O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) diz não ter “elementos para afirmar que a greve [dos motoristas] é ilícita”, mas afirma que a lei “permite ao Governo” recorrer à “requisição civil” ou à “mobilização” caso se verifique um “incumprimento ou o cumprimento defeituoso dos serviços mínimos sejam causadores de graves perturbações da vida social”, ou “uma ameaça séria e iminente desse incumprimento“.
“Apenas os tribunais podem considerar a greve ilícita”, lê-se no documento.
Quanto à possibilidade de uma requisição civil preventiva, o parecer coloca essa possibilidade do ponto de vista legal, mas não concretiza a sua aplicabilidade à greve em causa. “(…) A verdade é que, do ponto de vista jurídico-constitucional parece haver margem de disponibilidade para uma abordagem mais exigente, permitindo o recurso à requisição civil preventiva, num momento em que o dano ainda não se consumou, mas se prepara para consumar’. Estando em causa bens essenciais, mais vale prevenir do que remediar”, pode ler-se.
No entanto, “o Governo só poderá recorrer à requisição, nos termos do Decreto-Lei n.° 637/74 de 20 de novembro, caso se verifique um reiterado incumprimento ou cumprimento defeituoso dos serviços mínimos estabelecidos, gerador de perturbações muito graves ou uma ameaça séria e iminente desse incumprimento, em situações em que exista uma necessidade imperiosa de assegurar, sem quaisquer hiatos temporais, os serviços mínimos, sob pena de não serem satisfeitas necessidades sociais impreteríveis”.
A questão da requisição civil preventiva volta a ser levantada na declaração de voto de Eduardo André Ferreira, do conselho consultivo da PGR, que entende: “Pode o Governo adotar preventivamente tudo quanto não cerceie o direito à greve.”
Apesar de a PGR defender que não faz parte da sua competência declarar a greve ilícita, deixa um conjunto de considerações. Por exemplo:
“(…) É evidente que não basta uma simples rotura das negociações para que se possa considerar a greve como ilícita por violação do princípio da boa-fé.”
“A duração ilimitada da greve, embora possa ser um indício do seu abuso, também não constitui per si motivo para a declarar ilícita”. Isto porque “nem a Constituição, nem o Código do Trabalho impõem qualquer limite de duração máxima de uma greve”.
O parecer coloca ainda a possibilidade de os sindicatos terem violado a boa-fé negocial, uma vez que nos “protocolos celebrados entre a ANTRAM e o SNMMP e entre a ANTRAM e o SIMM” todos os signatários comprometiam-se “a manter, durante o processo negocial que estava em curso, um clima de diálogo e de paz social”. Ainda que se tratem de protocolos, e não de Convenções Coletivas de Trabalho, “a greve desencadeada à revelia daqueles protocolos e acordos preliminares poderá violar a boa-fé, mas não é per si, ipso facto, ilícita”.
Mais à frente, o parecer volta à questão da “utilização abusiva da greve”, admitindo que a paralisação esteja “no limite entre aquilo que é admissível e aquilo que é uma utilização abusiva, por contrária à boa-fé do direito de greve“.
“De facto, considerando a conjugação da frustração da confiança criada com a celebração daqueles protocolos negociais, com a inesperada quebra das negociações, com as razões invocadas para efeito, com a duração ilimitada e a oportunidade escolhida para a realização da greve, com a sua utilização como instrumento de pressão junto de um terceiro, alheio ao conflito e, mesmo com outros fatores que não cabe a este Conselho Consultivo apurar, poderá, em última análise, em casos extremos e excecionais, chegar-se à conclusão de que estamos no limite entre aquilo que é admissível e aquilo que é uma utilização abusiva, por contrária à boa-fé do direito de greve.”
O conselho consultivo vai mais longe, e diz que “parece estar no intuito do grevistas «produzir danos injustos e desproporcionados para o dador de trabalho, para terceiro ou para a própria coletividade, nomeadamente quando resultantes do propósito de desorganização da produção e de sabotagem da economia»”.
“De todo o modo, o apuramento dessa matéria de facto e a consequente aplicação do direito será uma função judicial, baseada nas circunstâncias específicas de cada caso concreto, que extravasa as competências deste Conselho Consultivo.”
Já os serviços mínimos podem ser alargados no caso de “uma greve que afete a vida, a saúde e a integridade física das pessoas ou o regular funcionamento de setores essenciais de interesse público e da economia nacional, provocando prejuízos desmesurados os serviços mínimos podem e devem ser mais extensos, por forma a salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Os trabalhadores que faltarem ao trabalho, em caso de greve ilícita, terão falta injustificada.
Em reação, a ANTRAM já considerou o parecer “avassalador e demolidor”.
Pode ler aqui o parecer de 49 páginas. Ou ver nesta fotogaleria todas as páginas do documento.
Submeteu Sua Excelência o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 37.°, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, «e tendo sobretudo em consideração que a greve em causa
(i)se reporta a pretensões de aumento salarial apenas para o ano de 2021, mas
terá elevadas repercussões sociais já no imediato, com incidência num período especialmente sensível, em que grande parte da população está destacada do seu local habitual de residência e em que o risco de incêndios florestais tende a ser elevado (…) o esclarecimento das seguintes questões:
1.a — Se a greve decretada pelo Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas e pelo Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias, convocada para o próximo dia 12 de agosto de 2019 e por tempo indeterminado, se compreende no perímetro delimitado pela lei ou se, ao invés, por não se conter nos limites legalmente estabelecidos, deve ser tida como ilícita?
2.a — Na hipótese de a greve dever ser tida como ilícita, quais as consequências que decorrem para os trabalhadores que a ela adiram, designadamente nos planos da responsabilidade disciplinar e da responsabilidade civil extracontratual? Em concreto, deve a ausência dos trabalhadores por motivo de adesão a esta greve considerar-se como falta injustificada? E quais as respetivas implicações no âmbito da relação laborai? Podem os sindicatos que decretaram a greve e os trabalhadores que à mesma adiram ser responsabilizados, e em que termos, pelas consequências sociais e económicas que uma eventual perturbação do abastecimento de bens ou da prestação de serviços essenciais possa vir a ter?
3.a — Caso a greve seja tida como ilícita e atendendo ao respetivo impacto social, quais os poderes e meios ao dispor do Estado para garantir (i) a reposição da legalidade, (ii) a salvaguarda de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, como sejam a proteção da vida, saúde e integridade física das pessoas ou o direito fundamental de deslocação, (iii) o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público e a não paralisação de setores vitais da economia nacional, bem como (iv) o imperativo de prevenção, preparação e combate a catástrofes naturais (v.g., incêndios florestais) ou outros eventos de proteção civil?»
