Fundada em 1736, a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo é a segunda mais antiga no Porto, logo após a Ordem de S. Francisco. Surgiu pelas mãos de leigos com a intenção de se dedicar à assistência social, tratando os doentes e apoiando os mais carenciados. “A ambição de uma ordem era ter um templo e um hospital” quem o diz é Rui Barbosa, provedor desta instituição desde 2016, em entrevista ao Observador.

A Igreja do Carmo, cuja fachada de azulejos é um dos cenários mais famosos das fotografias turísticas, foi construída em 1756, é vizinha da Igreja dos Carmelitas Descalços, conhecido pelo estilo baroco e classificada como Monumento Nacional desde 2013. Entre as duas igrejas, que não podiam ser construidas pegadas uma a outra para não comprometer as janelas e alguns altares, ficou um espaço onde acabou por ser construída uma casa, que por ter uma fachada com apenas um metro é considerada por muitos a mais estreita da cidade. “Esta era uma área completamente desconhecida, foi ocupada por pessoas ligadas à ordem como médicos, artistas, pessoal dos serviços e, numa fase mais recente, era a casa onde vivia o sacristão. O espaço estava abandonado e o seu restauro foi o ponto de partida para a instituição agregar o seu espólio num circuito turístico”, explica Frederico Marchand, elemento da direção, ao Observador. As

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A Casa Escondida da Ordem do Carmo foi então recuperada ao longo de seis meses e aberta ao público no início do ano passado, assim como as catacumbas e uma exposição de peças em prata, numa altura em que a instituição completou 250 anos. Este mês a instituição abriu novos espaços para visitas e se antigamente o foco estava na igreja e os seus anexos, agora o centro é a ordem e o seu património histórico, cultural e artístico. “Queremos mostrar que esta instituição está viva e tem um património artístico cultural riquíssimo na pintura, na escultura e até no mobiliário, que deve estar visível e acessível a todos”, sublinha Frederico Marchand.

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Do edifício da Ordem do Carmo também faziam parte uma residência sénior, renovada recentemente, e um hospital, inaugurado em 1801 e encerrado em 2012, que em breve dará lugar a um hotel. A instituição era formada por vários irmãos, uma espécie de associados, que doavam dinheiro ou era acolhidos por outros e usufruíam de algumas regalias. Hoje a cota anual é de 20€ e existem cerca de 5 mil irmãos com acesso gratuito ao circuito turístico e com entrada assegurada no “maior cemitério privado do Porto”, na Boavista.

Eis uma mão cheia de coisas que vai poder descobrir nos seis novos espaços históricos: Tribuna do Senhor dos Passos, Salão Nobre, Sala dos Paramentos, Sala dos Hábitos, Sacristia e Auditório.

Uma tradição recuperada na Tribuna do Senhor do Passos

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Em 1858 o secretário da Ordem Terceira do Carmo, Henrique Francisco de Moraes, pretendia aumentar o culto ao Senhor dos Passos e propôs que se fizessem obras nas traseiras do mesmo altar de forma a permitir que os irmãos e devotos pudessem beijar o pé do Senhor ao entrarem numa pequena abertura. A obra foi paga por beneméritos e ficou concluída no ano seguinte. A tradição foi agora recuperada e o espaço tornou-se visitável. Na sala da Tribuna do Senhor dos Passos é possível observar um altar recuperado por um grupo de voluntários e vários quadros de temática religiosa do século XVII, bem como mobiliário antigo e uma claraboia cheia de luz natural.

A pele perfeita de uma irmã morta há mais de 200 anos

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Depois de passar o antigo armazém, agora transformado num auditório com 30 lugares, e pela igreja, agora com uma sinalética dinâmica em todos os altares, chegamos às catacumbas. Entre as ossadas e uma coleção com 26 peças em prata, maioritariamente feitas no Porto, encontramos junto à caixa forte um caixão que mereceu um enterramento especial. Trata-se da Irmã Maria de Jesus, falecida em abril de 1796, uma figura importante na ordem. “Não foi santa mas está aqui há mais de 200 anos e com uma pele melhor do que muitas senhoras”, assegura Frederico Merchand. O diretor afirma que existem “centenas de corpos enterrados” sobre o edifício da Ordem, entre provedores, clérigos e chefes máximos. Acompanhar, sepultar e sufragar (rezar missas por alma de) os irmãos falecidos constituíam obrigações religiosas da Ordem do Carmo, como acontecia nas demais instituições similares. Até à abertura dos cemitérios públicos municipais, em meados do século XIX, os defuntos eram sepultados nas igrejas, claustros e adros das mesmas. A Ordem Terceira do Carmo sepultou os irmãos no chão da sua igreja e no adro do hospital. Durante as guerras liberais D. Pedro proibiu os enterramentos nas igrejas e a partir de 1869 a Ordem Terceira do Carmo começou a enterrar os mortos em no cemitério municipal de Agramonte, na Boavista, onde tem terrenos privativos com “mais de duas mil sepulturas de perder de vista”, sendo o “maior cemitério privado da cidade”.

