“Julian Assange, 47 [anos], foi esta quinta-feira, 11 de abril, detido por agentes do Serviço da Polícia Metropolitana na embaixada do Equador, Hans Crescent, SW1, no cumprimento de um mandado emitido pelo tribunal dos magistrados de Westminster”. O comunicado vinha da polícia britânica e marcava a manhã (e o dia) desta quinta-feira: após sete anos de asilo na embaixada do Equador em Londres, o fundador do WikiLeaks foi detido.

Mas a notícia não ficou por aqui. Pelo meio, foram-se descobrindo os detalhes da detenção, falou-se em pedidos de extradição de dois países, várias personalidades reagiram ao momento e ainda se andou à descoberta do livro que Assange levava no braço no momento em que deixou a embaixada. Afinal, o que é que se passou?

Da detenção à saída do tribunal

Eram 9h15 quando a polícia chegou à embaixada do Equador em Londres para levar Julian Assange, após sete anos asilado naquela instalação diplomática. Primeiro, as autoridades reuniram com o embaixador equatoriano, que lhes terá dito que se preparava para agir em conformidade com a decisão do governo equatoriano de revogar o asilo concedido ao fundador do WikiLeaks, revela uma reportagem da Press Association.

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Os rumores de que Assange estaria para abandonar o edifício já circulavam há alguns meses, uma vez que as suas relações com o Equador estavam cada vez mais frias. Ao mesmo tempo que se sabia da detenção de Julian Assange, o Presidente do Equador, Lenín Moreno, publicava no seu Twitter um vídeo a explicar que o país “decidiu soberanamente retirar o asilo diplomático a Julian Assange por violar reiteradamente convenções internacionais e o protocolo de convivência”.

O Equador é um país generoso e de braços abertos. O nosso governo é respeitador dos princípios do direito internacional e da instituição do direito ao asilo. Concedê-lo ou retirá-lo é uma faculdade soberana do estado equatoriano, de acordo com o direito internacional. Hoje [quinta-feira], anuncio que a conduta desrespeitosa e agressiva do senhor Julian Assange, as declarações hostis e ameaçadoras da sua organização aliada contra o Equador e, sobretudo, a transgressão das convenções internacionais geraram uma situação a um ponto em que o asilo do senhor Assange é insustentável e inviável. O Equador, soberanamente, dá por finalizado o asilo diplomático outorgado ao senhor Assange em 2012”, explicou Lenín Moreno.

Ainda na embaixada, os agentes da polícia terão tentado apresentar-se primeiro a Assange, mas este terá resistido e tentou esquivar-se, dirigindo-se para o seu “quarto” privado na embaixada. Pelas 10h15, Assange acabou mesmo por ser detido, tendo as autoridades que recorrer à força para o algemar. “Isto é ilegal, não me vou embora!”, gritou o fundador do WikiLeaks enquanto era levado para a carrinha da polícia. Mais tarde, já dentro da viatura, Assange ainda acenou aos repórteres.

Assange à saída da embaixada do Equador em Londres

Por volta das 13h, Julian Assangue chega ao tribunal de Westminster, perante grande aparato de segurança e de comunicação social. Apareceu de fato preto, cabelo apanhado e uma longa barba branca e ouviu as acusações que lhe são imputadas: uma delas é que violou a medida de coação que lhe foi aplicada em 2012, quando não se apresentou em tribunal, como devia, tendo em vez disso pedido asilo político ao Equador. Assange diz, no entanto, que está inocente.

Porém, o juiz Michael Snow considerou-o culpado e enviou o caso para o tribunal superior, onde será proferida a sentença. Segundo a Sky News, o juiz considerou que o comportamento de Assange é o de “um narcisista que não consegue ir além do seu próprio interesse”. Michael Snow considerou-o culpado e decidiu enviá-lo para o Crown Court, tribunal mais elevado em primeira instância. Deverá ser ouvido no dia 2 de maio. Até lá, permanece sob custódia das autoridades.

O detalhe do livro transportado durante a detenção como forma de protesto

Enquanto Assange era levado da embaixada para a carrinha da polícia, houve um detalhe que chamou à atenção: na sua mão, transportava o livro History of the National Security State (em português, “A História do Estado de Segurança Nacional”), de Gore Vidal. Rapidamente se começou a tentar perceber o significado deste gesto: o livro poderá ser uma forma de protesto, uma vez que o escritor e intelectual americano ficou conhecido como um liberal progressista e crítico do “império” americano e chegou a ser candidato pelo partido democrata ao Congresso.

Assange tinha um livro nas mãos quando foi preso. Porquê?

No livro, Vidal discute com o editor Paul Jay “os eventos históricos que levaram ao estabelecimento do complexo industrial-militar e a cultura que deu origem à ‘Presidência Imperialista’”. A expressão “complexo industrial-militar” foi usada pela primeira vez pelo Presidente Dwight Eisenhower e é utilizada para denunciar o suposto poder oculto das forças armadas e da indústria militar na política americana.

EUA e Suécia: os pedidos de extradição

Estados Unidos

Depois da detenção, a Scotland Yard anunciou que recebeu um pedido de extradição de Julian Assange por parte dos Estados Unidos e que Assange “foi detido a pedido das autoridades dos EUA”, depois de ter chegado à esquadra em Londres para onde foi levado antes de ir para o tribunal. “Isto é um pedido de extradição abrangido pela Secção 73 da Lei de Extradição. Ele irá ser presente a um tribunal de magistrados de Westminster assim que possível”, acrescenta a nota enviada.

