclusão tanto do ministro do Comércio Internacional, Liam Fox, como do deputado conservador Jacob Rees-Mogg, um dos mais acérrimos na defesa do Brexit.

Desta forma, como tudo está por agora, sabe-se apenas que o Reino Unido vai sair da UE. Como e quando é que, para já, continua a ser o ponto de grande discórdia.