Poderíamos chamar-lhes Dupont e Dupond. Ou melhor, utilizando os nomes da versão britânica do Tintin, Thomson and Thompson. Os candidatos do Partido Conservador à liderança dos tories — e, por inerência, ao cargo de primeiro-ministro do Reino Unido —, defrontaram-se durante uma hora e responderam a perguntas dos espectadores sobre diversos temas, mas a maioria não conseguiu traçar diferenças profundas entre si.

Mais: o debate foi tão uniforme e monocórdico que no final era praticamente impossível decretar um vencedor do embate ou prever quem deverá será o finalista que provavelmente acompanhará o favorito Boris Johnson na ronda de votação final.

Um dos exemplos claros deste debate consensual e fleumático foi a pergunta de uma jovem sobre o ambiente e sobre o plano de cada um dos candidatos para combater as alterações climáticas. Boris Johnson começou por dizer simplesmente que essa preocupação “está no centro do [seu] programa”, sem elaborar.

Os candidatos desfiaram de seguida frases sobre a relevância do tema e a importância de “limpar o ar que está a infetar os pulmões dos nossos jovens” (Michael Gove). Por fim, todos concordaram com o estabelecimento do ano de 2050 como meta para que o Reino Unido seja um país neutro em carbono e evitaram comprometer-se com a data de 2025 levantada pela moderadora.

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Questionada pela moderadora, a jovem que fez a pergunta disse-se desiludida com as respostas: “As alterações climáticas são um assunto de hoje, precisam de respostas rápidas”, lamentou.

Unicórnios e dia das Bruxas: poucas diferenças na política para o Brexit, com exceção do outsider Stewart

Essa quase unanimidade foi também evidente no tema central do debate, o Brexit. O ministro do Ambiente e repetente na candidatura à liderança, Michael Gove, ainda tentou destacar-se relativamente à solução para o problema da fronteira entre as Irlandas — “os outros têm observações, eu tenho um plano” —, mas não conseguiu disfarçar que a sua solução se assemelha em tudo à dos restantes candidatos. E qual é ela? O chamado “unicórnio”, claro está, também chamado de “solução tecnológica” ou “procedimentos alternativos”. Trocando por miúdos, os candidatos apostam no tempo para conseguir uma solução que permita a verificação de bens e pessoas na fronteira sem estabelecer uma fronteira física de facto, rezando para que a tecnologia lá chegue em breve.

Sobre a possibilidade de uma saída sem acordo e a vontade de o fazer a 31 de outubro caso não haja consenso até lá, surgiram ligeiras divergências. Jeremy Hunt e Michael Gove consideram que um no deal é uma possibilidade, mas mostraram-se disponíveis para pedir um ligeiro adiamento para a data de saída caso as negociações sobre um novo acordo estejam bem encaminhadas por essa altura. Boris Johnson e Sajid Javid colocaram-se firmemente no campo oposto: “Preparamo-nos para um no deal porque é a melhor forma de conseguir um acordo”, diz Javid, atual ministro do Interior.

O momento levou até a um ligeiro frente-a-frente entre Michael Gove e Boris Johnson. “Eu e o Boris lutámos juntos na campanha pelo Sair, mas a minha preocupação é: se chegarmos ao 31 de outubro e estivermos perto de conseguir um acordo, sairias?”, perguntou o ministro do Ambiente ao favorito, que tem defendido uma saída nessa data, custe o que custar. “Se dissermos que essa data pode ser ultrapassada, tal como aconteceu em março, acho que os britânicos ficariam perplexos”, respondeu-lhe o antigo presidente da Câmara de Londres.

Concordo que um no deal criaria turbulência económica. E claro que partes do nosso país irão sofrer. Mas temos de garantir que estamos preparados para o que der e vier e temos de garantir que colocamos a nossa democracia em primeiro lugar”, acrescentou Boris.

Rory Stewart destoou da maioria, surgindo como o único candidato que não defende a negociação de um novo acordo, mas sim a aprovação do acordo de Theresa May, que está em cima da mesa. “Como poderão vocês fazer isso[considerar um no deal] sem o apoio do Parlamento?”, questionou, referindo-se às duas votações na Câmara dos Comuns contra um hard Brexit. “Se for o seu primeiro-ministro, não teremos um no deal, prometeu à espectadora que colocou a questão.

O Brexit não foi o único tema onde Rory Stewart destoou da maioria. Também na questão da política fiscal o ministro do Desenvolvimento Internacional consolidou a sua postura de outsider. “Não acho que seja o momento certo para estar a reduzir impostos. Porque estou a olhar a longo-prazo e não a curto-prazo. Gastaria esse dinheiro nos nossos serviços públicos”, declarou, chocando os restantes candidatos que defenderam descidas de impostos — Gove no IVA, Javid e Hunt nos rendimentos das classes mais baixas.