Da documentação junta com a consulta resulta a seguinte factualidade:
«1. DOS FACTOS:
1.1. Antecedentes
i. Protocolo Negociai de 18 de abril de 2019
1.A 28 de março de 2019, o SNMMP apresentou um pré-aviso de greve, pelo qual enunciou um conjunto de reivindicações perante a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (“ANTRAM”), que ora se junta como documento n.° 1 e se dá por integralmente reproduzido;
2.O pré-aviso declarava greve geral dos motoristas, a partir das 00:00 horas do dia 15 de abril de 2019 e por tempo indeterminado;
3.A greve envolvia todos os motoristas, independentemente do regime de vinculação ou colaboração, regime de prestação de trabalho, ou área de exercício funcional;
4.A greve, de acordo com o pré-aviso apresentado, era motivada, designadamente, pela necessidade de (i) reconhecimento oficial da Categoria Profissional de Motorista de Matérias Perigosas; (ii) obrigatoriedade do patrocínio pelas entidades patronais de acompanhamento médico anual aos motoristas expostos a substâncias tóxicas e nocivas; (iii) reconhecimento de estatuto de profissão de desgaste rápido, com redução de um ano à idade de reforma por cada quatro anos no exercício de funções de transporte de matérias perigosas; e (iv) respeito pelo direito à retribuição e ao horário de trabalho diurno, noturno e suplementar;
5.Os serviços mínimos a assegurar nas referidas empresas em situação de greve não estão definidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho;
6.Tendo em consideração a eventual necessidade de se definir os serviços mínimos por acordo com os representantes dos trabalhadores, o aviso prévio de greve que se realize em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis deve conter uma proposta de serviços mínimos, de acordo com o n.° 3 do artigo 534.° do Código do Trabalho. Porém no aviso prévio, a associação sindical não concretizou uma definição de serviços mínimos, pelo que a ANTRAM não aceitou a proposta genérica de serviços mínimos apresentada pelo SNMMP;
7. Nestas circunstâncias, uma vez que não houve acordo anterior ao aviso prévio, o serviço competente do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, promoveu uma reunião entre a associação sindical e a ANTRAM, tendo em vista a negociação de acordo sobre os serviços mínimos a prestar e os meios necessários para os assegurar, em cumprimento do n.° 2 do artigo 538.° do Código do Trabalho. Todavia, nessa reunião também não foi possível chegar a acordo sobre os serviços mínimos a prestar;
8. Assim, através do Despacho n.° 30/2019, do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e do Ministro do Ambiente e da Transição Energética, de 11 de abril de 2019, emitido nos termos do n.° 1 e das alíneas d) e h) do n.° 2 do artigo 537.° e da alínea a) do n.° 4 do artigo 538.° do Código do Trabalho, que agora se junta como documento n.° 2 e se dá por integralmente reproduzido, foram fixados serviços mínimos a prestar pelos trabalhadores motoristas das empresas em causa abrangidos pelo aviso prévio de greve, necessários para satisfazer as necessidades sociais impreteríveis ligadas ao abastecimento de combustíveis e ao transporte de mercadorias perigosas e bens essenciais à economia nacional;
9.No primeiro dia de greve (15.04.2019), todavia, não foram assegurados os serviços mínimos «no que respeita ao abastecimento de combustíveis aos hospitais, bases aéreas, bombeiros, portos e aeroportos, aos postos de abastecimento da grande Lisboa e do grande Porto, bem como o transporte granel, brancos e gás embalado» (cf. Preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.° 69-A/2019, de 16 de abril), que ora se junta como documento n.° 3 e se dá por integralmente reproduzido;
10. Nesse sentido, mediante Resolução do Conselho de Ministros n.° 69112019, de 16 de abril, foi reconhecida «(…) a necessidade de se proceder à requisição civil dos trabalhadores motoristas em situação de greve, decretada pelo Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) desde as 00:00 do dia 15 de abril de 2019 e por teu indeterminado» (Ponto 1), conforme consta do documento n.° 3 já junto;
11. O serviço competente do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, promoveu uma reunião entre a associação sindical e a ANTRAM, tendo em vista a negociação de acordo sobre os serviços mínimos a prestar e os meios necessários para os assegurar, em cumprimento do n.° 2 do artigo 538.° do Código do Trabalho. Contrariamente à reunião previamente ocorrida entre as partes (Ponto 7), foi possível alcançar um acordo, conforme consta do documento n.° 4 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido;
12. Na sequência de mediação assegurada pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação, a ANTRAM e o SNMMP admitiram, através de um Protocolo Negociai celebrado a 18 de abril de 2019 (“Protocolo n.° 1”), que ora se junta documento n.° 5 e se dá por integralmente reproduzido, iniciar um procedimento negociai tendo em vista a boa regulação das relações laborais entre os empregadores representados pela ANTRAM e os trabalhadores representados pelo SNMMP;
13. Através da celebração do Protocolo n.° 5, a ANTRAM e o SNMMP, de ora em diante designadas como (“partes outorgantes”), comprometeram-se a encetar um processo de negociação coletiva, que permitisse a promoção e dignificação da atividade de motorista de mercadorias perigosas, tendo por base o Contrato Coletivo de Trabalho Vertical publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.° 34, de 15 de setembro de 2018 (“CCTV”); e
14. As partes outorgantes acordaram em assentar a negociação coletiva nos seguintes princípios de valorização: (i) individualização da atividade no âmbito da tabela salarial; (ii) subsídio de risco; (iii) formação especial; (iv) seguros de vida específicos; e (v) exames médicos específicos; e
15.Tendo por base tal Protocolo, a greve foi desconvocada e as partes ajustaram uma cláusula de Boa-Fé negociai, comprometendo-se especificamente a “(…) atuar de boa-fé durante todo o processo negociai, nomeadamente respondendo com a brevidade possível a propostas e contrapropostas negociais” (Cláusula n.° 5).
ii. Declaração Conjunta de 9 de maio de 2019
16.No dia 9 de maio de 2019, sem prejuízo da Cláusula de Paz Social expressa na Cláusula n.° 5 do Protocolo n.° 1, o SNMMP apresentou um novo pré-aviso de greve, alicerçado num conjunto de reivindicações, greve essa que deveria iniciar-se no dia 23 de maio subsequente;
17.A 9 de maio de 2019, a ANTRM e o SNMMP, na sequência de nova mediação assegurada pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação, manifestaram, através de uma “Declaração Conjunta”, que ora se junta como documento n.° 6, e se dá por integralmente reproduzido, a intenção de prosseguir as negociações que tinham iniciado após a celebração do Protocolo n.° 1, comprometendo-se a fazê-lo “num bom clima negociai”;
18.No âmbito da referida Declaração Conjunta, as partes outorgantes reconheceram estar empenhadas em garantir um aumento salarial que determinasse uma remuneração global bruta de cerca de € 1.400,00 mensais num mês normal de trabalho, repartidos pelas diversas rubricas e subsídios, incluindo um novo subsídio de operações com mercadorias perigosas obrigatório, regular, fixo e invariável para os motoristas que manuseiem de forma regular e não sazonal mercadorias perigosas, líquidas e gasosas, aumento esse que determinaria um acréscimo retributivo de cerca de € 250,00 mensais face ao que atualmente é aplicado;
19.Ainda no âmbito do mesmo documento, o SNMMP e a ANTRAM reconheceram garantir aos motoristas de materiais perigosos um acréscimo da retribuição global (a repartir entre as diversas rubricas fixas) de €100,00 em 2021 e outros € 100,00 em 2022, caso as condições económicas o permitissem relativamente a este último, bem como em indexar para o futuro aumentos anuais da retribuição em função do aumento do salário mínimo nacional; e
20.As partes acordaram, por fim, em condicionar o teor da referida declaração à aprovação por parte dos filiados no SNMMP e associados da ANTRAM, caso em que a greve convocada para o dia 23 de maio seria desconvocada.
