Portugal voltou a marcar pontos na energia renovável no fim-de-semana da Páscoa quando o sistema elétrico esteve a funcionar sem nenhuma central térmica a operar. O feito, que durou entre as 23.45 do dia 19 e as 21.30 do dia 21, portanto quase 46 horas, teve no entanto um senão. Neste período, uma parte muito substancial do consumo português estava a ser abastecido por energia importada, via Espanha. E uma parte dessa energia terá vindo de Marrocos cujas vendas para o país vizinho dispararam com a entrada em funcionamento de uma nova central a carvão, a tecnologia que mais CO2 produz.

O alerta é feito num comunicado da APREN (Associação Portuguesa de Energia Renovável). Segundo a associação, com base nas estatísticas diárias da REN (Rede Elétrica Nacional), a produção de energia de fontes renováveis representou 70% do consumo, um número conseguido muito à boleia de uma grande contribuição da energia eólica que foi responsável pela produção de 95 GWh nesse período. A APREN diz que este nível “colocou Portugal em lugar de destaque na Europa, com uma incorporação de 46% da eletricidade renovável no consumo”.

O problema está na parte da energia que tivemos de comprar a Espanha, 30%, e que segundo a APREN, terá tido contributo de Marrocos, para além de França. Marrocos, que até há pouco tempo era importador tradicional de eletricidade espanhola, conseguiu inverter o sentido do trânsito da energia entre os dois países com a entrada em operação no final do ano passado de uma grande central a carvão. Portugal não está ligado a Marrocos, mas acaba por receber alguma da energia produzida neste país através da interligação elétrica com Espanha que pode abastecer até 40% do consumo nacional. E quando importamos energia não podemos escolher a cor do eletrões, nem saber se têm origem verde ou não.

O presidente da APREN considera que a probabilidade de alguma da energia de Marrocos ter tido como destino Portugal é elevada. Em declarações ao Observador, Pedro Amaral Jorge alerta para o desequilíbrio das regras e imposições da União Europeia, que obriga as centrais a carvão a assumirem os custos das emissões de CO2, comprando licenças para emitir carbono, face às condições impostas às centrais marroquinas que, não tendo as mesmas exigências conseguem produzir com menos custos e colocar na Europa a energia a preços mais competitivos. Para além desta “concorrência desleal” — as centrais a carvão marroquinas também não têm de ter sistemas de dessulforação (redução de enxofre) como as europeias — esta realidade não é coerente com as metas europeias de alcançar a descarbonização total até 2050, o que passa por desativar as centrais a carvão — que no caso de Portugal deverão acabar até 2030.

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Trata-se de uma concorrência desleal, pois beneficia a produção mais emissora de gases com efeito de estufa, em oposição às diretrizes europeias, que penalizam as externalidades negativas deste tipo de produção.

Pedro Amaral Jorge reconhece que os estados não podem fazer grande coisa para impedir estas importações, terá de ser a União Europeia a tomar medidas, mas quando questionado sobre a intenção do Governo português de construir uma interligação elétrica com Marrocos, defende que tal projeto deve ser bem estudado. Isto porque Marrocos e Portugal têm ciclos climáticos muito próximos — quando está sol lá, também está sol cá. Logo, mais interessante do que importar energia de Marrocos, ainda que renovável, seria desenvolver os parques solares cá, assegurando maior incorporação nacional.

Os dados da REN para o primeiro trimestre revelam um aumento substancial das importações de eletricidade da ordem dos 164%, enquanto as exportações caíram 70%, com o saldo a ser negativo para Portugal, mas não indicam qual a fonte de origem da energia comprada a Espanha.