A família real britânica perdeu nos últimos meses dois dos seus condutores com maior experiência ao volante. Se o príncipe Philip, de 97 anos, decidiu entregar a sua carta de condução depois de se ver envolvido num acidente, a sua mulher e Rainha, Isabel II, optou igualmente por entregar a autorização para guiar, antes  que os seus 92 anos lhe pregassem uma partida. Sendo que ela é a única cidadã do Reino Unido a poder conduzir sem carta.

Com estes dois ases afastados do volante, há uma vasta colecção de veículos da casa real que ficam agora entregues ao príncipe Carlos, reconhecido apaixonado por automóveis, possuindo ele próprio mais de 100. E como é igualmente um devoto defensor do ambiente, o herdeiro ao trono esforçou-se por reduzir a pegada ambiental da realeza no que respeita às emissões de CO2. Daí que a esmagadora maioria dos veículos com motor a gasóleo da frota de Isabel II consumam, na realidade, um biocombustível produzido a partir de óleo de vegetal de cozinha usado.

Do vinho fazer combustível

A ânsia do príncipe Carlos de colocar toda a frota real a consumir óleo de fritar ‘encalhou’ num pormenor de índole técnica, uma vez que é complicado adaptar um motor a gasolina para queimar óleo vegetal. Isto levou Carlos a procurar outra solução, especialmente para um dos seus veículos preferidos, um belo descapotável Aston Martin DB6 Volante, de 1970.

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Embora o DB6 percorra apenas cerca de 300 milhas por ano, cerca de 482 km, o príncipe sabe que os veículos clássicos são tão lindos e elegantes como poluentes. Os seus motores, obviamente a carburadores – generosos em número e dimensão, no caso da Aston Martin – forneciam excesso de gasolina, sendo que parte dela acabava por sair pelo escape ainda por queimar. Posto isto, o mais velho dos filhos da rainha Isabel contactou a Aston Martin para que o fabricante adaptasse o motor para a queima de vinho. Ou melhor, para consumir um biocombustível obtido com base nos restos da produção de vinho que, devido às quotas impostas por Bruxelas, a indústria vinícola britânica não podia engarrafar.

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Recorda Carlos que, assim que apresentou o seu projecto à Aston Martin, os técnicos reagiram com um sonoro “mas isso vai estragar tudo”, referindo-se obviamente ao belo motor 4.0 de seis cilindros em linha, alimentados por três Weber duplos, que debita 330 cv, potência capaz de levar o DB6 Volante até aos 241 km/h. Mas perante a recusa do príncipe em voltar a usar novamente o Aston Martin até que ele se tornasse mais amigo do ambiente, o fabricante lá decidiu dar um jeito…

De que combustível estamos a falar?

Os responsáveis pela Aston Martin sabiam que todos os anos os países europeus produzem mais vinho do que aquele que podem comercializar, e a Inglaterra não é excepção. Esse excesso vai tradicionalmente parar às empresas que produzem biocombustíveis, que assim fermentam a quantidade excedentária de vinho, juntamente com outros restos, para produzir bioetanol. Este é depois fornecido às refinarias, uma vez que em toda a Europa a dita gasolina normal, com 95 octanas, é na realidade E5. Ou seja, gasolina com 5% de etanol.

Para satisfazer o pedido do príncipe – foi mais exigência –, a Aston Martin recorreu à Green Fuel, em Gloucestershire, não muito longe de Gaydon, onde fica a sede da Aston Martin. A empresa de processamento de etanol recebe os restos da produção de vinho, já tornado impróprio para consumo ao ser misturado com um derivado de leite, de uma produção local de queijo. Segue-se a fermentação e a produção de álcool, o etanol, que depois é misturado com 15% de gasolina sem chumbo, dando origem ao E85.

Tipicamente com um índice de octano à volta de 105, o E85 é um biocombustível capaz de elevar a potência de um motor, especialmente se a sua regulação foi afinada para queimar a grande percentagem bioetanol. Os técnicos da Aston Martin que realizaram a adaptação do motor não estavam convencidos que a transformação fosse funcionar, tanto mais que o DB6 tinha sido concebido para queimar gasolina ainda com chumbo e o E85 poderia expor o motor de seis cilindros, com quase 50 anos, a um esforço excessivo. Porém, o resultado satisfez toda a gente e provou que o motor passou a funcionar ainda melhor.

E85 é só vantagens?

Não para o príncipe. Carlos, hoje com 70 anos, assume-se como um condutor muito mais calmo, embora ainda goste de “apertar” um pouco com o seu DB6 Volante, que recebeu aos 21 anos como prenda de Isabel II. Mas nada que se compare com a vontade de acelerar que sentia nos anos 70, altura em que chegou a pedir umas dicas de pilotagem ao também britânico e antigo campeão do mundo de Fórmula 1 Graham Hill.

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Um litro de E85 – e não se pode subir muito mais a percentagem de etanol para evitar dificuldades em pegar a frio – tem menos energia do que igual quantidade de gasolina. Significa isto que polui menos, por um lado, mas obriga a um maior consumo de combustível por outro, o que acaba por diluir a vantagem inicial. O mesmo acontecendo com a potência.

Mas há algumas vantagens para o E85, que passam por explorar a sua capacidade de resistir melhor à detonação, bem como ao seu maior potencial para absorver energia, ou seja, calor dentro da câmara de combustão. Se Carlos fosse um homem do tuning – o que está longe de ser o caso –, então este era um bom motivo para optar pelo bioetanol, pois isso permitir-lhe-ia aumentar a taxa de compressão para extrair mais potência, ou a pressão de sobrealimentação, pois o E85 evitava que o motor aquecesse em excesso.

Segundo a imprensa britânica, o DB6 Volante funciona à mil maravilhas, mas o seu consumo do tal combustível derivado do vinho está (realmente) longe de impressionar. Pelo menos, pela positiva. O preço do biocombustível fica a cerca de 1,27€ o litro, com o Aston Martin a beber que nem um desalmado. Ao que parece, só mata a sede com um consumo médio de 30 litros/100 km de E85, o equivalente a cerca de 40 garrafas de vinho com 7,5 dl. Menos mal que o príncipe Carlos se alegra com o cheiro adocicado que o acompanha, sempre que circula no seu DB6 Volante, porque só isso o irá fazer esquecer que o E85 está longe de ser a melhor solução para proteger o ambiente e até reduzir os custos de utilização.