Salvador, o bebé filho da canoísta Catarina Sequeira que está em morte cerebral desde dezembro passado, nasceu na madrugada desta quinta-feira, um dia antes do que estava previsto. Fátima Branco, a avó materna, recebeu a notícia depois das 4h30 e não desistiu de ir ao programa “Cristina” na SIC, queria fazer uma homenagem à filha, “não partilhar a dor”. Enquanto a avó explicava em direto como “durante estes meses todos” foi visitar “uma incubadora humana, um suporte vital”, os médicos envolvidos no nascimento de Salvador, davam uma conferência de imprensa no Hospital de São João do Porto.
Aí se ficou a saber que o parto fora antecipado devido a algumas complicações e que o pai assistiu a todo o processo e participou no parto, tendo ficado nas primeira horas com o bebé.
De acordo com Teresa Honrado, do serviço de medicina interna, o parto ocorreu nesta quinta-feira porque havia dificuldades em “manter padrões de oxigenação suficientes”. “Já não estava a ser possível garantir a respiração materna”, acrescentou Marina Mouco, do serviço de obstetrícia. O parto teve que ocorrer às 4h32 desta quinta-feira, tendo o bebé nascido com cerca de 1,7 quilos e 40 centímetros.
Este foi o culminar de três meses em que Catarina Sequeira esteve em morte cerebral até que o bebé pudesse nascer. Com 26 anos, a canoísta estava grávida de 19 semanas quando, na sequência de um ataque de asma (doença de que sofria desde os 13 anos), perdeu os sentidos. Ainda foi transferida do Hospital de Gaia para o Hospital São João, onde a morte cerebral foi declarada um dia após o Natal.
Foi aí que Fátima Branco sentiu que perdera a filha. Por isso o funeral de Catarina nesta sexta-feira, às 14h30, em Crestuma, não será o momento mais duro, conforme disse a Cristina Ferreira, na SIC. Para Fátima será um novo adeus: “A despedida não foi hoje [quinta-feira, 28 de março]. Foi no dia 26 [de dezembro de 2018 quando a canoísta ficou em morte cerebral]. Hoje é o dia da despedida da visão da Catarina. Quero chorá-la à vontade e saber onde é que ela está.”
Visivelmente comovida, Fátima Branco explicou que precisa de um tempo para gerir a partida da filha. “As pessoas dizem-me ‘tem ali um bocadinho da sua filha’. Mas eu não sou mãe de bocadinhos. Ou é tudo ou não é nada”, sublinha Fátima, que recusa usar Salvador para preencher o vazio deixado pela perda da filha: “Tenho de deixar partir uma pessoa para receber outra e não a usar como uma substituição. Primeiro tenho de apagar isto para depois aceitar aquela criança plena e não pensar na Catarina, pensar no Salvador, meu neto. Quero fechar o capítulo da Catarina e recebê-lo plenamente”.
Mas esse percurso vai demorar muito tempo: “Eu tenho uma alegria amarga. Eu não quero conhecer o meu neto com essa amargura. Quero ser a avó que ele conheceria numa situação normal. E não sei quando é que estou preparada para isso. Mas acredito que vou conseguir aguentar, sem festinhas, sem psicólogo, por ele e pela Catarina”.
Aliás, Fátima ainda não viu o neto, e recusa fazê-lo para já. “Ainda não tive possibilidades [de ver Salvador], mas tão cedo não tenho capacidade para o ir ver“, afirma, garantindo que só o fará quando puder “aceitá-lo plenamente sem esta escuridão, sem este rancor, sem esta confusão de emoções”.
Meses a visitar uma “incubadora humana”
“Eu queria aproximar-me dela, beijá-la, mas havia tubos por todo o lado e eu tinha medo de me aproximar dela, medo de que aquela maquinaria rebentasse. Então eu só lhe pegava na mão”, relata Fátima. Mas a mãe de Catarina garante que deixou de lhe falar após o anúncio da morte cerebral, a 26 de dezembro: “Fui visitar estes meses todos uma incubadora humana, um suporte vital“.
