As urgências de obstetrícia de quatro dos maiores hospitais da Grande Lisboa (Maternidade Alfredo da Costa, Santa Maria, São Francisco Xavier e Amadora-Sintra) não têm capacidade para estarem continuamente abertas desde a última semana de julho até ao final de setembro, devido à falta de pessoal.
A notícia é dada pelo jornal Público, que falou com fontes dos vários serviços, e que garante que a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) propôs como solução um esquema de rotatividade entre serviços, garantindo que só um destes quatro serviços estará fechado num determinado período. Mas a solução ainda não está fechada e o esquema terá impacto noutras áreas hospitalares.
A situação é particularmente grave porque os quatro hospitais em causa são unidades de referência com serviços de neonatologia e de acompanhamento de gravidez de risco. Segundo explica jornal Público, o que está em causa é a falta de obstetras e anestesistas nos quatro estabelecimentos, com a situação a agravar-se durante as férias de verão. “É o completo caos em Lisboa. Não há preparação, não há estratégia e não há soluções”, declarou uma fonte de um destes hospitais ao jornal.
Objetivo é “otimizar o serviço”, defende presidente da ARSLVT
Em reação à notícia do Público, o presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) garantiu esta quinta-feira que as grávidas não vão andar de ambulância entre hospitais na região de Lisboa, durante o verão, período normalmente mais crítico de funcionamento hospitalar.
“O hospital que a gente diz como ‘fechado’, entre aspas, vai continuar a dar resposta à sua atividade programada. As senhoras vão continuar a ter lá os seus bebés em segurança e mesmo se houvesse uma urgência de uma pessoa que não viesse pelo CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) ou pelo INEM, teria a sua criança. Posso garantir que não vai haver grávidas de ambulância de hospitais para hospitais na região de Lisboa“, assegurou Luís Pisco à agência Lusa. No entanto, o mesmo responsável admitiu também ao Público que as restrições podem começar logo no início de julho.
O presidente da ARSLVT defendeu ainda que o organismo está a reunir com os quatro hospitais para “concertar estratégias de forma a otimizar o serviço a prestar aos cidadãos”, ouvindo os conselhos de administração, os diretores de serviço de pediatria e neonatologia, faltando ainda os anestesistas.
É um trabalho que está a decorrer. Trata-se de uma situação complexa que envolve muitas pessoas, muitas equipas. Não é uma solução finalizada, ainda estamos a trabalhar nela, sendo que as reuniões vão continuar na próxima semana”, explicou.
Luís Pisco considerou também que as pessoas “têm a noção de que no verão as situações em que já existem algumas dificuldades de acertar escalas aumentam”, nomeadamente por causa das férias. “Aqui é uma tentativa de acertar antes que haja problemas. Estamos a trabalhar com os quatro grandes hospitais, que são de fim de linha, mas que não respondem só à região de Lisboa e Vale do Tejo mas também às situações mais graves de Alentejo e Algarve”, apontou ainda, frisando que se pretende “assegurar o melhor serviço possível”.
Ordem dos Médicos não está convencida e pede reunião urgente
As explicações do presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) parecem não convencer a Ordem dos Médicos, que já esta tarde informou que vai pedir uma reunião com caráter de urgência à entidade para esclarecer o eventual fecho rotativo das urgências de obstetrícia da capital.
O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, citado na nota de imprensa enviada à agência Lusa, referiu que o eventual fecho rotativo das urgências de obstetrícia de quatro dos maiores hospitais de Lisboa “ultrapassa os limites do aceitável e não constitui em si uma solução para o problema que se arrasta“.
Para Miguel Guimarães, o fecho rotativo das urgências não passa de “um remendo”, sendo que o efeito dominó de tal medida “pode ter consequências imprevisíveis na atividade cirúrgica, no internamento, na vigilância, nos tempos de espera, na taxa de cesarianas e, em última análise, na qualidade e segurança clínica dos cuidados prestados às grávidas e aos recém-nascidos”.