Jen Robinson, que faz parte da equipa jurídica de Assange, também confirmou que a detenção do fundador do Wikileaks foi levada a cabo “não apenas” por não se ter apresentado em tribunal em 2012, mas também devido ao pedido de extradição dos EUA.

A justiça americana acusa Julian Assange do crime de conspiração com Chelsea Manning para revelar documentos secretos que podiam ser usados para prejudicar os Estados Unidos e que foram revelados não só pelo WikiLeaks, mas também por vários meios de comunicação internacionais. Caso seja extraditado para os Estados Unidos, Julian Assange será lá julgado pelo crime de conspiração. De acordo com o código penal norte-americano, este crime pode ser punido com uma pena de prisão de até cinco anos.

Os advogados de Assange garantiram, no entanto, que vão lutar contra este pedido de extradição dos Estados Unidos.

Como é que Assange chegou até aqui e o que vai ser dele agora? 4 perguntas, 4 respostas

Suécia

Depois de saber da detenção de Julian Assange a advogada de uma das mulheres que acusaram o fundador da WikiLeaks de violação revelou à imprensa sueca a intenção de conseguir reabrir o processo para, assim, Assange “possa ser extraditado para a Suécia e julgado por violação”. “É por isto que temos esperado durante quase sete anos. Agora aconteceu e é claramente um choque para a minha cliente. Vamos fazer tudo o que conseguirmos para garantir que os procuradores retomam a investigação preliminar”, assegurou Elisabeth Massi Fritz.

Em maio do ano passado, o caso foi arquivado, mas poderá ser reaberto, caso Assange entre em território sueco antes da prescrição do alegado crime (em agosto de 2020).

As reações

“Ninguém está acima da lei”

Mal se soube que Julian Assange tinha sido detido, as reações de vários lados não tardaram a chegar. O ministro do Interior do Reino Unido foi o primeiro a falar. “Quero agradecer ao Equador pela cooperação e à polícia metropolitana pelo seu profissionalismo. Ninguém está acima da lei”, escreveu Sajid Javid no Twitter. Também o Presidente equatoriano referiu que “a paciência do Equador chegou ao limite”, acrescentando que ” a conduta desrespeitosa e agressiva do senhor Julian Assange, as declarações hostis e ameaçadoras da sua organização aliada contra o Equador e, sobretudo, a transgressão das convenções internacionais geraram uma situação a um ponto em que o asilo do senhor Assange é insustentável e inviável”.

A primeira-ministra britânica Theresa May repetiu as palavras de Sajid Javid no Parlamento em Londres. “Este é agora um assunto legal, perante os tribunais. O ministro do Interior vai emitir um comunicado sobre o assunto mais tarde, mas gostaria de agradecer à Polícia Metropolitana por ter cumprido o seu dever com grande profissionalismo e de agradecer a cooperação do governo equatoriano na resolução deste assunto. Isto vai mostrar que no Reino Unido ninguém está acima da lei”, sublinhou.

Já o Presidente dos Estados Unidos estava na Sala Oval da Casa Branca quando foi questionado sobre o caso, mas poupou nas palavras para comentar a detenção de Assange. “Não é coisa que me interesse”.

Sei que é qualquer coisa relacionada com Julian Assange. Eu tenho estado a ver o que aconteceu com Assange e isso será um fator decisivo, imagino, sobretudo para o procurador-geral, que está a fazer um excelente trabalho. E, portanto, ele tomará uma decisão. Eu, realmente, nada sei sobre ele. Não é o que eu faço na vida”, acrescentou Donald Trump.

Esta posição do líder norte-americano vem contrastar com a adotada durante as semanas finais da campanha para as eleições presidenciais de 2016, das quais Trump saiu vencedor, em que elogiou a WikiLeaks mais de 100 vezes, chegando a afirmar: “Eu adoro a Wikileaks!”. No outono desse ano, a WikiLeaks divulgou embaraçosas mensagens de correio eletrónico roubadas à campanha presidencial da sua adversária, a democrata Hillary Clinton.

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Detenção “arbitrária” e uma “violação dos direitos humanos”

Do outro lado da barricada, há quem considere a detenção de Assange um crime e até uma traição. Se o atual Presidente do Equador diz que foi feita justiça, tendo em conta a alegada atitude desrespeitosa do fundador do WikiLeaks, o antigo Presidente equatoriano, Rafael Correa, acusa o atual chefe de Estado de ser “o maior traidor da história do Equador e da América Latina”.

“Permitiu à polícia britânica que entrasse na nossa embaixada em Londres para prender Assange. Moreno é um homem corrupto, mas o que ele fez é um crime que a Humanidade nunca vai esquecer”, escreveu Correa, que foi Presidente no Equador entre 2007 e 2017, no Twitter.

Da Bolívia chegou também a reação do Presidente Evo Morales, que refere que o país “condena fortemente a detenção” e que se trata de uma “violação da liberdade de expressão”. “A nossa solidariedade com este irmão que é perseguido pelo governo dos EUA por revelar as violações de direitos humanos, assassinatos de civis e espionagem diplomática”, escreveu ainda.

Também Edward Snowden, o antigo analista da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos que tornou públicos detalhes sobre os sistemas de vigilância do governo norte-americano sobre os cidadãos, reagiu à detenção de Assange. No Twitter, escreveu que “as Nações Unidas já determinaram, formalmente, que a sua detenção seria arbitrária e uma violação dos direitos humanos“. Snowden anexa um comunicado da ONU de 21 de dezembro de 2018 onde se lê que os especialistas da organização “apelam ao Reino Unido que honre as obrigações e deixe o sr. Julian Assange sair livremente da embaixada do Equador em Londres”.

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