O lixo produzido em casa na preparação de legumes e outra matéria orgânica pode vir a servir para despoluir águas ruças, como as de lagares e indústria têxtil, ou ser aproveitado para blocos usados na construção, segundo um projeto ibérico.

Há quase dois anos que a comunidade científica e empresas estão a desenvolver investigação, com resultados já comprovados em laboratório, no âmbito do projeto transfronteiriço VALORCOMP, com um orçamento superior a um milhão de euros, financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do programa INTERREG V-A Espanha-Portugal (POCTEP).

O projeto resultou de um desafio lançado pela Resíduos do Nordeste, a empresa responsável pelo tratamento do lixo no distrito de Bragança, à comunidade científica e tecnológica.

Tem como parceiros do lado português o Instituto Politécnico de Bragança e, em Espanha, a Fundação Cidaut, a empresa especialista em inovação na área da energia Nertatec e a Universidade de Valladolid.

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O Politécnico de Bragança é o coordenador do projeto, que ocupa laboratórios de química e engenharia civil procurando transformar o que foi lixo em matéria-prima e em novas soluções energéticas e ambientais.

O ponto de partida para a investigação foi, como mostrou à Lusa o investigador Helder Gomes, o trabalho já feito no Parque Ambiental da Resíduos do Nordeste, onde há já alguns anos são produzidos biogás através dos resíduos orgânicos, aqueles que não servem para reciclar, e um composto usado na agricultura como fertilizante.

A partir deste composto, os investigadores criaram um novo produto adsorvente, capaz de funcionar como um filtro e reter materiais poluentes como os que se encontram nas águas ruças (efluentes) de um lagar ou os corantes usados na indústria têxtil.

Os resultados, referiu Helder Gomes, estão comprovados à escala laboratorial, mas será necessário no futuro, depois de concluído este projeto, avançar para uma nova fase com um projeto-piloto em contexto de uma unidade industrial.

O trabalho envolve vários processos científicos que implicaram o reforço da equipa de investigadores com cinco novos elementos, entre eles o jovem investigador Mohsen Karimi, que viajou do Irão para a cidade portuguesa de Bragança para participar no projeto.

No laboratório de engenharia civil, Lurdes Cruz e Débora Ferreira trabalham com uma equipa que testa a incorporação do composto da Resíduos do Nordeste em blocos para construção. Somam já vários exemplares, mas continuam a fazer teste e ensaios às proporções dos diferentes materiais usados na composição e à resistência ao fogo ou à carga.

O comportamento do composto com argila ou terra está a deixar os investigadores otimistas pela vantagem de se tratar de uma associação de materiais locais com bons resultados no isolamento térmico e acústico das construções.

Outra vertente de investigação em curso é a transformação dos lixiviados produzidos pelo lixo, nomeadamente no aterro sanitário, num fertilizante.

“A má notícia”, como constatou um dos investigadores, Paulo Brito, é que este processo deverá levar mais tempo, pois os lixiviados apresentam grandes concentrações de metais e é necessário avaliar materiais adsorventes capazes de filtrar estes metais.

No lado espanhol, segundo Helder Gomes, o foco da investigação concentra-se mais na capacidade energética do composto orgânico e nos processos necessários para explorar ao máximo este potencial com menos poluentes para a atmosfera, estando já testadas “pellets” para produção de energia.

O projeto termina em setembro e os resultados finais serão apresentados a gestores e decisores políticos.

O diretor da Resíduos do Nordeste, Paulo Praça, já manifestou disponibilidade para apoiar ações futuras com vista ao desenvolvimento dos resultados alcançados.

“Este projeto é importante não só para a Resíduos do Nordeste, que está a ser aqui parceira e a dar o seu objeto de estudo. É importante porque do lado espanhol esse desafio também se coloca, uma vez que nós estamos no espaço europeu e as diretivas comunitárias é que nos regulam, são comuns, e coloca-se também aos colegas do lado português que tal como nós têm estes problemas em mãos”, considerou.

A valorização dos resíduos, explicou, “procura ir ao encontro desta ideia do conceito de economia circular, que é desviar ao máximo aquilo que são os resíduos de aterro”.

“Nós temos hoje de encarar os resíduos como um recurso e então o objetivo é ver: será que o que é hoje um resíduo amanhã pode ser uma matéria-prima?”, ilustrou.

Das 53 mil toneladas de resíduos produzidas no Nordeste Transmontano, dez mil foram desviadas do aterro e valorizadas, em 2018, quer através da reciclagem, quer no tratamento mecânico e biológico com a produção de biogás e do composto.

Em 2018, foram produzidas 1.500 toneladas de composto vendidas para serem usadas como fertilizante em culturas da região, nomeadamente pomares e olival.