iii. Protocolo Negocial de 17 de maio de 2019
21. Na sequência da Declaração conjunta, o SNMMP submeteu aos seus filiados, em quatro plenários de trabalhadores geograficamente dispersos, realizados em dois dias consecutivos, a ratificação da mencionada Declaração Conjunta. Os trabalhadores filiados no SNMMP, por quase unanimidade (com exceção de 1 voto contra), ratificaram teor daquela Declaração Conjunta;
22. Os associados da ANTRAM por sua vez na sequência de diversas reuniões promovidas pela respetiva Direção, aprovaram o teor da referida Declaração Conjunta, com exceção da parte relativa aos aumentos salariais de 100 € por ano em 2021 e em 2022 (neste caso, caso as condições financeiras o permitissem). Por outras palavras, aprovaram todo o pacote financeiro constante da citada Declaração Conjunta, designadamente os aumentos salariais para 2020, mas não se comprometeram quanto a aumentos salariais de 100 € por ano para 2021 e 2022;
23. Na sequência dos referidos plenários de trabalhadores do SNMMP e das reuniões de associados da ANTRAM as partes voltaram a encontrar-se no dia 17 de maio de 2019 para dar continuidade à referida Declaração Conjunta, tendo então celebrado nesse mesmo dia, mais uma vez sob mediação do Ministério (Infraestruturas e Habitação, um novo Protocolo Negociai (“Protocolo n.° 2”), que ora se junta como documento, n.° 7 e se dá por integralmente reproduzido, que concretizou a referida Declaração Conjunta;
24. Pelo referido Protocolo, as partes acordaram, nomeadamente, os seguintes pressupostos:
i. Promoção de um aumento salarial sujeito a tributação que determinasse uma remuneração bruta global de € 1.400,00 mensais num mês normal de trabalho de um motorista afeto ao transporte e manuseamento de matérias perigosas líquidas e gasosas a granel, repartidos pelas diversas rúbricas e subsídios;
ii. Atribuição a todos os trabalhadores motoristas, a partir de 1 de janeiro de 2020, de uma retribuição base de 700,00;
iii.Atribuição de um novo subsídio de operações com mercadorias perigosas, para efeitos do ponto i., que será obrigatório, regular, fixo e invariável para os motoristas que manuseiem de forma regular e não sazonal mercadorias perigosas liquidas e gasosas, no valor de €125,00; e
iv. Atribuição aos motoristas de materiais perigosos de um acréscimo da retribuição global (a repartir entre as diversas rubricas fixas) a partir de 2021 indexado à evolução da retribuição mínima mensal garantida.
25. Ou seja, comparativamente com a Declaração Conjunta de 9 de maio, o Protocolo Negociai de 17 de maio dispôs, a propósito dos aumentos salariais de 2021 e de 2022, que a partir de 2021 os aumentos salariais seriam indexados à evolução da retribuição mínima mensal garantida, quando é certo que a Declaração Conjunta de 9 de maio previa um acréscimo da retribuição global (a repartir entre as diversas rubricas fixas) de € 100,00 em 2021 e outros € 100,00 em 2022, caso as condições económicas o permitissem relativamente a este último; e
26. Neste Protocolo, as partes ajustaram uma Cláusula de Paz Social, por força da qual o SNMMP se comprometeu a desconvocar a greve agendada para o dia 23 de maio e as partes comprometeram-se, no decurso do processo negociai, “(…) a diligenciar pela criação e manutenção de um clima de diálogo e paz social, mantendo o diálogo como forma de resolução de diferendos ou divergências entre as potes, até á conclusão das negociações- (Cláusula n.° 3).
iv. Protocolo Negocial de 19 de maio
27.Sendo a FECTRANS a organização sindical mais representativa do setor de Transporte Rodoviário de Mercadorias, e tendo celebrado o supra referido CCTV com a ANTRAM, a mesma Federação Sindical resolveu, também, celebrar com a ANTRAM um protocolo negociai para garantir a revisão do contrato coletivo de trabalho em vigor;
28. Nesse sentido, a FECTRANS celebrou com a ANTRAM um Protocolo Negociai a 19 de maio de 2019, que ora se junta como documento n.° 8 e se dá por integralmente reproduzido;
29. Nos termos do referido Protocolo, as partes comprometeram-se a prosseguir o processo negociai tendente à revisão e atualização salarial da referida convenção coletiva de trabalho;
30. Através do Protocolo Negociai, as partes outorgantes acordaram, nomeadamente, os seguintes pressupostos de negociação:
i. Promoção de um aumento salarial sujeito a tributação — tabela salarial, diuturnidades, complemento salarial, cláusula 61a, subsídio de trabalho noturno, ajuda de custo TIR e subsídios de operações — que determinasse um crescimento da massa salarial global;
ii.Para efeitos do número anterior, a partir de 1 de janeiro de 2020, atribuição a todos os trabalhadores motoristas uma retribuição base de € 700,00;
iii. Para efeitos do ponto i., atribuição de um novo subsídio de operações com mercadorias perigosas que será obrigatório, regular, fixo e invariável para os motoristas que manuseiem de forma regular e não
sazonal mercadorias perigosas liquidas e gasosas a granel, no valor de €125,00;
iv. Análise da oportunidade de criação de subsídio de operações diário para outros trabalhadores motoristas, com formação específica e que só eles podem manusear a carga que transportam; e
Garantia de atribuição no mínimo, aos motoristas um acréscimo da retribuição global (a repartir entre as diversas rubricas fixas) a partir de 2021 indexado à evolução da retribuição mínima mensal garantida.
