António Costa lançou a bomba. Ou melhor, avisou que ia lançar a bomba da demissão assim que o Parlamento aprovasse a reposição de todo o tempo de serviço congelado aos professores. Essa votação final deverá acontecer, no limite, no próximo dia 15 de maio — podendo acontecer antes, dia 10 –, e nenhum partido parece estar disposto a voltar atrás com a sua palavra, apesar de o PSD só este sábado se reunir para debater o assunto, sendo que apenas uma reviravolta de Rio pode evitar, assim, a demissão de Costa. Caso contrário, tudo indica que a bomba explode a 10 ou 15 de maio. E o que acontece quando a bomba explodir? Significa que há eleições antecipadas? Não necessariamente. Mas vamos por partes.

Primeiro passo: texto final tem de sair da comissão

O primeiro passo é a comissão parlamentar de Educação chegar à redação final do texto que ontem foi aprovado. Tudo indicava que isso iria levar algum tempo, uma vez que se trata de um projeto conjunto negociado oralmente — palavra por palavra — e que mexe com vários artigos na dependência de outros artigos. Mas a verdade é que o texto chegou ao email dos deputados da comissão ainda esta sexta-feira, ao início da noite. É lá que se acerta o calendário: “Estes documentos serão apreciados e votados na reunião da Comissão de 7 de maio, para serem depois enviados para votação do texto final na sessão plenária”, lê-se no email dos serviços enviado aos deputados, a que o Observador teve acesso.

E o que diz o texto final?

  1. Que deve ser contabilizado o tempo total de serviço congelado: 3411 dias (9 anos, 4 meses e dois dias). Ou seja, fica consagrado o princípio da devolução do tempo integral.
  2.  Que “a partir de 1 de janeiro de 2019, aos docentes [referidos no n.º 2 desse artigo] são contabilizados 2 anos, 9 meses e 18 dias de tempo de serviço congelado, produzindo efeitos imediatos”. Ou seja, há um acréscimo de despesa, sim, mas só relativa à contagem previamente aceite pelo Governo (os dois anos e 9 meses). 
  3. Que “os termos e o modo como se dará a concretização da consideração do tempo remanescente [os mais de 6 anos que faltam] para recuperação integral do tempo não contabilizado são estabelecidos pelo Governo, em processo negocial”. Ou seja, cabe ao governo que governar a partir de 2020 negociar os termos e o modo da consideração do tempo que falta.
  4. Que “cumpre ao Governo a acomodação orçamental, no âmbito do Orçamento do Estado de 2019, da aplicação do impacto financeiro previsto no n.º 1 do artigo 2.º” [ou seja, os dois anos, 9 meses e 18 dias]. “Não se verificando o previsto no número anterior, as verbas em falta são inscritas no Orçamento do Estado de 2020 e pagas com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2019”. Ou seja, que o Governo deve acomodar a despesa relativa à contagem dos 2 anos e 9 meses no atual Orçamento, mas se entender que não é possível, então essas verbas ficam inscritas no Orçamento de 2020, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2019.

Segundo passo: votação em plenário

Assim que o texto for validado na comissão de Educação, o projeto segue para aquilo a que se chama de votação final global, no plenário do Parlamento. Segundo uma fonte da comissão, “o processo da especialidade ainda não está fechado, ainda podem ser votadas as alterações feitas pelos serviços, já aconteceu noutras alturas”. Mas a verdade é que as eventuais alterações que possam vir a ser feitas serão apenas de pormenor, já que os deputados não poderão alterar o sentido de um texto que já foi votado na especialidade.

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Sendo essa reunião da comissão no próximo dia 7 de maio, tudo indica que o texto pode “subir para o plenário” e ser votado já na sexta-feira, dia 10 de maio, dia habitual de votações. Nessa altura, o máximo que os partidos podem fazer é pedir a avocação de artigos da lei a plenário, o que fazem habitualmente para obrigar a expor posições políticas sobre o tema ou para mudarem o sentido de voto em relação aos artigos chamados a plenário. Assim sendo, e se não houver mudanças de votação, de acordo com o ultimato de António Costa, deverá ser mesmo nesse dia que o primeiro-ministro pede a demissão. Isso só não acontecerá, portanto, se nenhum partido mudar de posição na votação final em plenário. Face ao que todos os partidos já disseram, só falta perceber claramente o que fará o PSD, que fica assim com a faca e o queijo na mão.

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Há alguma probabilidade de os partidos mudarem de posição, evitando demissão de Costa?

Não. Também esse cenário já foi rejeitado pelos vários partidos. A julgar pelas declarações feitas na reação ao ultimato de António Costa, isso não vai acontecer. PSD, CDS, BE e PCP já garantiram que vão manter o voto na votação final global da proposta sobre a reposição de todo o tempo de serviços dos professores. Todos os líderes partidários reagiram à declaração de António Costa, à exceção de Rui Rio, que convocou uma reunião da direção do partido para este sábado, pelo que o PSD era o único partido que faltava ouvir. Mas em declarações citadas pela TSF, em Coimbra, a deputada Margarida Mano (responsável do PSD pelas negociações) afirmou que, embora o partido ainda vá analisar a versão do texto final aprovado na especialidade, “não há motivos para não votar favoravelmente” um texto que, disse, cumpre os princípios do PSD. Ou seja, só se os social-democratas derem uma ‘cambalhota’ e recuarem na votação, abstendo-se ou votando contra, o projeto-lei chumbará.

