Às vezes, não vale a pena desperdiçarmos a nossa nostalgia, é o que parece dizer o italiano Paolo Virzi (“O Capital Humano”) no seu novo filme, “Noites Mágicas”, que tem uma forte componente autobiográfica. Estamos em Roma, no Verão de 1990. A Itália vai ser eliminada pela Argentina nas meias-finais do Mundial de Futebol que se disputa em terras transalpinas, e o cinema italiano está em queda desde meados da década de 80: crise económica, uma geração de velhos e grandes realizadores a disparar os últimos cartuchos, seca de novos talentos, ressaca criativa, fuga maciça dos espectadores das salas, advento da televisão comercial. Nem o aparecimento de cineastas como Nanni Moretti, nem o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro para “Cinema Paraíso”, de Giuseppe Tornatore, em 1989, mascaram as evidências. É o fim de uma era de ouro das fitas italianas.

[Veja o “trailer” de “Noites Mágicas”]

É este o cenário que encontram, na Cidade Eterna, os três finalistas do Prémio Solinas para jovens argumentistas: o siciliano Antonino (Mauro Lamantia), tão cinéfilo quanto ingénuo e socialmente desastrado; o toscano Luciano (Giovanni Toscano), esquerdista, estoira-vergas e que não pode ver um rabo de saia; e a romana Eugenia (Irene Vetere), uma neurótica viciada em comprimidos, com complexos por ter nascido em berço de ouro e o pai ser um político rico e poderoso (Antonino e Luciano têm ambos um pouco de Virzi, que chegou a Roma vindo da província na altura exata em que o filme se passa; e Eugenia é baseada na argumentista e realizadora Francesa Archibugi, que participou na escrita de “Noites Mágicas”).

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[Veja uma entrevista com o realizador e o elenco]

Antonino ganha o prémio de 25 milhões de liras pelo seu argumento sobre um pintor do Renascimento. E o trio, que se instala no luxuoso apartamento de Irene, vai envolver-se com um produtor truculento e falido, Saponaro (Giancarlo Giannini), cruzar-se em restaurantes, discotecas, festas e nas ruas de Roma com a geração anterior de cineastas e argumentistas, já no ocaso da sua existência e das suas capacidades criativas, descobrir que os novos talentos são explorados pelos mais velhos e instalados no sistema (as “fábricas” de escrita onde os jovens teclam, furiosa e anonimamente, episódios de séries de televisão e argumentos de filmes em que os veteranos põem depois os nomes), perderem as esperanças e ilusões de vingarem no cinema (Saponaro convence Antonino a tornar o seu filme numa série para a RAI, Irene é usada sexualmente por um ator francês “intelectual” a quem leva o seu argumento) e envolverem-se numa intriga policial onde se tornam suspeitos de assassínio.

[Veja uma cena do filme]

O melhor de “Noites Mágicas” é precisamente a evocação parte melancólica, parte satírica, mas muito pouco saudosista, que Paolo Virzi faz de um tempo vivido intensamente, de uma agitada atmosfera social e artística e de um momento de transição do italiano cinema que se desvaneceram. E o espectador pode divertir-se com o “quem é quem” das personalidades que aparecem ao longo do filme, onde reconhecemos realizadores como Antonioni, Monicelli, Scola ou Fellini (Saponaro leva Antonino à rodagem do último filme deste, “A Voz da Lua”), argumentistas como Suso Cecchi D’Amico (que o tradutor de “Noites Mágicas” não sabe que era uma mulher e chama-lhe “o Suso”), Scarpelli ou De Concini, ou atores como Mastroianni, Sordi e Tognazzi (Ornella Muti surge, já muito plastificada, a fazer de diva “sexy” na sequência da entrega do prémio).

[Veja uma sequência do filme]

Este mundo desaparecido nunca é fustigado com muita violência nem retratado com excesso de bílis por Virzi. Apesar de tudo o que tinha de negativo e de desencorajador (os três principais protagonistas de “Noites Mágicas” são todos desenganados nos seus sonhos de fama, grandeza e intervenção política, e nenhum deles acaba por fazer carreira no cinema), ele foi também o seu, quando era novo e ambicioso. No lado menos conseguido da fita, as personagens, sobretudo as secundárias, andam sempre no limite da caricatura (a amante loura, curvilínea e burra de Saponaro, o jovem ator símbolo sexual, egocêntrico e cabotino, o velho realizador achacado, contestatário e frustrado), o “name dropping” torna-se irritante a certa altura e Virzi não resiste, de forma demasiado óbvia, a dar sermão aos mais jovens sobre como fazer cinema a pensar no espectador.

Tudo pesado e considerado, “Noites Mágicas” acaba por ser um filme agradavelmente potável, porque Paolo Virzi tem não só a câmara como também o coração e as recordações no lugar certo. E os atores, todos bem arrumadinhos nas suas personagens, e Roma e a sua luz estival, tratam do resto.