Em março, Roger Federer acrescentou mais um título, mais uma mão cheia de recordes e mais um argumento à certeza de que é o tenista mais bem sucedido dos primeiros 19 anos do século XXI. No Dubai, ao bater o grego Stefano Tsitsipas que este domingo conquistou o Estoril Open, o suíço chegou à 100.ª vitória em torneios ATP: depois de já ser o o jogador com mais Grand Slams de sempre (20), o primeiro a conseguir três Grand Slams em três épocas, o primeiro a vencer dois Grand Slams em seis temporadas e o primeiros a ir a dez finais, 23 meias-finais e 36 quartos consecutivos de Grand Slam.
Roger, over and (never) out: Federer conquista no Dubai o 100.º torneio ATP aos 37 anos
Esta semana, Federer regressa ao Masters 1000 de Madrid — quatro anos depois de ter competido no Open da capital espanhola pela última vez e antes de voltar à terra batida de Roland Garros no final do mês. Em entrevista ao El País, o suíço de 37 anos falou sobre a vontade de ser “uma pessoal normal”, sobre o final da carreira que continua sem data e a elegância que tantas vezes serve enquanto apelido ou adjetivo para a forma como se apresenta no court. “Adoramos os superlativos no desporto, mas isso não é nada de novo. Aceito o adjetivo com um sorriso: tudo bem, é o que vocês disserem. Acho que o facto de conservar o backhand a uma mão ajuda muito nesse aspeto. Quando falas de jogadores que usam o backhand a uma mão, dizes que são elegantes. Se a isso somares o êxito que eu tive, vão dizer-te que sou dos mais elegantes entre os que fazem backhand a uma mão. Mas acho que a elegância se pode converter num estilo que te representa no circuito, também fora de court, a tua forma de falar, a impressão que dás…se se pensar mais a fundo na palavra, significa muito mais”, começa por dizer o tenista.
Sobre o dia, no futuro, em que se vai despedir de forma definitiva dos campos de ténis, Roger Federer garante que não tem de ser depois de uma grande vitória, de uma grande conquista ou de mais um recorde: só tem de ser na altura certa. “Como atleta profissional, o meu desejo é sempre poder retirar-me quando eu decidir. Se pode ser algo que vou decidir quando estiver de férias? Podia ser, dizia que já fiz o suficiente, dava uma conferência de imprensa e ia. Ou então jogo uma partida e digo: ‘Ficamos por aqui’. Penso que, a partir do momento em que a decisão é tua, será a situação perfeita. O onde, o como e o quando pode ir crescendo no interior. Se é algo que sentes, vai estar tudo bem. Não procuro um final de conto de fadas. Há muita gente que pensa que a minha carreira tem de acabar com o final perfeito, mas eu vejo isso como um enfoque errado, seria uma desilusão”, explica o suíço, que revela ainda que mantém a paixão pelo desporto porque “adora jogar”. “Espero que ainda me reste muito energia no tanque. Adoro ir aos torneios e ver os outros jogadores. São como a minha outra família”, acrescenta Federer.
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O tenista, que é tido muitas vezes como um dos atletas mais mundanos e humildes do panorama internacional, indica que se pudesse escolher ser outra coisa que não desportista durante um dia seria apenas “uma pessoa normal”: e talvez até quisesse mais do que apenas um dia. “Como será uma vida muito normal? Como vive uma pessoa normal? Não precisava de ser só um dia, podia ser uma semana. O trabalho não tinha de ser nada maravilhoso, algo que me inspirasse muito, podia ser algo normal. Isso é aquilo que mais procuro para a minha família. Quando vamos em digressão no circuito vivemos nesta espécie de loucura saudável, que não é a realidade, e não devemos tomá-la como tal. Faço um esforço consciente pela minha mulher e pelos meus filhos, mas estaria bem a ir trabalhar e, quando acabasse, voltar a casa para a minha família. Como seria poder fazer isso? Posso imaginar, mas é algo que não me importava de experimentar”, garante Roger Federer, deixando ainda mais claro que a “bolha” — como o próprio lhe chama –, em que vive, não é uma escolha pessoal mas sim uma consequência inevitável da profissão.
Depois de mais de 20 anos a jogar ao mais alto nível, seria de esperar que fosse difícil para o tenista escolher a partida em que, na sua opinião, esteve melhor. Mas a resposta é rápida: a final do Open da Austrália de 2017, quando regressou à competição depois de parar durante seis meses para recuperar de uma lesão no joelho e protagonizou com Rafael Nadal uma das melhores partidas de ténis dos últimos anos. “Nunca tinha visto tantos resumos como aconteceu com a última meia-hora desse jogo. Não sei porquê, mas mandaram-me um milhão de vídeos e compilações das melhores pancadas e comecei a vê-los porque não conseguia acreditar que tivesse vencido aquela partida, muito menos o torneio. Esse regresso foi como um conto de fadas. Será sempre um dos momentos mais incríveis da minha carreira. E foi contra o Rafa [Nadal]. Nos outros grandes jogos talvez faltasse esse elemento chave: não foram contra o Rafa. Há muitos outros jogos, mas esse está definitivamente muito acima. Os últimos 20 minutos foram muito especiais”, confessa Federer, que começou aí aquela que seria a melhor temporada da carreira desde 2007.
Sobre como se vê daqui a 10 anos, o suíço tem ambições muito simples. “De certeza que aí já terei escolhido as outras coisas que serão interessantes para mim depois do ténis, que me farão feliz. Espero que aí a minha fundação tenha crescido muito e que já tenha viajado muito. Espero continuar ligado ao ténis, de uma forma ou de outra, seja como mentor de jovens ou algo totalmente diferente, não sei. Tenho muita coisa para fazer. Tenho vontade de viver esses próximos 10 anos”, afirma Federer, que só quer que o recordem como “um bom tipo”. “É muito simples. Espero que olhem para trás e pensem que era um bom tipo, que era bom para o circuito. Quero que as pessoas sintam que ajudei o circuito, que contribuí para lhe dar forma, que era uma boa referência, que não pensava só em mim. Vejo o circuito um pouco como uma família. Sim, isso estaria bem”.