A passagem oculta no Salão Nobre

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Subindo ao primeiro andar encontramos o imponente Salão Nobre, antigamente chamada Sala do Despacho, uma espécie de sala de reuniões onde os dirigentes da instituição discutiam e decidiam alguns temas. O teto em estuque, móveis articulados, castiçais altos com velas, um altar de Nossa Senhora do Carmo trabalhado em talha dourada e uma mesa com mais de uma dezena de lugares recheiam esta divisão, que numa das paredes tem um quadro de madeira onde se apontavam os nomes dos irmãos falecidos. “No século XIX eram cerca de 40 mil o número de irmãos”, revela Rui Barbosa, o provedor da Ordem. Um painel de azulejos coloridos do século XVII de estilo neoclássico forram todas as paredes do salão, onde junto à entrada existe uma passagem secreta com acesso às traseiras de um altar. “Tanto funcionava para reparações como para escapar, uma vez que o Porto passou por períodos muito conturbados, como as invasões francesas, as guerras liberas ou a implantação da república. Nesses períodos de turbulência era necessária alguma precaução e alguma cautela para arrumarmos as coisas que podiam ser roubadas”, conta o provedor. Junto ao altar estão duas portas que dão acesso a uma sala de arquivo histórico, onde é frequente estar Aníbal Barreira, professor especialista em ordens religiosas, rodeado de centenas de livros, registos e atas. “Todos os dias se descobrem coisas novas, doutorei-me aqui, já faço parte da mobília”, diz ao Observador.

O paramento oferecido pelo rei Carlos Alberto

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O edifício da Ordem Terceira do Carmo localiza-se na Praça Carlos Alberto, antiga Praça do Ferradores, e não é por acaso. Trata-se de uma homenagem ao rei Carlos Alberto da Sardenha que esteve exilado no Porto em 1849, até à sua morte, e viveu no Palacete dos Viscondes de Balsemão. “Vinha aqui à missa e ofereceu-nos este paramento tão bonito”, explica o provedor, Rui Barbosa. Na Sala dos Paramentos são muitas as vestimentas expostas, dos conjuntos típicos da Ordem, pincelados de castanho e bege, as cores oficiais, feitos em seda branca e bordados com linha dourada, às peças religiosas, onde cada tom – preto, verde, vermelho, banco, roxo ou azul celeste – tem um significado e está relacionado com uma determinada época litúrgica. Além da roupa, também é possível ver nas vitrinas objetos como escapulários, manuscritos, missais, livros de atas e de eleições ou um crucifixo feito em marfim, “a peça mais valiosa” do espólio da instituição.

As cadeiras parteiras do Hospital do Carmo

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Na Sala dos Paramentos há alguns vestígios do hospital da Ordem, um dos mais conhecidos da cidade. “São poucas as pessoas do Porto que não nasceram ou foram operadas aqui e foram muitos os diretores clínicos que se formaram na Universidade do Porto”, sublinha o provedor. Fotografias do bloco cirúrgico, da enfermaria ou das camas de ferro típicas naquela época, são algumas provas da pegada do hospital da Ordem, inaugurado em fevereiro 1801. Tinha mais de 300 colaboradores e foi vendido em 2012, para dar lugar a um hotel, ainda por construir. Além de duas liteiras que serviam para transportar os doentes, ou nas casas mais abastadas para transportar as pessoas mais velhas, nomeadamente as senhoras, chamam a atenção duas cadeiras parteiras de madeira. “No século XIX o parto era realizado sentado numa das cadeiras, conseguimos recuperá-las”, conta Rui Barbosa, responsável pela instituição. Entre as muitas histórias ligadas ao hospital do Carmo, Rui lembra que em 1809, durante as invasões francesas, o regimento do Marechal Soult ocupou as instalações do Convento dos Carmelitas Descalços, que acabaram por fugiram. “O regimento tinha muitos feriados e pediram para serem tratos no hospital mais próximo, o nosso. As outras igrejas foram saqueadas, a nós valeu-nos o hospital. Aqui tratavam-se igualmente os soldados franceses e portugueses.”

Praça de Carlos Alberto, 1/4. 22 207 8400. Segunda, das 12h às 18h, terça a domingo, das 10h às 18h. Preço: 3€