Sérgio Moro, que se apresentou voluntariamente no Senado brasileiro esta quarta-feira para prestar esclarecimentos sobre as mensagens alegadamente trocadas com os procuradores da Operação Lava Jato, garantiu que não tem “nada a esconder” e que não tem medo do que possa estar no seu telemóvel, hackeado no começo de junho. Sem confessar ou negar ter falado com os procuradores quando ainda era juiz em Curitiba, o ministro da Justiça defendeu ter sido alvo de um ataque de “um grupo criminoso organizado”.

“Não é incomum que juiz converse com promotor, advogado, policial. Não é incomum que receba procuradores e se converse sobre diligências. É absolutamente normal”, disse Moro sobre os supostos contactos com o procurador Deltan Dallagno, responsável pela investigação. De acordo com a agência de notícias The Intercept Brasil, que divulgou as mensagens, os dois terão trocado impressões sobre os passos a dar, sendo que a Lei brasileira define que devem trabalhar com independência um do outro.

Sem nunca reconhecer a “autenticidade” das mensagens mas também sem nunca a negar, o ministro brasileiro assegurou durante a sua exposição inicial de 30 minutos que, “na condução dos trabalhos como juiz”, sempre agiu “conforme a Lei”. Sobre as impressões trocadas com Dallagno através da aplicação Telegram disse apenas: “Há algumas mensagens ali que me parecem algo que teria falado. No entanto, podem ter sido tiradas de contexto”.

Mais à frente na sessão da Comissão de Constituição e Justiça, pressionado pelo senador Angelo Coronel (PSD), Moro acabou por admitir ter talvez enviado uma mensagem a elogiar o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, que dizia “In Fux, we trust”. “Posso ter mandado. Qual é o problema de ter mandado uma mensagem assim?”, interrogou Moro que, no âmbito de uma outra pergunta colocada por outro senador, admitiu ter muito “respeito” pelo magistrado, por todos os membros do Supremo Tribunal Federal e pela “própria instituição”.

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“Não percebo porque é que isto foi divulgado e com tanto estardalhaço”, afirmou, classificando o conteúdo das mensagens como “trivial”. “Esse site fez uma especulação, uma fantasia em cima daquilo. Não me consultou previamente sobre o conteúdo daquela mensagem e suponho que também não tenha consultado o procurador Dallagno. Ainda que aquelas mensagens sejam autênticas — o que não estou afirmando, são completamente trivais.”

Na opinião de Moro, é claro o objetivo de tudo isto: “Constranger o Supremo Tribunal Federal”. “É muito grave realizar este tipo de tentativa, como se o Supremo Tribunal Federal fosse intimidado facilmente, e ainda por cima com uma troca de mensagens triviais”, voltou a frisar.

Ministro diz que atuação “foi inteiramente íntegra” e que não tem medo da nova divulgação

Confrontado com a possibilidade de o The Intercept Brasil ter em sua posse outras mensagens, Sérgio Moro mostrou-se preocupado, garantindo estar “absolutamente convicto” da a sua “correção enquanto juiz”. “Sei que se as minhas comunicações com quem quer que seja forem divulgadas sem adulteração e sem sensacionalismo, essa correção vai ser observada. Estou absolutamente tranquilo quanto a isso”, disse o ministro, instando a agência de notícias a divulgar toda a informação que tenha em seu poder. “Não tenho nenhum apego ao cargo em si”, declarou.

“Apresente tudo. Vamos submeter isso ao escrutínio público e se tiver havido alguma incorreção da minha parte, eu saio. Mas não houve. Porquê? Porque sempre agi com base na Lei e de maneira imparcial. Falei isso publicamente — pode divulgar tudo. Se todas as mensagens forem divulgadas sem adulteração, sem sensacionalismo, sem a construção de interpretações que não correspondem minimamente ao texto, então poderá verificar-se que a [minha] atuação foi inteiramente íntegra, absolutamente convicto em relação a isso”, disse Moro em resposta ao senador Jacques Wagner (PT), que lhe perguntou se pensava em abandonar o cargo no governo para não prejudicar as investigações.

Um ataque orquestrado por estrangeiros? “Todas as hipóteses estão abertas”, diz Moro

“O que existe é uma invasão criminosa por um grupo criminoso que tenta invalidar condenações ou obstaculizar investigações que ainda estão em andamento ou ainda um simples ataque às instituições brasileiras”, declarou Moro, que defendeu a mesma posição ao longo de toda a sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, nomeadamente em resposta às questões colocadas pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Houve “uma invasão de um grupo criminoso organizado” com o intuito de impedir a continuação das “condenações pretéritas” e de “minar as intuições de uma maneira geral”, declarou o ministro brasileiro. “É uma perceção, não posso afirmar isto com absoluta convicção. É o que extraio desses detalhes”, frisou o ministro da Justiça do Brasil, concordando com o senador Jereissati que se deve tratar “com cautela” este tema enquanto decorrerem as investigações.

Mais à frente na sessão, Sérgio Moro avançou com a hipótese de se ter tratado de “um ataque geral de hackers às nossas instituições”. “De quem esse material foi obtido? Espero que as investigações solucionem”, afirmou o ministro brasileiro. Questionado pelo senador Marcos do Val (Cidadania-ES) sobre se suspeita do envolvimento de estrangeiros no ataque informático, Moro admitiu que pode ter “havido um estrangeiro”, mas “não necessariamente poder estrangeiro”. “Todas as hipóteses estão abertas. Não é um grupo de pessoas despreparadas. Parece-me ser um grupo de pessoas que tem muito dinheiro”, sugeriu.

Ministro precisava de trocar de telemóvel. “Tenho o péssimo costume de comprar aparelhos baratos”

Questionado sobre o senador Angelo Coronel (PSD) acerca do conteúdo das mensagens enviadas pelo Telegram, Moro frisou que estas “não existem mais” e que já não se lembrava delas. “Na verdade, tenho o péssimo costume de comprar aparelhos baratos de memória baixa, e precisava trocar de aparelhos. No caso do Telegram, essas mensagens não existem mais. O hacker tentou roubá-las”, afirmou. “Se tivesse alguma coisa, principalmente ilícita, já teria divulgado. Se fosse disponibilizar, tenho convicção da correção de minhas mensagens.”

Relativamente à Operação Lava Jato, o ministro apontou que esta “durou” e “dura” muito tempo, e que é natural que existam muitas decisões com as quais nem todos estejam de acordo. Ainda assim, garantiu que, no decorrer da mesma, sempre a Lei sempre foi aplicada imparcialmente, “com base nas provas que estavam a ser apresentadas. É um facto desagradável — um processo contra um ex-presidente, ainda por cima que tinha um alto nível de popularidade –, mas era o que a Lei determinava para ser feito. Ninguém está acima da Lei”, garantiu Moro.

Moro aproveitou a exposição inicial antes da fase de perguntas dos senadores para sublinhar “os bons resultados da Operação Lava Jato” que, na sua opinião, rompeu com a “tradição de impunidade”. Adiantando alguns dados relativos ao processo judicial — 41 acusados, 211 condenações e 63 absolvições –, disse que estes que provam que não existe “qualquer convergência entre Ministério Público e o juízo”.