“Conhece alguma música romântica?” Durante seis meses e em 33 países da Europa esta foi a pergunta que Jemma Paintin e James Stenhouse fizeram aos que passavam pela sua autocaravana, independentemente da língua que falavam. O casal de Bristol, no Reino Unido, criou o projeto “Oh Europa”, que já percorreu desde abril do ano passado mais de 34 mil quilómetros para desafiar as pessoas a cantarem no mini-estúdio montado dentro da sua caravana. Objetivo? Promover uma reflexão sobre a Europa de uma forma diferente e o encontro de pontos em comum entre os europeus. No final, há uma app que transmite estas músicas quando as pessoas passam pelos sítios onde foram gravadas as canções.
“Queríamos fazer um projeto que fosse a pensar na Europa, a falar sobre as pessoas que lá vivem e as coisas que partilhamos em comum, mas não queríamos simplesmente perguntar às pessoas a sua opinião, porque sentimos que isso já acontece a toda a hora”, explicou Jemma ao Observador. As músicas românticas surgiram para que as pessoas “independentemente da sua idade, contexto ou língua materna” se conseguissem identificar entre si. “Acabamos nesta ideia de músicas românticas porque toda a gente conhece pelo menos uma”, acrescentou.
Foi em 2015 que Jemma e James (que juntos têm um grupo chamado “Action Hero”) começaram a pensar na ideia. O projeto exigiu um planeamento seguro e a colaboração de várias organizações do Reino Unido e de outros países europeus. A situação britânica, com a incerteza do Brexit, veio impulsionar ainda mais a ideia e, em abril de 2018, depois de comprarem uma autocaravana para o projeto, o casal partiu à descoberta pela Europa. A primeira viagem foi para Leeds, no norte de Inglaterra, seguiram depois para o sul do território britânico e, depois, para o norte de Espanha. Com contactos muitas vezes feitos localmente, os dois ficavam em determinado sítio durante alguns dias e faziam as gravações maioritariamente na sua caravana.
Em menos de um ano, o casal gravou mais de 880 músicas cantadas em cerca de 40 línguas, incluindo o português. Depois de recolhidas, as músicas – que passam um pouco por todos os géneros musicais — são transmitidas em 42 hotspots (os beacons) espalhados pelo continente e apenas podem ser ouvidas nos locais onde estes beacons foram instalados, através da app do Oh Europa. “Têm de ir a uma destas localizações especiais em pessoa e as músicas tocam”, refere Jemma, acrescentando que o casal não queria que este projeto se tornasse “numa espécie de Spotify”, no qual pegavam nas gravações e as depositavam na internet.
Queríamos que fosse uma forma de utilizar as músicas para encorajar outras pessoas a seguir viagem. E como as músicas se reproduzem apenas nos locais que têm um significado especial em termos geográficos, para nós era importante que se ouvissem as músicas nesse contexto ao invés de apenas clicarem no telefone e verem o que há. É um estilo mais profundo de ouvir”, sublinhou Jemma Paintin ao Observador.
Enquanto andavam num lá para cá entre horas a conduzir e os dias em que simplesmente ficavam a gravar música, Jemma e James ouviram de tudo: desde clássicos a canções tipicamente locais cantadas na língua materna do país em que estavam. “Quando estivemos na Alemanha, por exemplo, gravámos sete ou oito versões diferentes de uma música folk alemã. O mesmo se passou na Hungria, mas, em geral, as pessoas quase nunca cantavam as mesmas músicas”, descreveu Jemma. Agora, e através da app, uma voz alemã pode ser ouvida na Noruega ou uma voz portuguesa pode ser ouvida na Roménia.
Uma passagem pelo Cabo da Roca e por Faro para gravar vozes portuguesas
Jemma e James passaram por Portugal para gravar a voz dos portugueses. O casal esteve no Cabo da Roca durante cerca de dez dias e passou também por Faro, onde “um amigo de um amigo” lhes apresentou Luís, um contador de histórias. “Marcámos um almoço com ele, convidou-nos para jantar e cantou algumas músicas para nós. Foram muito acolhedores”, relembra Jemma. A voz de Luís a cantar uma música tipicamente algarvia é a banda sonora de um dos diários em vídeo que o casal foi fazendo durante a jornada pelos vários países europeus.
A escolha de sítios como o Cabo da Roca, o ponto mais ocidental do continente europeu, não foi algo aleatório, explica Jemma: “Todos os locais onde temos os hotspots são no limiar de algo, num local de encontro ou separação. Escolhemos estas localizações porque tinham algum tipo de significado”. Segundo a responsável pelo projeto, em alguns locais o casal já sabia para onde iria, mas noutros perguntava aos moradores “quais eram os sítios onde existia algum tipo de fronteira, um limiar ou uma ponta”.
O maior desafio da viagem, contam, era “a quantidade de horas e quilómetros a conduzir” que, por vezes, se tornava desgastante, aliado a alguns problemas técnicos com o motor da caravana. “Felizmente, não foi nada de especial”, relembra Jemma. E garante que não estavam ali para gravar boas vozes, também admite: “Muitas vezes fomos surpreendidos quando alguém abria a boca para cantar”.
A responsável pelo Oh Europa recorda ao Observador um momento em que esteve na Grécia e uma cantora conhecida em Atenas foi até à autocaravana para partilhar a sua música. “Estavam cerca de 40ºC nesse dia e dentro da caravana estava ainda mais calor. Como estava muito barulho lá fora, tivemos de fechar todas as janelas e todas as portas. Ela queria uma gravação muito boa e fez cerca de cinco takes da mesma música. Era uma mulher mais velha, com muito glamour e nós estávamos ali a suar por todos os lados dentro da caravana, para que aquilo saísse perfeito”.
E como reagiam as pessoas quando lhes era perguntado se queriam cantar uma música romântica? “Na maior parte das pessoas a ideia fazia-as sorrir”, conta Jemma. Muitas vezes, acabavam por ter “boas conversas”, onde falavam “sobre as suas músicas preferidas ou de músicas que se lembram de quando eram mais novas ou que são especiais de alguma forma para elas”.
Toda a gente tem uma música para cantar ou pelo menos tem uma história para contar sobre amor. Estamos a passar momentos difíceis na Europa que nos levam a pensar sobre o futuro não só da União Europeia, mas da Europa em geral. O que é a Europa e esta ideia de que temos de partilhar este espaço juntos. É fácil ficar deprimido sobre o futuro ou sentir esta dificuldade em sentir-se com esperança, mas este projeto fez-me sentir bem sobre as pessoas, que acho que é algo que pode ser difícil de encontrar quando lemos as notícias e tudo o resto”, explicou Jemma.
Apesar de já não estarem em viagem constante sem irem a casa, Jemma e James continuam a recolher músicas nos vários países por onde passam. Agora, estão também partilhar as canções e a recolher mais músicas em festivais e outro tipo de eventos. “A ideia é simplesmente tocar as músicas para que as pessoas as possam ouvir de uma forma coletiva”.