Direita ao ataque, esquerda à defesa. Foi assim que se dividiu o Parlamento na tarde desta quarta-feira durante a discussão em plenário do relatório saído da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao furto de Tancos. Assinado pelo deputado socialista Ricardo Bexiga, o documento — aprovado na comissão por PS, BE e PCP, com os votos contra de PSD e CDS — foi criticado pela direita, que acusou o relator de ter branqueado “as responsabilidades políticas do Governo”. O PS e o PCP saíram em defesa das conclusões — e do Executivo. Já o Bloco de Esquerda optou por passar ao lado do assunto, preferindo fazer uma análise ao destino que as propostas de alteração do partido tiveram.
Numa tarde em que os deputados discutem vários diplomas, uma prática típica das retas finais das legislaturas, o debate aqueceu quando o ponto 3 da ordem de trabalhos tomou conta do plenário. A deputada social-democrata Berta Cabral dissecou o relatório, arrasando as conclusões e acusando o PS de ter dado ao documento “uma visão incompleta e parcial”. Uma crítica que o centrista Telmo Correia recuperaria mais tarde. “Este não é um relatório do Parlamento ou da CPI, são as alegações de defesa do PS”, disse o deputado do CDS.
As críticas e os argumentos não são propriamente novos. O documento ficou conhecido no final de maio e desde esse dia que PSD e CDS têm assumido uma postura ofensiva por considerarem que o relator omitiu as responsabilidades do atual Executivo e tirou conclusões enviesadas. “O PS procurou atribuir as culpas ao Exército e à Polícia Judiciária Militar, branqueando o desempenho dos responsáveis políticos”, resumiu Berta Cabral. “Este relatório tem uma orientação claríssima: atribuir responsabilidades à PJM e branquear e diluir todas as responsabilidades políticas“, acrescentou Telmo Correia.
Radiografia ao relatório sobre Tancos. Onde estão as responsabilidades políticas?
Para o CDS, pode resumir-se todo o processo relativo ao furto dos paióis de Tancos “num roubo e três encenações — a da PJM, a do Governo, que omitiu facto, e a deste relatório, que escondeu a verdade”. “Vamos ver se não será com um inquérito que vamos ficar a saber o que não soubemos”, proclamou Telmo Correia.
O ataque foi cerrado mas do outro lado da barricada PS e PCP uniram esforços para fazer a defesa do relatório e do Governo, que a direita queria ver responsabilizado no documento. “É certo que não respondemos às perguntas que pairam em muitos de nós, sobre quem, quando porquê e como foi executado o furto de Tancos”, reconheceu o socialista Ricardo Bexiga. “Mas analisando as conclusões do documento ficamos com ideias muito claras dos factos e circunstâncias que permitiram que ocorresse aquele furto”, adiantou ainda.
Apontando falhas a várias entidades — “hierarquias militares”, “a PJM” e “a comunicação” — o deputado do PS afirmou que ao longo da CPI ficou esclarecido que “o Governo, através do então Ministro da Defesa e do primeiro-ministro, só tiveram conhecimento dos factos a posteriori“, concluiu, negando que houvesse responsabilidades políticas do atual Executivo no “furto e no achamento do material” roubado dos paióis.
Aos socialistas somou-se a voz de Jorge Machado, do PCP. O deputado comunista notou que o relatório “só não é consensual pelas agendas políticas [do PSD e do CDS]” antes de responder diretamente aos ataques vindos da direita: “Ao contrário do que dizem o PSD e o CDS, não há nenhuma tentativa de ilibar o Governo da sua responsabilidade”. Até porque, argumenta, “o relatório aponta de forma clara o erro do ministro, que desvalorizou o documento que lhe foi entregue [sobre a encenação]”, assim como “responsabiliza os sucessivos governos, o atual incluído, pela falta de condições operacionais do Exército e das suas estruturas”. “A CPI não apurou responsabilidades políticas do furto propriamente dito, mas apurou as responsabilidades políticas e militares pela degradação do Exército“, resumiu.
O Bloco de Esquerda, pela voz de João Vasconcelos, teve a narrativa mais alternativa, concentrando-se sobretudo na atuação do partido ao longo da CPI mais do que no conteúdo do relatório ou dos factos relativos ao furto propriamente dito. “O relatório e as suas conclusões ficaram notoriamente enriquecidas pelas propostas do BE”. Foi assim que o deputado bloquista começou a sua intervenção e por lá continuou, fazendo um balanço das propostas de alteração que o partido conseguiu incluir na versão final do documento, lamentando-se pelas que ficaram de fora.