Também o Bloco de Esquerda manteve a posição: “Da nossa parte, aquilo que votámos ontem [quinta-feira], votámos em consciência e em coerência com o caminho que tivemos no passado. Não faz sentido mudar de votação para a votação final do global”, disse Pedro Filipe Soares ainda antes da comunicação de Costa ao país, posição que Catarina Martins confirmou logo depois. O PCP, pela voz de João Oliveira, disse também que não aceitava “chantagens e ultimatos” e que mantinha “a sua posição coerente de defesa da contagem de todo o tempo de serviço de todos os trabalhadores das carreiras especiais da função pública”. Assunção Cristas foi igualmente clara ao reiterar que o compromisso do CDS é contabilizar o tempo todo e serviço — “o nosso compromisso não é com datas, é com princípios –, e o Observador sabe que não é intenção do partido mudar o sentido de voto.

Ou seja, confirmando-se o voto destes quatro partidos, o projeto consensualizado entre PSD, CDS, PCP e BE que consagra o princípio da contagem do tempo integral de serviço dos professores (sem data limite nem forma de o fazer), vai mesmo ser aprovado. E, nesse caso, Costa demite-se mesmo.

Terceiro passo: proposta é aprovada no Parlamento, Costa demite-se. E Marcelo?

Quando uma iniciativa legislativa é aprovada no Parlamento não entra logo em vigor — precisa, primeiro, da promulgação por parte do Presidente da República. Mas quando António Costa diz que “a aprovação em votação final global desta iniciativa parlamentar forçará o Governo a apresentar a sua demissão”, faz a demissão depender inteiramente do Parlamento, e não daquilo que o Presidente pode vir ou não a fazer. Ou seja, mesmo que Marcelo entenda vetar o diploma, mandando-o para trás, ou até pedir a fiscalização preventiva, não fará diferença. 

Portanto, António Costa demite-se mesmo. E depois? Segundo a Constituição da República, a demissão do Governo implica, antes de mais, a sua aceitação por parte do Presidente da República. Logo, Marcelo Rebelo de Sousa pode, no limite, não aceitar a demissão. Mas, se Marcelo aceitar a demissão, eis os cenários em cima da mesa:

1. Não aceitar a demissão:

Diz a Constituição, no artigo 195º, que a demissão do Governo implica “a aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro”. Ou seja, no limite, Marcelo Rebelo de Sousa pode não aceitar a demissão alegando proximidade com o calendário eleitoral já agendado. Mas é pouco provável, não existe essa tradição.

2. Aceitar, não dissolver a Assembleia da República, e o governo ficar em gestão:

O mesmo artigo da Constituição diz que, após a sua demissão, “o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”. Ou seja, o Governo fica imediatamente em gestão, limitando-se à gestão corrente até novo Governo tomar posse. E pode manter-se assim até à data das eleições legislativas — isto, claro, se Marcelo optar por não dissolver a Assembleia da República, mesmo aceitando a demissão do Governo. Uma coisa não implica a outra. Esta pode ser a opção mais viável, dada a proximidade das eleições legislativas.

3. Aceitar, e ouvir os partidos para encontrar uma solução de Governo dentro do atual quadro parlamentar:

Outra opção é Marcelo aceitar a demissão, não dissolver a Assembleia e, “ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” (artigo 187º da Constituição), mandatar um partido para formar Governo — governo esse que se manteria até à data das eleições (marcadas para 6 de outubro). Nesse caso, poderia, no limite, mandatar Rui Rio, líder do partido com maior representação parlamentar, a formar governo. Mas também esta opção é improvável, já que esse governo seria bastante curto, na medida em que as eleições legislativas serão a 6 de outubro e daí sairá um novo governo.

4. Aceitar, dissolver a Assembleia e convocar eleições antecipadas

Marcelo Rebelo de Sousa pode ainda dissolver a Assembleia da República e, nesse caso, terá de convocar eleições antecipadas. Acontece que, dados os calendários obrigatórios que terá de cumprir, a antecipação será mínima face à data já existente. De acordo com a Constituição e a lei eleitoral para a Assembleia da República, o Presidente da República tem a competência de marcar a data das eleições “com a antecedência mínima de 60 dias ou, em caso de dissolução, com a antecedência mínima de 55 dias”.

Ou seja, mesmo que Marcelo decidisse dissolver a Assembleia e convocar logo eleições antecipadas no dia em que Costa anunciar a demissão (supondo que é a 10 ou 15 de maio), teria de se esperar 55 dias até à data das eleições: sendo a demissão a 10 de maio, no limite haveria eleições a 4 de julho. Parece pouco provável que o Presidente da República e os partidos queiram ter legislativas em pleno mês de férias de verão, mas é um cenário em cima da mesa — tanto mais que, para dissolver a Assembleia da República, o Presidente ainda tem de “ouvir os partidos nela representados e o Conselho de Estado”, o que implica que demore sempre mais alguns dias. Mesmo que as eleições fossem antecipadas para setembro, em cima das eleições regionais na Madeira, pouco difere da data originalmente apontada: 6 de outubro.