Protocolo Negocial de 21 de maio
31.0 Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (“SIMM”) é uma organização sindical que representa os motoristas de mercadorias, seus filiados, e que exercem a sua atividade profissional por conta de outrem;
32. Consequentemente, atendendo aos interesses dos trabalhadores que representa, e na sequência dos Protocolos celebrados pelo SNMMP e pela FECTRANS, também o SIMM celebrou, a 21 de maio de 2019, um Protocolo Negocial, que ora se junta como documento n.° 9 e se dá por integralmente reproduzido, com a ANTRAM, assente nos mesmos pressupostos referidos no ponto anterior;
33. Pelo referido Protocolo, as partes acordaram, nomeadamente, os seguintes pressupostos:
i. Promoção de um aumento salarial, sujeito a tributação — tabela salarial, diuturnidades, complemento salarial, cláusula 61°, subsídio de
trabalho noturno, ajuda de custo TIR e subsídio de operações — que determine um acréscimo da massa salarial global;
ii. Atribuição a todos os trabalhadores motoristas, a partir de 1 de janeiro de 2020, de uma retribuição base de 700,00;
iii. Atribuição de um novo subsídio de operações com mercadorias perigosas, para efeitos do ponto i., que será obrigatório, regular, fixo e invariável para os motoristas que manuseiem de forma regular e não
sazonal mercadorias perigosas líquidas e gasosas a granel, no valor de € 125,00;
iv. Atribuição aos motoristas de materiais de um acréscimo da retribuição global (a repartir entre as diversas rubricas fixas) a partir de 2021 indexado à evolução da retribuição mínima mensal garantida; e v. Neste Protocolo, as partes ajustaram uma Cláusula de Paz Social, por fora da qual as partes comprometeram-se, no decurso do processo negociai e cumpridos os pressupostos deste Protocolo, “(…) a diligenciar pela criação e manutenção de um clima de diálogo e paz e social, mantendo o diálogo como arma de resolução de diferendos ou divergências entre as partes, até à conclusão das negociações” (Cláusula n.° 3).
vii. Processo conciliatório mediado pela Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho
i. Processo Negocial celebrado entre a ANTRAM e as três organizações sindicais
ii. Conforme resulta dos factos supra expostos, as três organizações indicais, SNMMP, FETRANS e SIMM, celebraram com a ANTRAM idênticos Protocolos Negociais tendo em vista a revisão do CCTV celebrado em 2018 entre a FECTRANS e a ANTRAM;
iii. Desta forma, e por iniciativa da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (“DGERT”), ao invés de ser estabelecido um processo negociai diretas autónomo assente em negociações entre a ANTRAM e cada uma das organizações sindicais, as partes acordaram, a 21 de maio de 2019, em sede de uma reunião na DGERT, em estabelecer um único processo negociai, conforme consta da Ata n.° 1 do processo de conciliação da DGERT, que ora se junta como documento n.° 10 e se dá por integralmente reproduzido;
iv. As partes declaram, no âmbito do referido documento, que a negociação teria como objeto o clausulado do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS bem como os pressupostos de negociação definidos nos Protocolos Negociais celebrados entre a ANTRAM e cada uma das organizações sindicais já mencionadas conforme consta do documento n.° 10 já junto; e
v. Para além disso, foi ainda acordado, relativamente à metodologia a adotar, a realização de reuniões de frequência quinzenal, conforme consta do documento n.° 10 já junto.
ii. Realização de reuniões de conciliação na DGERT
viii. Na sequência da celebração do Protocolo de Negociação entre a ANTRAM, por um lado, e as três organizações sindicais, por outro, ajustado em reunião realizada na DGRT tendo em vista a revisão do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, a ANTRAM apresentou a sua proposta de revisão do CCTV em vigor, tendo por base os pressupostos negociais definidos nos Protocolos Negociais, na reunião de 12 de junho de 2019;
ix. Para o efeito, nessa mesma reunião do dia 12 de junho, a ANTRAM entregou às partes uma versão do referido CCT na qual introduziu, com cor distintiva, as novas cláusulas que resultariam dos diversos protocolos negociais celebrados com as três estruturas sindicais, respetivamente em 17 de maio (SNMMP), 19 de maio (FECTRANS) e 21 de maio (SIMM);
x. Os três sindicatos (SNMMP, FECTRANS e SIMM) solicitaram tempo para analisar a proposta da ANTRAM, razão pela qual se marcou nova reunião para ❑ dia 19 de junho subsequente;
xi. Posteriormente, na reunião realizada a 19 de junho de 2019, os representantes da FECTRANS apresentaram a sua contraproposta à proposta apresentada pela ANTRAM;
xii. Do mesmo modo, o SIMM também apresentou a sua contraproposta. No entanto, este sindicato não apresentou um documento correspondente à totalidade das cláusulas do CCTV, apenas apresentando a sua contraproposta das cláusulas 1.3 a 15.a;
xiii.Por fim, o SNMMP apresentou também a sua contraproposta;
xiv. Os representantes da ANTRAM, na sequência das propostas apresentadas, esclareceram que necessitariam de proceder à apreciação e análise das mesmas, tanto mais que, numa leitura apressada, se aperceberam que tais contrapropostas iam para além dos protocolos negociais de 17, 19 e 21 de maio, quando é certo que na 1.° reunião realizada no âmbito da DGERT havia ficado assumido que a negociação teria apenas como objeto o clausulado do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS, bem como os pressupostos de negociação definidos no Protocolos Negociais celebrados entre a ATRAM e cada uma das organizações sindicais já mencionadas;
xv. Face à necessidade de tempo para o SIMM complementar a sua contraproposta e a ANTRAM apresentar as várias propostas à direção, foi acordado entre os presentes agendar a reunião seguinte para o dia 2 de julho, comprometendo-se a ANTRAM a apresentar nessa data a sua resposta às contrapropostas das organizações sindicais;
xvi. A 25 de junho de 2019, através de um email dirigido à conciliadora do processo de negociação, ao representante do Ministério das Infraestruturas e da Habitação, aos representantes da FECTRANS e do SIMM, o SNMMP solicitou o adiamento da reunião que se encontrava agendada para o dia 2 de julho;
xvii. Como fundamento para o referido adiamento, referiu considerar existir uma divergência entre o que tinha sido acordado entre a ANTRAM e o SNMMP, razão pela qual seria necessário convocar os seus sócios para lhes comunicar o desenrolar das negociações;
xviii. Concluindo, o SNMMP informou, através do email, que iria realizar um congresso nacional extraordinário para o dia 6 de julho do presente ano;
xix. Em resposta, a 26 de junho de 2019, a ANTRAM esclareceu que, de acordo com o seu entendimento, desde a reunião de 19 de junho, não teria existido nenhuma alteração superveniente das circunstâncias que justificasse a alteração ao processo negociai que estaria a ser solicitada pelo SNMMP;
xx. A ANTRAM clarificou ainda não considerar correto que o SNMMP consultasse os seus associados sem ter previamente tomado em consideração as posições que lhe seriam transmitidas pela ANTRAM, conforme acordado entre as partes;
xxi. O SIMM, por sua vez, associou-se ao pedido de adiamento da reunião feito pela SNMMP, declarando que também iria participar no Congresso Extraordinário de 6 de julho;