“Sei que estou a ser muito impopular, mas não quero prometer coisas que não posso fazer”, acrescentou o candidato, que até aqui surgiu como surpresa ao passar as primeiras rondas de votação, apesar de ser o candidato com o perfil político mais discreto.  “Este debate está a ser irreal”, desabafou a certa altura, conseguindo mais pontos junto dos que não se revêm nos restantes candidatos à liderança dos tories.

Pedidos de desculpa e evocações do avô muçulmano. O único momento quente de Boris

Mas se Stewart pode ter conseguido pontos com alguns eleitores conservadores por ter assumido a diferença, a sua hesitação noutra área pode ter-lhe custado votos. Questionado por Sajid Javid sobre se, enquanto primeiro-ministro, condenaria as recentes declarações do Presidente norte-americano sobre o mayor de Londres, o muçulmano Sadiq Khan, Stewart balbuciou e gaguejou, acabando por dizer que é necessário “equilíbrio” nesta matéria. Trump tem afirmado que Londres precisa de mudar de presidente de Câmara “o mais rápido possível” e chegou a chamar recentemente a Khan “um perdedor completo”.

Gove aproveitou a discussão sobre Trump e sobre se as palavras do Presidente americano e de outros servem de incentivo à islamofobia para atacar a oposição: “As coisas que Donald Trump disse não devem ser ditas por nenhum líder mundial, mas há coisas que Jeremy Corbyn disse que também não podem ser ditas”, afirmou, referindo-se às acusações de anti-semitismo que ensombram o líder dos trabalhistas.

A conversa sobre islamofobia, contudo, foi dominada por Boris Johnson, que esteve entre a espada e a parede pelos seus comentários como a comparação das mulheres com burqa a “marcos de correio”. O candidato pediu desculpa pelos “comentários tolos” que fez quando era jornalista — apesar de o comentário mencionado ter sido feito quando já era deputado — e repetiu várias vezes que “as palavras têm consequências”. Contudo, ao mencionar o caso da britânica Nazanin Zaghari Ratcliffe (condenada no Irão, cuja pena pode ter sido agravada por Johnson se ter referido à britânica como sendo professora de jornalismo), Boris sublinhou que aquilo que disse “não fez diferença nenhuma”. “Eu sei que as palavras têm consequências, mas quando nos concentramos nisto esquecemos que quem tem responsabilidade verdadeira é a Guarda Revolucionária Iraniana, responsável pela sentença dela”, resumiu.

Boris aproveitou ainda para polir as credenciais junto dos islâmicos ao repetir a história do seu bisavô. “O meu bisavô muçulmano estaria orgulhoso do contributo do seu neto para este país”, afirmou, “apesar das palavras”.

O momento em que esteve debaixo dos holofotes, contudo, não serviu para fazer um brilharete, nem se destacar. O candidato pró-hard Brexit parece ter optado por uma estratégia de manter um perfil discreto, talvez porque a hipótese de chegar à ronda final parece estar no papo e Boris pode não querer desperdiçá-la. Como Andrew Neil, apresentador da BBC e presidente do grupo de comunicação dono da revista conservadora Spectator, apontou no Twitter, “se tivéssemos acabado de chegar com Marte com zero informação e tivéssemos assistido à última hora, nunca adivinharíamos que Johnson é o favorito”. Mas essa pode ser uma estratégia vencedora para um homem que, para a maioria, oscila entre o brilhantismo e a catástrofe.

Chegou a vez do “Show Boris”. Fará alguma diferença para o Brexit, depois da saída de May?

O debate morno continuou cheio de Thomsons e Thompsons mesmo até ao fim, quando surgiu a última pergunta sobre se estão a pensar convocar eleições antecipadas. “No“, responderam todos os candidatos, que se comprometeram a realizar eleições apenas depois de ser conseguido o Brexit. Mas foi aí que o favorito Boris Johnson se distanciou, discretamente, dos demais. Sublinhando primeiro que o próprio Partido Trabalhista “não quer” eleições, acabou por deixar uma promessa ligeiramente diferente da dos restantes: “Não teremos eleições até 31 de outubro”, disse. A fazer fé em Boris, esse será dia de Brexit. Mas não seria a primeira vez que o candidato daria o dito por não dito.

O primeiro-ministro que se segue. Candidatos à liderança dos tories defrontam-se em debate