Apesar da violência, e ainda que tudo isto seja um jogo, imaginemos este cenário: bater numa criança zombie (ou seja, morta-viva) com um taco de baseball. Esta frase não resume na totalidade “Days Gone”, mas diz muito sobre um videojogo que cria sentimentos mistos. O que o jogador enfrenta nesta história é um cenário virtual em que parte do estado americano do Oregon vive em pós-apocalipse, tudo consumido por zombies enquanto os sobreviventes não têm grande rumo. A premissa é semelhante à de muitas histórias do género, tanto em séries como “The Walking Dead”, como em videojogos ao estilo “The Last of Us”. O mundo aberto de “Days Gone” tem componentes bastante interessantes que até fazem antever uma sequela, mas a história e jogabilidade obrigam-nos a olhar para outros exclusivos da PS4 que conseguem ser mais cativantes.
Para enfrentarmos este mundo apocalíptico vestimos a pele de Deacon St. John. Mal arrancamos o jogo — tenha um telemóvel ao pé para se distrair, porque o tempo de carregamento (loading) para começar consegue ser grande — sentimos que vamos entrar numa história que quer ser séria. No início do fim do mundo, Deacon tem de escolher entre acompanhar a namorada ferida que segue num helicóptero para ser salva e o melhor amigo que sem o seu apoio pode morrer. A escolha é pelo amigo e começamos a jogar três anos depois, num mundo virado do avesso em que Deacon sobrevive sem saber o que aconteceu exatamente à namorada.
Deacon é, provavelmente, das únicas personagens interessantes neste jogo. Os diálogos, mesmo com uma boa tradução em português (apesar de preferirmos as vozes e textos em inglês), não são muito desenvolvidos como noutras histórias. Mesmo assim, este motoqueiro facilmente mata zombies e também não hesita em matar humanos para sobreviver.
Ao longo de “Days Gone” vamos aprendendo todo um novo dicionário: “freakers” é o que chama aos zombies adultos; as crianças comedoras de humanos são “newts”. Mas as contas finais são iguais para todos: é possível para matar tudo e todos com um bastão (e outras armas que vamos encontrando pelo cenário e missões, de manchetes a pés de mesa passando por metralhadoras).
Contudo, para matar estas criaturas e humanos que vão aparecendo na história — algo que é necessário em praticamente todas as missões — a jogabilidade devia ser melhor. Mesmo depois de passarmos a curva de aprendizagem e do hábito, é impossível não sentir frustração nos confrontos. O sistema de combate consegue ser frustrante, ainda que as munições faltem com muita frequência e cada batalha tenha de ser pensada ao detalhe. Não nos esqueçamos que trata-se do fim do mundo, gastam-se bastantes balas e os bastões de madeira partem-se com facilidade.
Em vários momentos, a falta de opções para nos esquivarmos de um “freaker” levou a olhar para outros jogos cujo sistema de combate está melhor construído: leia-se aqui, por exemplo, “Horizon Zero Dawn“, também um exclusivo para a PS4 que parece ter inspirado bastante este “Days Gone”. Não poder saltar ou facilmente escapar de forma mais flexível pareceu estranho num jogo que nos apresenta um cenário livre.
Ainda assim, e apesar dos defeitos, o jogo consegue assustar e ser desafiante. Para não revelarmos a história na totalidade, até porque apesar de algo previsível tem reviravoltas que suscitam curiosidade e surpreendem, damos o exemplo do primeiro confronto com um zombie. Num túnel escuro, apenas com a luz da lanterna de Deacon e dos faróis da mota do tal amigo que sobreviveu, temos de matar alguns destes monstros. De noite, este cenário vai assustar qualquer jogador. Com o desenrolar da história e do jogo, as enchentes de zombies que Deacon tem de defrontar no chuvoso Oregon transformam o nosso comando numa máquina de sobrevivência.
Toda a história acontece com um pano de fundo de gráficos bem construídos — mas não dos melhores que esta geração de consolas tem para oferecer — e num cenário aberto. Para quem não conhece o termo de “cenário aberto”, o melhor exemplo para o compreender é a série de jogos “Grand Theft Auto” (GTA). Na prática, há um mapa grande — neste caso, uma reconstrução virtual de parte do Oregon — em que o jogador controla uma personagem para chegar como quer às missões disponíveis em vários pontos. Tudo isto com a ajuda — e velocidade — da mota de Deacon, que podemos ir melhorando conforme progredimos nas diferentes missões. Contudo, no final, mesmo com uma banda sonora que merece elogios (o barulho dos freakers de fundo enquanto procuramos combustível para a mota consegue ser intenso), a história demora a desenrolar-se e não é pela dimensão do mapa, mas sim pela forma como foi construída.
Veredito final: quando os zombies estavam na moda tínhamos mais vontade de os matar
Em “Days Gone”, o que mais dececiona é a jogabilidade e a falta de opções num mundo aberto que parece ter espaço para mais potencial. A PlayStation 4 consegue ter bastantes exclusivos bem realizados que fazem inveja à concorrência. Mas quando nos lembramos de “Horizon Zero Dawn”, que tem muitas componentes semelhantes, mas melhor aplicadas, sentimos que este jogo podia oferecer mais. Quem sabe numa sequela, porque há base neste jogo para isso.
Há momentos em que o coração fica a palpitar com freakers à nossa frente, uma machete quase a partir-se, três balas numa pistola e quatro flechas no arco — e mesmo assim, sobrevivemos. Contudo, com o desenvolver da história, não há muita emoção de cada vez que pegamos de novo neste jogo. Numa altura em que já nem “The Walking Dead” consegue salvar os zombies, “Days Gone”, apesar de ter os seus momentos, não é a história que vai reavivar os mortos-vivos.