xxii. A FECTRANS, por sua vez, deu nota que do seu ponto de vista não se justificava o adiamento da reunião, mas que em última instância a tanto não se oporia;
xxiii.Tendo por base o supra exposto, a DGERT decidiu pelo adiamento da reunião, tendo a mesma sido agendada para o dia 15 de julho de 2019;
xxiv.No mencionado Congresso Extraordinário de 6 de julho e na sequência de diversas declarações feitas a diversos órgãos de comunicação social, os dirigentes e representantes do SNMMP e do SIMM afirmaram que iriam convocar uma greve para o dia 12 de agosto de 2019, invocando para o efeito o incumprimento por parte da ANTRAM dos compromissos assumidos e sucessivas práticas contrárias aos direitos dos trabalhadores desde há mais de 20 anos;
xxv. Na reunião do dia 15 de julho, ❑ SNMMP, questionado pela ANTRAM sobre qual seria o motivo subjacente à divergência existente entre as partes, esclareceu que a ANTRAM tinha incumprido com o teor da Declaração Conjunta de 9 de maio, nomeadamente questionando a ANTRAM quanto à disponibilidade para negociar o aumento de €100,00 para 2021 e € 100,00 para 2022, montantes esses que consideravam estarem vertidos no texto da referida Declaração Conjunta;
xxvi. A ANTRAM esclareceu que, conforme era do conhecimento do SNMMP, os seus associados não tinham aprovado os aumentos referidos nos termos da Declaração Conjunta, mas sim a atribuição de aumentos salariais indexados à evolução da retribuição mínima mensal garantida, conforme constava, em termos expressos, do Protocolo n.° 2 de 17 de maio;
xxvii. Perante esta questão, foi relembrado pelo representante do Ministério das Infraestruturas e Habitação, que esteve presente enquanto mediador nas reuniões de 9 de maio e de 17 de maio, que deram origem, respetivamente, à Declaração Conjunta e ao Protocolo n.° 2, o que já tinha sido esclarecido na anterior reunião de conciliação, assinalando que a Declaração Conjunta continha uma referência a aumentos salariais de € 100,00 em 2021 e de € 100,00 em 2022 (caso a situação económica o permitisse), mas que a mesma previa também que esta solução devia ser objeto de ratificação pelos filiados do SNMMP, por um lado, e pelos associados da ANTRAM por outro lado. Recordou ainda que ao passo que os filiados do SNMMP tinham aprovado por unanimidade (exceto um voto), os associados da ANTRAM não tinham aprovado essa disposição relativa aos aumentos de 2021 e 2022. Por esse motivo, no Protocolo n.° 2 ficou expresso que os aumentos salariais para esses anos seriam indexados à evolução da retribuição, mínima mensal garantida, conforme Doc. n.° 7 já junto. Esta declaração está reproduzida na Ata da reunião da DGERT de 15 de julho de 2019, conforme documento n.° 11 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido;
xxviii. No âmbito dessa reunião, o SNMMP e o SIMM apresentaram, conjuntamente, um pré-aviso de greve, que ora se junta como documento n.° 12 e se dá por integralmente reproduzido;
xxix. O pré-aviso declara greve geral dos Motoristas, a partir das 00:00 horas do dia 12 de agosto de 2019 e por tempo indeterminado;
xxx. A greve envolverá todos os motoristas, independentemente do regime de vinculação ou colaboração, regime de prestação de trabalho e área de exercício funcional;
xxxi. A greve, de acordo com o pré-aviso apresentado, é motivada, designadamente, pelo (i) descrédito e respeito da ANTRAM pelos cerca de 50.000 motoristas portugueses; (h) manutenção da recusa na inclusão dos Protocolos celebrados no novo CCTV, e alegado incumprimento pela ANTRAM relativamente a esta inclusão;
xxxii. Ainda no decurso da reunião de 15 de julho, o representante do Ministério das Infraestruturas e da Habitação e a conciliadora questionaram diretamente os subscritores do pré-aviso de greve sobre se o fundamento da greve convocada para o dia 12 de agosto seria apenas uma divergência quanto aos aumentos salariais previstos para 2021 e 2022, tendo o representante do SNMMP respondido afirmativamente, conforme consta da Ata do processo de conciliação da reunião n.° 4, conforme consta do documento n.° 11 já junto;
xxxiii. A ANTRAM considerou que não tinha sido apresentado o motivo pelo qual estaria a ser acusada de incumprimento dos Protocolos celebrados, esclarecendo que, nestes termos e perante um pré-aviso de greve deixaria de ter condições para continuar a negociar com ❑ SNMMP e o SIMM, organizações sindicais subscritoras do pré-aviso;
xxxiv. A ANTRAM demonstrou a sua disponibilidade para continuar a negociação com as referidas organizações sindicais, caso estas retirassem o pré-aviso de greve apresentado na reunião de 15 de julho;
xxxv. A FECTRANS e a ANTRAM acordaram em continuar as negociações diretas que haviam iniciado previamente à junção com as restantes organizações sindicais».
Dada a sua relevância na economia do parecer solicitado, transcreve-se, ainda, o aviso prévio de greve que nos foi, igualmente, remetido.
«Tendo em conta:
1. Que se encontrava agendada uma Greve Geral para o passado dia 23 de Maio de 2019, que reivindicava o Reconhecimento oficial da Categoria Profissional de Motorista de Matérias Perigosas; a Obrigatoriedade do patrocínio pelas Entidades Patronais de acompanhamento médico anual aos motoristas expostas a substâncias tóxicas e nocivas; o Reconhecimento de Estatuto de profissão de desgaste rápido, com redução de um ano à idade de por cada quatro anos no exercício de funções de transporte de matérias perigosas; o Respeito pelo direito à retribuição e ao horário de trabalho diurno, noturno e suplementar, traduzindo-se num aumento substancial dos valores remuneratórios e na abolição de esquemas remuneratórios que visam a fuga aos impostos e a perca de direitos pelos motoristas;»
2. Que no dia 9 de Maio de 2019 a ANTRAM e o SNMMP celebraram uma declaração conjunta, acertando diversos temas, incluindo o remuneratório, partindo dum salário base de € 700,00 em janeiro de 2020, atualizado em janeiro de 2021 e em janeiro de 2022 com um acréscimo de € 100,00 em cada ano, que deveria ser apresentado aos sócios e que só na condição da sua aceitação a greve seria desconvocada (v.g. Doc. 1 em anexo).
1.Que tanto o SNMMP como a ANTRAM realizaram 4 plenários com vista à apresentação daquelas condições aos seus associados, e que no dia 17 de maio celebraram um protocolo negociai, que refere as condições da declaração conjunta apresentada, confirmando que aquela era agora concretizada.
2.Que o SNMMP desconvocou a referida greve nacional tendo em conta a aceitação daqueles 2 documentos, iniciando um conjunto de reuniões com vista à transposição daquelas condições para a revisão do Contrato Coletivo de Trabalho (v.g. Doc. 2 em anexo).
3.Que no decorrer das reuniões com vista à reforma do CCTV a ANTRAM recusou formalmente cumprir com o que se comprometeu com o SNMMP, enganando assim todos os motoristas com o único objetivo de ganhar tempo sem que existisse a referida greve.
4.Que o SIMM já em setembro de 2018 havia deduzido oposição à portaria de extensão publicada em Diário da República (Portaria n.° 287/2018), ficando dessa forma livre para negociar um CCT na totalidade para a categoria profissional de Motorista.
