O email, escrito no passado sábado, 4 de maio, e enviado para a Ordem dos Médicos e para o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), dá conta de uma situação preocupante — e a mais do que um nível.
De serviço à Urgência, a equipa de Anestesiologia do Hospital Amadora-Sintra era composta por apenas dois médicos especialistas — “Abaixo do número mínimo recomendado pelo Colégio de Especialidade de Anestesiologia e Ordem dos Médicos”, lê-se no documento a que o Observador teve acesso.
Vinte e quatro horas, das 8h de dia 4 à mesma hora do dia seguinte, era a duração do turno que tinham sido escalados para fazer . Esta prática coloca “em perigo a saúde dos doentes” e está “acima do que ditam as regras elementares reguladoras da fadiga em trabalho médico”, já tinha denunciado esta sexta-feira o SIM no comunicado onde dá conta da greve da equipa de Anestesiologia do hospital, agendada para os próximos dias 20, 21, 23, 23 e 24 de maio.
“Neste momento encontram-se internadas 9 grávidas no bloco de partos com possibilidade de haver eminentemente [sic] 2 cesarianas urgentes”, alerta o email.
“Esclarecemos que há risco eminente de não haver resposta adequada a situações emergentes obstétricas/cirúrgica simultâneas, Laboratório de Hemodinâmica e Exames Complementares e que estão em risco a vida das grávidas, fetos e doentes.”
Fonte do Hospital Fernando da Fonseca (HFF) garante ao Observador que tal não aconteceu. “Não vale tudo. Quando se verificou que só tínhamos dois anestesistas entrámos em plano de contingência, o que significa que podemos reencaminhar as grávidas que nos chegarem pelo INEM ou pelos bombeiros, em situação de parto iminente, para São Francisco Xavier ou para Santa Maria.”
Já Jorge Roque Cunha, secretário-geral do SIM, dá conta de uma situação de “desespero” no hospital, que serve uma população de cerca de 600 mil pessoas — “100 mil delas sem médico de família, 30 mil na Amadora, 70 mil no concelho de Sintra”.
“Há mais de um ano que os médicos do serviço de Anestesiologia alertam o Conselho de Administração para a situação, escrevendo inclusivamente cartas de limitação de responsabilidade. Nos últimos três anos saíram sete pessoas e não foi contratada nenhuma, o Conselho de Administração não consegue sequer fixar os internos. É impossível aguentar mais tempo”, garante ao Observador.
Numa altura em que, dá conta o mesmo comunicado, a “grande maioria dos anestesiologistas” do Hospital Fernando da Fonseca já ultrapassou ou está prestes a ultrapassar o máximo legal anual de 150 horas de trabalho suplementar, os médicos partem agora para a greve aos serviços programados.
Ainda assim, garante Jorge Roque Cunha, os serviços mínimos destacados para a Urgência vão contar com mais médicos anestesistas do que aquilo que é habitual no dia-a-dia do hospital. “Vamos escalar quatro de dia e três de noite, a maior parte das vezes estão 3 de dia, um dos quais interno, e dois de noite, um dos quais interno. O número recomendado é seis”, explica.
Outra das queixas do SIM à partida para esta greve é exatamente a colocação de médicos internos como segundos ou terceiros elementos das equipas de serviço às urgências: “Colocar um médico ainda em formação com a responsabilidade de ser o segundo ou terceiro elemento numa urgência complexa como a do HFF, é intolerável e coloca em risco o percurso formativo que os médicos internos devem ter”.
Ao Observador, a administração do HFF garante que todos os internos são acompanhados e lamenta a falta de especialistas no hospital, que assegura uma média de 82 cirurgias em 12 salas de bloco mais 12 partos por dia: “Ainda agora, em abril, lançámos um concurso para anestesistas, em serviço contratado, que veio vazio, ninguém se candidatou. O problema da anestesia está longe de ser uma questão particular do Hospital Fernando Fonseca. É antes, uma questão nacional — com notória escassez de especialistas naquela área”.