Tudo terá acontecido na noite de 4 para 5 de setembro, num período fora do quadro internacional de competições. Depois de ter estado com a família e com alguns companheiros, chegou a casa e tinha uma brigada anti-doping à espera para fazer testes e recolher amostras. Das três pessoas presentes, apenas uma teria a acreditação própria para o efeito. Após falar com treinador e advogado, foi encorajado a não assinar papéis e a mãe foi buscar um martelo para que destruísse aqueles tubos. Argumentação? Nem tudo estaria conforme o estipulado a nível de pedido de análises, dos técnicos ao próprio modus operandi.
Nadador chinês Sun Yang pode falhar nos Jogos Olímpicos de 2020 por suspeita de doping
Não foi a primeira vez que o nome de Sun Yang surgiu associado a um episódio envolvendo questões de doping. Em maio de 2014, o nadador foi suspenso por 90 dias pela Associação Chinesa de Natação depois de ter acusado um estimulante que entrara na lista de substâncias proibidas quatro meses antes apenas em períodos de competição. A justificação do próprio passou por um medicamente receitado por um médico para tratar as palpitações que sofre desde 2008, ao mesmo tempo que acrescentou não saber que era algo que entretanto tinha sido vetado. E houve entretanto uma guerra surda entre a WADA, Agência Mundial Antidopagem, e a CHINADA, Agência Chinesa Anti-Doping. Motivo? A revelação tardia dos resultados e a sanção mínima que foi então aplicada. No entanto, as suspeitas em torno do primeiro campeão olímpico chinês de natação já têm mais tempo – e nos Jogos de 2012 já tinham sido ventiladas na imprensa internacional.
Da fase de total reclusão a que se confinou por apresentar sinais de depressão ao acidente de tráfego em que deixou o seu Porsche muito danificado quando conduzia sem carta e embateu num autocarro, Sun Yang sempre fugiu da norma ao longo de mais de uma década de carreira. E foi por isso que chegou a ter os seus patrocínios “congelados” pelas entidades estatais, algo ultrapassado pelo “bom comportamento” nos meses seguintes. Mas também já teve outras polémicas nas piscinas, nomeadamente em 2015 quando falhou a final dos 1.500 metros livres dos Mundiais de Kazan depois de se ter “pegado” com a nadadora brasileira Larissa Oliveira na zona de aquecimento, tendo mesmo tentado acertar com uma cotovelada na atleta. Nos Mundiais de Gwangju, o chinês poderia fazer história. E tornou-se mesmo um herói sem que deixasse de vestir a capa de vilão.
Episódio 1. Logo no primeiro dia dos Campeonatos do Mundo, Sun Yang fez história ao tornar-se o primeiro nadador de sempre a sagrar-se campeão na mesma distância em quatro edições consecutivas. Ao sair da piscina, a única reação apoteótica que teve foi da claque chinesa, que vê nele um herói e que se emocionou ao ver a festa do seu prodígio em lágrimas. No entanto, essa festa acabou por ser marcada pela recusa de Mack Horton em entrar numa fotografia com os medalhados ao lado do vencedor e do italiano Gabrielle Deti, que ganhou o bronze. “Não quero partilhar o pódio com alguém que faz o que ele faz”, explicou no final o australiano, que acabou por sofrer uma repreensão pela Federação Internacional de Natação (FINA). Yang foi por outro caminho: “A mim não faz mal mas desrespeitar a China é uma atitude infeliz”.
Episódio 2. Na segunda final, dos 200 metros livres, o vencedor foi Danas Rapsys mas o lituano acabaria por ser desclassificado por falsa partida e Sun Yang conquistou mais uma medalha de ouro em Mundiais, a 11.ª entre 16 pódios (tem ainda duas pratas e três bronzes) conseguidos em Mundiais desde 2011. Mas a história voltou a não ficar por aí: Duncan Scott, britânico que acabou por subir ao pódio pelo “azar” de Rapsys, recusou-se também a surgir na imagem da praxe com o vencedor e o chinês reagiu, num momento apanhado por algumas câmaras onde apontou o dedo ao adversário e atirou a frase “És um perdedor, eu ganhei”.
“Foi uma final dramática. Não sei o que aconteceu com o Rapsys, mas vi que o australiano estava rápido nos 100 metros. Só segui o meu passo e tive a sorte de ser recompensado. Talvez foi a maior sorte que tive e a sorte só aparece para quem se prepara. Treinei muito. Adormeci às duas da manhã e acordei às sete para me preparar para a eliminatória dos 800 metros. Estava cansado após duas provas nos 400 metros, mais três de 200 metros e mais uma de 800 metros. Espero que vão a um treino meu e depois vejam como consigo manter este rendimento”, comentou no final o campeão mundial, que se tornou o terceiro nadador de sempre com mais medalhas de ouro na competição, apenas atrás de Michael Phelps e Ryan Lochte.
Aos 27 anos, o gigante de dois metros nascido em Hangzhou, filho de um ex-jogador de voleibol e de uma treinadora, continua a ser notícia dentro e fora das piscinas, onde já tirou também um bacharelato de Educação Física. E ainda tem um processo em curso por ter destruído as amostras recolhidas em setembro do ano passado, depois do recurso apresentado pela Agência Mundial Antidopagem à decisão da Federação Internacional de Natação em fazer só uma advertência ao chinês pelo seu comportamento. De qualquer forma, estes voltaram a ser os Mundiais de Sun Yang. E ainda há a final dos 800 metros livres.