5.Que a ANTRAM não tem mostrado a intenção de aceitar nenhuma das propostas do SIMM desde a negociação iniciada entre ambos a 20 de fevereiro de 2019 para um CCT global para a categoria profissional de Motorista.
6.Que aquando da assinatura do protocolo negociai para a revisão do CCT foi garantido ao SIMM que não havia qualquer documento onde tivessem ficado vertidas melhores condições do que as que nos eram apresentadas nesse protocolo, o que já vimos pelo documento 1 em anexo que não é verdade, enganando claramente esta estrutura sindical com vista a causar divisão entre as estruturas que representam os trabalhadores, para dai obter vantagens ilícitas (v.g. Doc. 3 em anexo)
7.Que em outubro de 2018 com a entrada em vigor do CCTV para todo o sector, veio a confirmar-se que a suposta valorização salarial era feita à custa da enorme retirada de direitos.
8.Que o novo CCTV continua a permitir o pagamento das ajudas de custo com base nos quilómetros percorridos, à viagem e ou à tonelagem transportada, todos fatores geradores de insegurança rodoviária e que a ANTRAM teima em manter e, dessa forma, prejudicar os trabalhadores em matéria de proteção social, efetuando descontos ilegais e favorecendo a evasão fiscal.
9.Que consideramos que os motoristas de mercadorias são trabalhadores como quaisquer outros e devem ter o direito ao pagamento do trabalho suplementar.
10. Que consideramos que os motoristas filiados no SNMMP e no SIMM realizaram um Congresso Nacional no passado dia 6 de julho de 2019, e deliberaram por unanimidade que a manter-se a postura da ANTRAM em incumprir com o que se encontrava acordado, a greve que foi interrompida deveria continuar.
11. Que o SNMMP e o SIMM apresentaram uma proposta de revisão do CCTV que inclui as matérias protocoladas, e das quais os filiados nestes Sindicatos não prescindem (v.g. Doc. 4 em anexo).
12. Que, questionada a ANTRAM, veio confirmar que não pretende cumprir com o acordo.
Vêm os Sindicatos SNMMP e SIMM ao abrigo do artigo 57.° da Constituição da República Portuguesa e nos termos dos artigos 530.° e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, declarar GREVE GERAL DOS MOTORISTAS, independentemente do regime de vinculação ou colaboração, regime de prestação de trabalho, área de exercício funcional, desde as 00:01 horas do dia 12 de agosto de 2019 e por TEMPO INDETERMINADO, caso a ANTRAM persista no descrédito e no desrespeito pelos cerca de 50.000 motoristas portugueses, e mantenha a recusa na inclusão daqueles protocolos no novo CCTV, como antes havia prometido.
Encontrando-se este setor elencado na lista de atividades em que deve ser assegurada a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, de acordo com a alínea h) do n.° 2 do art.° 537 do Código do Trabalho, propomos que os serviços mínimos a assegurar:
a) Abastecimento de combustíveis e matérias perigosas, aos hospitais, centros de saúde, clínicas de hemodiálise e outras estruturas de prestação de cuidados de saúde inadiáveis, estabelecimentos prisionais, bases aéreas, serviços de proteção civil, bombeiros, forças de segurança e unidade autónomas de gaseificação (UAG) nas mesmas condições em que devem assegurar em dias úteis, de feriado e/ou descanso semanal;
b) Abastecimento de combustíveis aos portos, aeroportos e postos de abastecimento das empresas que têm por objeto a prestação de serviço público de transportes de passageiros rodoviários, ferroviários e fluviais, tendo por referência 25% dos trabalhadores afetas a este tipo de serviço por cada empresa;
c) Abastecimento de gasóleo colorido e marcado e abastecimento de combustíveis a postos privativos e cooperativos de empresas de transportes públicos rodoviários de mercadorias, tendo por referência 25% dos trabalhadores afetos a este tipo de serviço por cada empresa;
d) Abastecimento de combustíveis e estruturas residenciais para pessoas idosas, centros de acolhimento residencial para crianças e jovens, estabelecimentos de ensino, IPSS’s e Santas Casas da Misericórdia, tendo por referência 25% dos trabalhadores afetos a este tipo de serviço por cada empresa;
e) Abastecimento de combustíveis a todos os postos de combustível do território nacional, granel e gás embalado, tendo por referência 25% dos trabalhadores afetos a este tipo de serviço por cada empresa;
f) Transporte de cargas necessárias nas refinarias e parques, na CLT e na CLC, nos casos em que a acumulação de stocks de produtos refinados imponha o funcionamento das unidades em regimes abaixo dos respetivos mínimos técnicos, de acordo com os manuais de operações;
g) Transporte de cargas necessárias nas refinarias e parques, na CLT e na CLC, nos casos em que a acumulação de stocks de petróleo bruto ou de outras matérias-primas em armazém sejam insuficientes para garantir o funcionamento das unidade nos respetivos mínimos técnicos, de acordo com os manuais de operação, em virtude das implicações na satisfação de necessidades sociais impreteríveis e na segurança e manutenção dos equipamentos e instalações das unidades processuais das refinarias de Sines e Matosinhos;
h) Transporte estritamente indispensável com as restantes unidades e instalações dos sistemas industriais das áreas de Sines e Matosinhos associados às refinarias da Petrogal, de forma a garantir o funcionamento estável das suas unidades à carga mínima, de acordo com os respetivos manuais de operação, de forma a evitar riscos para a segurança dos equipamentos e instalações e impactos ambientais;
i) Abastecimento de combustíveis ao posto de abastecimento interno (HOMEBASE) dos CTT na Zona Norte, sito a Maia, nas mesmas condições em que o devem assegurar em dias úteis;
j) Abastecimento de combustíveis aos postos de abastecimento interno das empresas de resíduos sólidos urbanos, resíduos perigosos hospitalares, material radioativo para fins clínicos/medicinais, distribuição de medicamentos, e alimentação de animais, nas mesmas condições em que devem assegurar em dias úteis.
Os trabalhadores para assegurar os serviços mínimos são designados e escalados pelas empresas que operam veículos, devendo para tanto informar estes Sindicatos por via eletrónica com uma antecedência mínima de 48 H, indicando o número de veículos, as respetivas matrículas, e os motoristas escalonados, e os sindicatos responderão pela mesma via nas 24H seguintes, eventuais alterações às escalas apresentadas, sendo que a garantia dos serviços mínimos deverá ser assegurada em primeiro lugar pelos não grevistas, e só em último recurso aos trabalhadores grevistas, devendo para tanto os Sindicatos estarem autorizados a verificar as matrículas e os serviços distribuídos, na porta de cada centro de distribuição.
A representação dos trabalhadores em greve é delegada, na Comissão Sindical, delegados sindicais e piquetes de greve».
Cumpre, pois, com urgência, emitir o solicitado parecer.