Na nota de imprensa da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães refere que Portugal corre o risco de reverter os anos de trabalho positivo na área da saúde materno-infantil. Apesar de afirmar que “as carências não são de hoje”, o bastonário insiste que é necessário perceber “o que aconteceu nos últimos meses” para que se esteja a assistir “a um colapso diário de vários serviços hospitalares”.
PCP quer Administração Regional de Saúde no Parlamento. E visa PPP
O Partido Comunista Português vai elaborar um requerimento para chamar a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo ao Parlamento, nomeadamente à Comissão da Saúde da Assembleia da República. O objetivo é obter “esclarecimentos necessários” sobre a proposta de rotatividade no funcionamento de urgências de obstetrícia dos hospitais lisboetas, aponta o jornal Público, citando a deputada comunista Carla Cruz. Esta refere que a rotatividade “não é inédita” mas integra modelos de funcionamento que “não servem os utentes”.
O que estamos a falar é de criar enormes dificuldades às grávidas não só de custos financeiros mas também para os familiares que as acompanham”, refere Carla Cruz, citada pelo Público.
A deputada do PCP defende que a falta de pessoal que deu origem a esta proposta decorre, em parte, da saída de “muitos profissionais” para PPP da saúde. É preciso “contratar profissionais, contribuir para que não saiam do SNS”, aceder às reivindicações “que são justas” de diminuição das atuais 18 horas de serviço de urgência para as 12h e “incentivar a dedicação exclusiva” aos hospitais de gestão integralmente pública, defende Carla Cruz.
A líder do Bloco de Esquerda, outro partido que apoia o Governo no Parlamento, também já reagiu à notícia. Considerando a proposta de rotatividade no funcionamento das urgências destes hospitais insatisfatória, Catarina Martins defendeu que “cabe ao Governo e ao Ministério da Saúde arranjar os meios para uma solução melhor”, já que a que foi noticiada esta quinta-feira “é uma solução que não podemos considerar boa”.
É preciso urgentemente mais investimento. Mas arrisco a dizer que é precisamente por isso que estamos a discutir a lei de bases da saúde”, apontou Catarina Martins, para quem “a dedicação plena dos profissionais do SNS” e o fim da “promiscuidade entre o público e o privado” é “essencial para termos os profissionais de que precisamos” nos hospitais públicos
O partido liderado por Catarina Martins deu já entrada a um requerimento pedindo “audição urgente” da ARS Lisboa e Vale do Tejo, da ministra da Saúde, Marta Temido, e dos diretores de obstetrícia das quatro unidades de saúde em causa. No requerimento, o BE lança duas questões que quer ver esclarecidas: “Há quanto tempo se sabe que tal situação poderia ocorrer e que medidas foram adotadas pelo Ministério para a evitar” e “Durante todo este tempo, qual foi a articulação com os serviços de obstetrícia e com estes hospitais? Que levantamento de necessidades foi feito e que medidas foram implementadas pelo Governo para satisfazer as necessidades que certamente lhes eram reportadas?”
Há poucas equipas e há poucos anestesistas
Idealmente, uma equipa de urgência deve ter três obstetras. Um serviço de urgência de hospitais desta dimensão deve contar com um total de oito equipas. No Hospital de Santa Maria há apenas 28 obstetras em vez dos 35 necessários para assegurar sete equipas (já se deixou cair a oitava). No São Francisco Xavier há 14 em vez dos 24 necessários. Tudo se agrava com a falta também de anestesistas, como acontece na MAC: os 60 obstetras são suficientes para assegurar a escala da urgência este verão, mas faltam especialistas em anestesia.
A solução proposta na reunião pela ARSLVT foi a de dividir as semanas em blocos e garantir assim que há pelo menos um destes quatro hospitais com serviço de urgência a funcionar entre o final de julho e o final de setembro. Fonte oficial da tutela explicou ao Público, contudo, que o assunto ainda não está fechado, precisamente pelo facto de ainda não terem sido analisados os dados dos serviços de anestesia — algo que irá ser tratado em nova reunião, na próxima semana.