Nem todos os deputados do PSD concordam com a forma como o PSD esteve no caso dos professores, mas poucos ousaram discordar em alta voz (só Hugo Soares o fez). A mossa que o dossiê dos professores, e consequente ameaça de demissão do primeiro-ministro, fez no maior partido da oposição ainda é difícil de medir. Primeiro, é tempo de apanhar os cacos e minimizar os estragos. Por isso, a regra é nunca falar em “recuo” e falar sempre em “articulação” entre Rio e os deputados — mesmo depois de Rui Rio ter dito em entrevista à TVI que a culpa não tinha sido sua porque ele nem sequer é deputado.

“Houve uma total sintonia de posições, apesar da discussão de alguns pontos em concreto, em relação à posição da direção do partido e a posição do grupo parlamentar”, começou por dizer Fernando Negrão aos jornalistas depois de mais de duas horas de uma reunião da bancada que, no seu entender, foi muito “viva”, “interessante” e “participada”. Questionado sobre se sentia que os deputados do PSD tinham sido o “bode expiatório” de Rui Rio para salvar a pele do PSD na polémica questão da contabilização do tempo integral de serviço dos professores, o líder da bancada parlamentar respondeu que não — e voltou a falar de articulação máxima. “Não sinto, porque articulámos sempre com a direção do partido, além de que o presidente do grupo parlamentar é por inerência membro da direção do partido”, disse.

Rio culpa jornalistas e nega recuo: “Eu nem deputado sou, muito menos daquela comissão”

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O Observador sabe, contudo, que essa posição não é consensual em toda a bancada. Desta vez, só Hugo Soares expressou o seu desentendimento, mas uma fonte parlamentar admite ao Observador que também considera que houve uma tentativa da direção do partido de “sacrificar deputados” quando percebeu que o PSD tinha feito “asneira” — eventualmente por “falta de estratégia” política. “Pensaram que, ao votar favoravelmente [a contagem integral do tempo de serviço congelado aos professores, ainda que empurrando a devolução para negociação futura], o PSD iria recolher os lucros que o PS estava a perder”, mas “acabaram por ficar ao lado da extrema esquerda e a discriminar positivamente uma classe da função pública em detrimento de outras”, diz a mesma fonte.

Em causa está o facto de o PSD, assim como o CDS, ter votado favoravelmente, na comissão especializada de Educação, o artigo que deixava claro que os 9 anos, 4 meses e 18 dias reclamados pelos professores para efeitos de progressão na carreira e valorização remuneratória não podiam ser esquecidos. A votação, na especialidade, foi feita artigo a artigo, tendo chumbado o artigo do PSD sobre as “condições” para essa devolução de rendimento ser feita. Na altura, contudo, o PSD não fez saber que o chumbo desse artigo (por parte da esquerda, incluindo PS) faria com que o PSD não fosse votar favoravelmente o texto final que ali tinha sido consensualizado. O texto final — que foi escrito manualmente na comissão pelos deputados do PSD, CDS, PCP e BE — acabaria por ser passado a limpo pelos serviços do Parlamento na sexta-feira ao final da tarde, tendo recebido o aval final dos deputados na terça-feira, altura em que ficou pronto para ser votado. A votação final global acontece esta sexta-feira.

Na entrevista à TVI, na terça-feira, Rui Rio chegou a questionar o facto de se ter gerado a perceção de que o PSD votaria a favor do texto final, usando o argumento de que ele próprio não é deputado: “Eu não estou na comissão, nem deputado sou, muito menos daquela comissão, muito menos eu estava na madrugada, ou meia-noite, ou uma da manhã de quinta-feira (…).Isso não me pergunte a mim, tem de perguntar a comunicação social. (…) Ouviu-me a mim dizer que ia votar a favor?”. Perante estas declarações, Fernando Negrão alinhou pela mesma narrativa: “Ele não é, de facto, deputado”, disse aos jornalistas esta manhã. “[Rui Rio] também disse nessa entrevista que houve uma completa e rigorosa articulação da direção do partido com a direção da bancada”.

Mais: a ideia de que o PSD não votaria a favor do texto final por não ter lá expressas as condições necessárias para a reposição daquele rendimento só foi transmitida pelo PSD no domingo, e não logo na comissão de Educação, porque perante a ameaça de demissão do primeiro-ministro, cabia a Rui Rio — e só a ele — responder. “O discurso estava ao nível do primeiro-ministro que se ameaçou demitir, tinha de ser o líder do maior partido da oposição a responder”, atirou Negrão, referindo-se ao facto de Rui Rio só ter falado sobre o caso no domingo, já em modo ‘gestão de danos’. Antes de Rio, contudo, já a deputada do PSD responsável pela negociação, Margarida Mano, tinha dado a entender publicamente que o texto final seria aprovado, congratulando-se com a votação na especialidade, que acautelava o “fundamental” para os professores, e nunca dando a entender que sem as condições do PSD a lei não seria aprovada.

Agora, o discurso do PSD (de Rio, com eco em Negrão) é outro: “Só existiu uma votação, artigo a artigo, a votação final global é a que reflete as posições dos partidos sobre o texto final, e essa votação será só amanhã”, disse. Portanto, “não houve passa culpas”, não houve “recuo” na votação, mas houve sempre “articulação”.

Hugo Soares dá voz à crítica. “Sempre que tem uma aflição, Rio culpa o grupo parlamentar”

Quem falou de forma crítica na reunião da bancada parlamentar foi Hugo Soares. Segundo o Observador apurou, coube ao deputado que esteve ao lado de Luís Montenegro na disputa interna pela liderança há meses fazer a voz da crítica, acusando Rui Rio de culpar o grupo parlamentar “sempre que tem uma aflição”. Segundo Hugo Soares, a ideia de o PSD aparecer ao lado da esquerda a considerar os 9 anos de contagem de tempo de serviço dos professores “nunca foi a posição do PSD”, já que “durante anos dissemos às pessoas que este tempo não ia ser contado por razões de justiça, equidade e sustentabilidade”. Ou seja, o PSD de sempre, ao lado do rigor das contas.

O que aconteceu, no entender de Hugo Soares, foi que o PSD votou desta forma, ao lado da esquerda, porque achou que ia “causar embaraço ao PS”. “Mas a política não se faz sozinha e a direção do partido não foi capaz de perceber o que toda a gente percebeu: que António Costa ia aproveitar”, disse dentro da reunião que decorreu à porta fechada. Se não tivesse sido essa a verdadeira intenção do PSD então, defende o deputada montenegrista, o PSD teria dito logo no final da reunião da comissão que “o jogo não tinha acabado” e que o PSD iria insistir na norma chumbada que dizia que a devolução aos professores só aconteceria caso não pusesse em causa as contas públicas. “Nada disso foi dito pela deputada Margarida Mano, nem por Rui Rio na sexta-feira”, aponta.