Ill
Questão prévia
Antes de iniciarmos o estudo e o debate das questões que nos são colocadas importa, todavia, esclarecer ainda que – sem prejuízo do exercício das suas competências em matéria de requisição civil ou de mobilização, caso estejam reunidos os respetivos pressupostos legais ou de fixação de serviços mínimos, nos termos do artigo 538.°, n.° 4, ala a), do Código do Trabalho – o Governo é alheio ao conflito que está subjacente a esta consulta, maxime ao conflito laborai que opõe o SNMMP e o SIMM à ANTRAM. Enquanto órgão de condução da política geral do país e órgão superior da administração pública (art. 182.’° da CRP), o Governo tem competências políticas (art. 197.°), legislativas (art. 198.°) e administrativas (art. 199.°). As competências administrativas subdividem-se, depois, na categorização de Diogo Freitas do Amaral, em a) garantir a execução das leis; b) assegurar o funcionamento da Administração Pública; e c) promover e satisfazer as necessidades públicas’.
Entre estas funções administrativas não consta, obviamente, a de dirimir o conflito entre privados (aplicando o direito no caso concreto), que cabe aos Tribunais, a quem foi confiada a função jurisdicional (art. 202.° da CRP): isto é, a função destinada a praticar atos que não apenas pressupõem mas são necessariamente praticados para resolver uma questão de direito. Tal não obsta a que o Governo possa assumir funções de medição de conflitos.
Ao Governo cabe portanto – através do Ministério da Justiça – apenas criar condições efetivas para garantir o acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.° da CRP), local onde são defendidos os direitos e interesses legalmente protegidos. Assim, sendo alheio a este conflito privado, a eventual aprovação e homologação deste parecer (art. 43.° do Estatuto do Ministério Públicio) não poderá vincular as entidades patronais, obrigando-as, por exemplo a considerar a greve ilícita e a desencadear as respetivas consequências jurídicas. Apenas os tribunais podem decretar esta greve ilícita.
III
Direito de greve
1. Nos termos do artigo 57.° da Constituição da República Portuguesa «é garantido o direito à greve» (n.° 1), competindo «aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito» (n.° 2) e à lei determinar «as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis» (n.° 3).
Esta norma consagra, assim, um direito fundamental, integrante do conjunto de direitos, liberdades e garantias enunciados no capítulo II («Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política»), do título li, da Constituição, diretamente aplicável e vinculante para entidades públicas e privadas (art. 18.°, n.° 1, CRP) e que consubstancia uma parcela do princípio da socialidade, enquanto vertente fundamental do Estado de direito democrático, adotado pelo artigo 2.° da Constituição.
Como referiu o Tribunal Constitucional, «o nosso texto constitucional configura a greve como uma liberdade ou como um “clássico” direito de defesa. O que o artigo 57.° da CRP confere a quem trabalha é a faculdade (a liberdade) de recusa da prestação de trabalho contratualmente devida, faculdade essa cujo exercício não pode ser obstaculizado pelo Estado ou pelos poderes públicos, que têm portanto perante ela o dever primacial de não fazer ou de não interferir que caracteriza precisamente a estrutura típica dos “direitos, liberdades e garantias”. Mas, para além disso, a liberdade de greve apresenta características tais que a associam com estreiteza ao princípio de socialidade inscrito na parte final do artigo 2.° da CRP. Não apenas por se tratar de um direito que, sendo embora de titularidade individual, é necessariamente de exercício coletivo; mas, sobretudo, pelos efeitos vinculativos que dela decorrem quanto a privados. Na verdade, a liberdade de recusa da prestação de trabalho contratualmente devida opõe-se também (e desde logo) aos próprios privados empregadores, que têm perante ela um igual dever de tolerar, ou de não obstaculizar e de não interferir.
Quer isto dizer que, ao escolher consagrar a greve como um direito, liberdade e garantia [dos trabalhadores], a Constituição escolheu também conferir ao trabalho subordinado aquele especial meio de defesa (que se traduz na pressão exercida pela recusa da prestação juslaboral) que a História mostrou ser um instrumento adequado para a afirmação dos seus interesses. Tal significa que a CRP reconhece que em Estado de direito democrático não deixam de existir conflitos económicos e sociais; que, em tais conflitos, haverá seguramente uma parte mais frágil; e que tal parte carece de maior proteção, pela institucionalização de meios próprios e exclusivos de defesa que não são reconhecidos à outra “parte”. Assim sendo, o direito consagrado no artigo 57.° -não deixando de apresentar a estrutura típica de uma liberdade ou de um clássico direito de defesa – tem uma razão de ser que ❑ liga, estreitamente, ao princípio da socialidade inscrito na parte final do artigo 2.° da CRP. O direito de greve é, entre nós, um direito, liberdade e garantia dos trabalhadores porque a Constituição o concebeu como instrumento de realização da democracia económica e social (artigo 2.°, in fine), ou como meio para a realização dessa especialíssima tarefa do Estado que é a de “[p] romover (…) a igualdade real entre os portugueses (…)” (artigo 9.°, alínea d)»4.
«A fundamentalidade material do direito à greve liga-se, pois», continuando a citar o Tribunal Constitucional, «aos princípios constitucionais da liberdade e da democracia social. A sua especial inserção no elenco dos direitos, liberdades e garantias confere-lhe uma proteção constitucional acrescida que se traduz no “reforço de mais valia-normativa” (G. Canotilho) do preceito que o consagra relativamente a outras normas da Constituição. O que significa: (1) aplicabilidade direta, sendo o conteúdo fundamental do direito afirmado já ao nível da Constituição e não dependendo o seu exercício da existência de lei mediadora; (2) vinculação das entidades públicas e privadas, implicando a neutralidade do Estado (proibição de proibir) e a obrigação de a entidade patronal manter os contratos de trabalho, constituindo o direito de greve um momento paradigmático da eficácia geral das estruturas subjetivas fundamentais; (3) limitação das restrições aos casos em que é necessário assegurar a concordância prática com outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos – sendo certo que a intervenção de lei restritiva está expressamente vedada quanto à definição do âmbito de interesses a defender através da greve (C.R.P., art. 57.°, n.°2)».
Mesmo assim, apesar da sua importância capital, para a «condição existencial da pessoa, do cidadão e do trabalhador», a verdade é que nem a Lei Fundamental (art. 57.°) nem a lei ordinária (artigos 530.° a 543.° do Código do Trabalho’ e artigos 394.° a 405.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas8)
2. Respondendo a esse repto, a doutrina nacional tem procurado construir o conceito dogmático de greve. Assim, numa perspetiva jurídico-constitucional JOAQUIM GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA afirmam que a noção de greve exige dois elementos fundamentais: «(a) uma ação coletiva e concertada de trabalhadores; (b) a paralisação do trabalho (com ou sem abandono dos locais de trabalho) ou qualquer outra forma típica de incumprimento da prestação de trabalho»12. Já Rui MEDEIROS defende que «o artigo 57.° não legitima o cumprimento defeituoso (em sentido amplo) das obrigações laborais pelos trabalhadores ou a conversão ou redução unilateral – por decisão dos trabalhadores – das vinculações a que eles se encontram adstritos (…) uma noção constitucionalmente adequada de greve envolve uma ideia de não cumprimento temporário por parte dos grevistas das suas obrigações legais e contratuais. O próprio respeito pela liberdade de empresa não tolera que, no âmbito de uma organização empresarial, os trabalhadores grevistas possam unilateralmente optar pela manipulação ou alteração das suas obrigações laborais em vez da mera suspensão temporária do contrato de trabalho»13.
