Ao final de dois dias de consultas com os líderes de praticamente todos os partidos políticos que formam o novo Congresso dos Deputados, o Rei Filipe VI indigitou o socialista Pedro Sánchez com a tarefa de tentar formar o próximo governo de Espanha.

Este era um passo esperado e, no fundo, uma mera formalidade. Após umas eleições gerais, cabe ao Rei indigitar o candidato que está em melhor posição para formar governo. O PSOE de Pedro Sánchez venceu as eleições gerais de 28 de abril, embora sem maioria absoluta, com 28,7% dos votos e 123 deputados.

A decisão do Rei Filipe VI foi comunicada à presidente da Mesa do Congresso dos Deputados, Meritxell Batet, a quem cabe agora marcar a data para a primeira votação de investidura de um possível governo liderado por Pedro Sánchez. De acordo com a lei espanhola, para dar posse a um governo na primeira votação é preciso que este seja aprovado com mais de metade dos votos. Porém, a mesma lei indica que, no caso de o governo proposto não passar à primeira, poderá haver uma segunda votação onde basta que haja mais votos a favor do que contra. Nesse cenário, é essencial que alguns dos votos negativos da primeira votação passem a abstenções na segunda.

Este é, pois, o momento de os socialistas começarem a pegar na calculadora e tentarem chegar a uma fórmula que lhes permita reunir apoio suficiente para que Pedro Sánchez seja reconduzido no cargo de Presidente de Governo.

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“Os espanhóis foram claros com o seu voto no 28 de abril e no 26 de maio: querem que governe o PSOE. Não há outra alternativa possível. Ou governa o PSOE, ou governa o PSOE. Não há outra alternativa”, disse Pedro Sánchez na conferência de imprensa em que, esta quinta-feira, anunciou que aceitava a indigitação para formar governo.

Ali, anunciou que vai começar nos próxima semana uma ronda de contactos “formais” e “dentro das marcas constitucionais” com os principais três partidos de Espanha além do PSOE — isto é, o PP, o Ciudadanos e o Unidas Podemos. Pedro Sánchez referiu ainda que vai haver conversações “com outros grupos parlamentares, noutro formato”. Com uns e com outros, o socialista disse que vai apresentar uma solução de governo assente em quatro eixos: transição ecológica, digitalização da economia e do sistema educativo, luta contra as desigualdades e fortalecimento do projeto europeu.

Sem soluções à direita, Sánchez vai em buscas de muitos ses noutros lados

Esta quinta-feira, os líderes do PP e do Ciudadanos disseram que vão votar contra um governo socialista seja na primeira ou na segunda votação. Desta forma, salvo alguma mudança de rumo por parte daqueles partidos, o PSOE terá de tentar forjar alianças com o Unidas Podemos e com vários partidos regionalistas ou até independentistas para poder iniciar a próxima legislatura.

O primeiro passo essencial será o de garantir os votos a favor dos 42 deputados do Unidas Podemos. Desta força política, ficou a garantia de que só será viabilizado um governo de Pedro Sánchez caso haja um acordo programático do PSOE por escrito. O Podemos, além de exigir a subida do salário mínimo para 1200 euros (que em julho estava nos 856 e daí passou para 1050 euros, valor que se mantém até hoje), quer também ter um ministério.

O segundo passo será o de garantir o apoio ou abstenção de várias formações regionalistas ou até independentistas.

Do lado dos regionalistas, o partido União do Povo Navarro (UPN), que tradicionalmente é um aliado do PP em Navarra, propôs a Pedro Sánchez a abstenção dos seus dois deputados numa segunda votação de investidura. Em troca, o UPN exige que os socialistas em Navarra não formem um governo regional com o Podemos e com a Esquerda Unida — solução essa que teria de contar com a abstenção do Bildu, da esquerda abertzale, e que durante o seu mandato estaria dependente dos seus votos para aprovar muitas das suas medidas. Na conferência de imprensa desta quinta-feira, Pedro Sánchez deu uma mensagem clara (e positiva para os ouvidos do UPN) quanto a isso: “Não vamos negociar nada com o Bildu, com o Bildu não se negoceia”.

Ao apoio do UPN, o PSOE teria ainda de somar os votos dos seis deputados do Partido Nacionalista Basco (PNV) — um triângulo que, para já, está longe de ser dado como certo, já que estão em lados diametralmente opostos na questão do País Basco, da sua autonomia e do debate em torno da independência daquela região. O PNV foi, na última legislatura, um aliado do PSOE — até porque foi essencial para que, em junho, o governo de Mariano Rajoy perdesse a moção de censura e Pedro Sánchez chegasse a Presidente de Governo.

Se o PNV puser os pés à parede e barrar um entendimento do PSOE com o UPN, os socialistas podem ainda “substituir” os dois deputados navarros com deputados de dois partidos diferentes: um do Compromís (ex-aliados do Podemos em Valência) e um do Partido Regionalista da Cantábria.

Se não conseguir o apoio do UPN mas continuar a , o PSOE poderá ainda procurar respaldo na Compromís (ex-aliados do Podemos em Valência, com um deputado), no Partido Regionalista da Cantábria (PRC, um deputado).

Do lado do Compromís, só há disponibilidade para viabilizar um governo socialista se, antes de tudo, for negociada uma solução para o problema do financiamento autonómico, que diz respeito não só à Comunidade Valencia mas também a Múrcia e às ilhas Baleares. Quanto ao PRC, exige-se que Pedro Sánchez mantenha os seus compromissos de construção de infraestruturas na Cantábria, com destaque para a construção de uma linha de TGV.

Desta forma, Pedro Sánchez teria 173 votos que o ajudariam a viabilizar um governo. Em situações normais, estes 173 não seriam suficientes, já que a maioria no Congresso dos Deputados está fixada nos 176. Porém, o facto de haver três deputados do Juntos Pela Catalunha (Jordi Sànchez, Jordi Turull e Josep Rull) presos, e por isso impossibilitados de assumir os seus assentos parlamentares, pode mudar isso. Ao que tudo indica, aquele partido independentista catalão não vai substituir aqueles três políticos presos por deputados que possam assumir o cargo — e, dessa dessa forma, os seus votos terão o valor prático de uma abstenção.

Por isso, se o PSOE conseguir convencer o Unidas Podemos, se o PNV se lhes juntar, se o PRC e o Compromís, ou então o UPN, também o fizeram e se o Juntos Pela Catalunha não substituir os seus três deputados que estão presos, é possível que Espanha tenha um próximo governo socialista até ao final do mês. Mas tudo são muitos ses — e a política espanhola dos últimos tempos tem demonstrado ser previsível apenas na sua imprevisibilidade.