Durante o processo Fátima descreve momentos de “muito rancor”: “Sabe o que é estar na paragem da camioneta e ouvir ‘já ouviste falar daquela miúda grávida que está morta? Ele vai nascer maluquinho. Ainda por cima a avó tem nove filhos’. Dá-me uma vontade de esganar as pessoas”. Exatamente para evitar estes momentos Fátima quer “sair daqui e ir para um sítio onde não conheça ninguém”.
Durante meses a crise com Catarina sobrepôs-se a tudo — “Sobrevivemos, talvez. Não vivemos” — mas Fátima tentou não mostrar as dificuldades em público: “Eu prometi não chorar. Já fui acusada de ser fria. Não estou aqui para partilhar a minha dor, porque esta dor é minha. Estou aqui a partilhar a homenagem, a dar a conhecer quem era a Catarina“.
As decisões finais de Catarina
O nome do filho, Salvador, “já estava num caderno”. A data do nascimento, para Fátima, foi o último momento de decisão de Catarina: “A Catarina é o tipo de pessoa que não gostava de se expor muito. A comunicação social estava toda marcada para ir amanhã ao hospital e ela decidiu ‘ele vai nascer e só depois de estar cá fora é que vocês vão saber’. Mais uma vez ela disse ‘é isto que eu quero'”.
“A Catarina decidiu tudo na vida dela com responsabilidade, com nexo”, reforça, continuando: “A Catarina sempre conseguiu o que queria: andar a cavalo; tirar a carta; ser atleta; foi uma filha excecional, uma irmã excecional, uma namorada excecional. E conseguiu ser mãe. Só não consegue acompanhar o filho“.
Sobre o futuro, Fátima garante que o pai de Salvador, Bruno, saberá criar o filho, sempre com a ajuda da família. Sublinha ainda que se chegou à gravidez pelo desejo do pai: “Eu sei que o Bruno sempre quis ser pai. Foi sempre o grande objetivo dele”.
Já Fátima tem que superar primeiro a perda da filha: “Eu vou ter um neto, mas antes de um neto tinha a Catarina“. Avisa que será um longo processo pois a relação com Salvador ainda “é uma mistura de amor e ódio que não tem explicação”.
Salvador precisa de cuidados, mas nasceu bem
A criança nasceu às 31 semanas e 6 dias de gestação e está agora internada no Serviço de Neonatologia do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ). Por ter tido dificuldades respiratórias, o bebé teve de ser ligado a ventiladores mas está a evoluir favoravelmente.
Segundo Hercília Guimarães, neonatologista, “o bebé nasceu bem mas com a necessidade de suporte de respiração, o que costuma acontecer em bebés prematuros”. Salvador “nasceu de cesariana, com 1,7 quilogramas, o que é um peso muito bom para uma criança nestas circunstâncias”. Ainda não há indicações sobre se sofreu mazelas pela natureza da gestação em que foi criado.
Lourenço: o primeiro bebé-milagre
Este é o segundo bebé a nascer em Portugal com uma mãe em morte cerebral. Em 2016, Lourenço nasceu a 7 de junho, na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), 15 semanas depois de ter sido declarada a morte da mãe Sandra.
Lourenço nasceu prematuro, com 2,350 quilos, e foi logo transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, na Maternidade Alfredo da Costa. Com quase um mês e mais de três quilos teve alta hospitalar.
O nascimento de Lourenço foi um feito inédito em Portugal e falado um pouco por todo o mundo, dada a raridade do caso. A mãe, Sandra, estava em morte cerebral desde fevereiro, mas a equipa de cuidados intensivos da neurocirurgia do São José, em articulação com a MAC, conseguiu manter a gravidez até às 32 semanas.
(notícia atualizada às 14h56 de 28 de março)