A falta de anestesistas no Hospital Amadora-Sintra já não é de hoje, mas agora está a afetar os serviços de reanimação. A denúncia é do Sindicato Independente dos Médicos: a administração do hospital estará a solicitar a dois médicos encarregues da urgência interna que, além da sua tarefa, assegurem também as escalas de reanimação. Tudo porque os anestesistas, que habitualmente têm essa responsabilidade, escasseiam naquela unidade hospitalar.

No comunicado, intitulado “Hospital Amadora-Sintra tenta o 2 em 1 que nem Vidal Sassoon”, a entidade considera que “as tarefas da urgência interna são exclusivas, não sobreponíveis a quaisquer outras, razão por que não devem ser perturbadas por acréscimo colossal de responsabilidades”. Ao Observador, Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do sindicato, explicou as razões pelas quais recomenda aos profissionais de saúde que não aceitem acumular funções. “Aconselhamos vivamente, e com toda a força possível, que os médicos não aceitem compactuar com esta ilegalidade. Os médicos que estão na urgência interna só podem fazer urgência interna e não se podem responsabilizar por mais essa tarefa. Até porque, caso exista algum problema que decorra da coincidência de ocorrências, é o médico que vai ser responsabilizado“, diz.

No Amadora-Sintra, o serviço de urgência interna, que assegura a assistência aos internados do hospital fora do horário habitual dos profissionais de saúde, é atualmente garantido por dois médicos — que podem ser internos, ou seja, ainda a completar a sua formação de especialidade. São dois para cerca de 700 camas, apurou o Observador junto de fonte do Hospital. A sobreposição de tarefas “pode ser problemática”, explica. “Já testemunhei haver duas reanimações ao mesmo tempo. Se, além disso, os dois médicos ainda tiverem de assegurar a urgência interna, vai ser muito complicado”.

A mesma fonte explica que, embora qualquer profissional de saúde com suporte avançado de vida esteja habilitado a fazer reanimação, as equipas “tradicionalmente” são compostas por anestesistas. “Tem sido assim no hospital ao longo dos últimos anos”, elucida.

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Menos anestesistas, menos salas de cirurgia

O problema da falta de anestesistas no Amadora-Sintra não é novo, mas tem-se agravado ao longo do tempo. E isso acontece porque os profissionais vão abandonando aquela unidade de saúde sem serem substituídos. “Saíram, pelo menos, três anestesistas nos últimos seis meses e não foram repostos. E, quando saíram, já havia carências”, garante a mesma fonte hospitalar ao Observador.

Hospital Amadora-Sintra com menos de metade dos anestesistas necessários

As consequências não se fizeram esperar. Desde logo, o encerramento de salas de cirurgia — que são 11, uma delas destinada às urgências. “Desde junho estamos a fechar uma média de três salas por dia devido à carência de anestesistas, mas também de enfermeiros”, assegura a mesma fonte.

Para este mês de novembro, vai haver mais um efeito, garante também o Sindicato Independente dos Médicos e fonte do hospital ao Observador: os períodos de urgência de 24 horas no Hospital terão apenas dois médicos anestesistas, escalados para responder às solicitações de todos os serviços disponibilizados — Reanimação Intra-Hospitalar, Bloco Operatório, Bloco de Partos, Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica urgentes, incluindo Via Verde Coronária, técnicas de Pneumologia, TAC (tomografia axial computorizada) Gastroenterologia, e colheita de órgãos.

“É manifestamente insuficiente”, garante a mesma fonte, que coloca uma hipótese que se torna real com alguma regularidade: “Se houver uma urgência no Bloco Operatório, outra no Bloco de Partos e for preciso abrir uma segunda sala no Bloco de Urgências, como vai ser? É muito pouco. Pode não acontecer nada, mas também podem acontecer várias coisas”, diz. As urgências de 24 horas são, atualmente, asseguradas por quatro anestesistas — a redução será para metade.

A mesma fonte diz ao Observador que há uma “desmotivação enorme” entre os funcionários do Hospital. “As pessoas não conseguem atingir os objetivos, cada vez há uma maior lista de espera nas cirurgias, porque as salas têm de ser fechadas por falta de profissionais. É muito complicado”, diz.

Um terço das urgências de obstetrícia do Amadora-Sintra não cumpre mínimos

Em comunicado divulgado em outubro, o Sindicato Independente dos Médicos já tinha denunciado as dificuldades vividas no serviço, que “tem sofrido nos últimos anos uma degradação progressiva e grave” com a “saída de médicos deste serviço, por aposentação ou por oferta de melhores condições de trabalho noutros hospitais, do país ou do estrangeiro e a incapacidade da administração do hospital em garantir a abertura regular de vagas para contratação de médicos da generalidade das especialidades e especialmente de anestesistas”, pode ler-se.

No mesmo texto, a organização sindical garante que existem “menos de metade do número de médicos anestesiologistas necessários”, o que faz com que “ultrapassem os limites mínimos de segurança aceitáveis para o tratamento dos doentes críticos que diariamente a ele recorrem”.

Ao Observador, a administração do hospital disse não comentar este assunto e garantiu que o hospital “tem os serviços a funcionar normalmente”.