Este conceito jurídico-constitucional não se afasta muito das conceções sincréticas do quotidiano. A literatura jurídico-laboral, como dá conta ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, «documenta cabalmente essa universalidade de entendimento: a greve é definida como “a suspensão coletiva e concertada da prestação de trabalho por iniciativa dos trabalhadores” (ALoNso OLEA); ou como “uma suspensão do trabalho efetuada de modo planeado e conjunto por uma pluralidade de trabalhadores para a obtenção de uma finalidade” (Box/RuTHER5)» 14. Não admira por isso mesmo que, ainda segundo o mesmo autor, «a greve em sentido jurídico só é preenchida por comportamentos conflituais consistentes na abstenção coletiva e concertada da prestação de trabalho, através da qual um grupo de trabalhadores intenta exercer pressão no sentido de obter a realização de certo interesse ou objetivo comum»1 5,
Na mesma linha, relativamente consensual e até similar na doutrina portuguesa laboral, BERNARDO LOBO XAVIER considera como greve a «abstenção da prestação do trabalho, por um grupo de trabalhadores, como meio de realizar objetivos comuns» 16, PEDRO ROMANO MARTINEZ define a greve «como a abstenção concertada da prestação de trabalho a efetuar por uma pluralidade de trabalhadores com vista à obtenção de fins comuns» 17 e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO fala de «abstenção coletiva e concertada da prestação de trabalho por um conjunto de trabalhadores com vista à satisfação de objetivos comuns».
Também a jurisprudência, certamente influenciada pela doutrina, caminha no mesmo sentido, definindo greve «como a abstenção concertada da prestação de trabalho por um conjunto de trabalhadores, que tem como objetivo imediato pressionar o empregador para a prossecução de determinado fim»’9. De todo o modo, tendo que decidir as particularidades do caso concreto, não se esquece de perguntar «quando é que se está perante uma greve?» e de afirmar: «A greve importa uma abstenção ao trabalho, abstenção essa que deve ser total da atividade do trabalhador (pois o direito à greve não é um direito das associações sindicais mas dos trabalhadores), com exceção dos serviços mínimos, pois que implica a suspensão do contrato de trabalho do trabalhador aderente. Durante a greve mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, incluindo dos trabalhadores, que não pressuponham a efetiva prestação do trabalho»”.
2.1. Todas estas definições, pelo seu caráter conciso, geral e abstrato, acabam por não ter grande utilidade prática no delicado momento de decidir (retomando as palavras de kl. GOMES CANOTILHO e de JORGE LEITE) «quais são as ações que o sistema coloca ao abrigo da respetiva lei e quais são as ações dela excluídas». A delimitação da verdadeira área de tutela típica do direito de greve (art. 57.° CRP) é essencial para determinar quando estamos perante condutas integrantes do direito de greve e perante condutas próximas, semelhantes ou análogas, que, todavia, não estão nele contidas e, logo, não beneficiam da sua proteção jurídica. Neste sentido, procurando resolver este escolho, MARIA Do ROSÁRIO PALMA RAMALHO, decompõe esta noção genérica em vários elementos, de acordo com diferentes critérios:
«de acordo com um critério subjetivo, que tem em conta a titularidade do direito, a greve é um direito dos trabalhadores subordinados;
tendo em conta o critério do caráter coletivo do comportamento grevista e a necessária c❑ncertação dos trabalhadores neste fenómeno, a greve é um direito coletivo;
de acordo com o critério dos meios, que valoriza o comportamento típico dos trabalhadores na greve, a greve implica uma abstenção do trabalho;
– por fim, pelo critério dos objetivos, a greve tem um objetivo imediato e um objetivo mediato ou final: o objetivo imediato é causar um prejuízo ao empregador, ou, pelo menos, exercer pressão sobre ele; o objetivo mediato ou final é conseguir a satisfação da pretensão dos trabalhadores que esteve na origem do conflito».
Desta forma, atento o critério dos meios, são doutrinalmente (não sem algumas controvérsias e divergências insanáveis) excluídas da área de tutela típica as greves impróprias (parciais, de rendimento, de zelo, de amabilidade) e algumas das greves atípicas, que com a mínima perda de salário possível, procuram provocar o mesmo prejuízo ao empregador. Em certos casos extremos, a singularidade dos comportamentos anunciados ou, depois, executados pelos grevistas afasta-os, assim, segundo alguma doutrina, do «quadro mínimo imposto necessariamente na noção juridicamente relevante de greve»22, tornando tais comportamentos ilícitos.
3. Para além desta delimitação interpretativa do seu verdadeiro âmbito de tutela, o direito de greve não é, obviamente, um direito absoluto, imune a quaisquer restrições ou limites. Como já teve oportunidade de acentuar este Conselho Consultivo, «o direito de greve, mesmo ao nível da definição constitucional, não se move “numa atmosfera rarefeita sem conexão com o ordenamento jurídico”; mas cada direito interage em conexão dinâmica com os demais, verificando-se situações da colisão concreta entre direitos ou valores constitucionalmente protegidos a impor a coordenação dos vários direitos fundamentais, não através de uma relação de hierarquia de valores, mas por meio de uma harmonização prática no quadro de unidade de sistema de direitos e valores constitucionalmente protegidos.
Os direitos fundamentais têm, assim, os seus limites imanentes, que se revelam quando conflituem com outros direitos essenciais no caso de colisão de direitos, por necessidade de defesa de outros direitos constitucionalmente protegidos.
O direito de greve tem, também, traçados os seus próprios limites (limites imanentes aos direitos fundamentais), pois nenhum direito constitucional se apresenta como direito ilimitado.
Na dogmática dos limites do direito de greve, distinguem-se os limites externos dos limites internos.
Os limites externos resultam da comparação – e do eventual conflito – entre o direito constitucional de greve e outros direitos (por isso, limites externos), de igual garantia constitucional; da comparação entre os valores e interesses tutelados pelo direito de greve e outros valores e interesses com idêntica dimensão material na perspetiva da sua relevância constitucional. Uns e outros limitar-se-ão reciprocamente, coordenando-se perante um eventual conflito, sem sacrifício absoluto (salvo em extremas situações) de uns em relação aos outros.
Os limites internos, por seu lado, derivam da própria noção (do conceito) e dos próprios princípios da greve, no que respeita à natureza, conteúdo, e modalidades do respetivo exercício.
Não estando fixados limites diretos ao direito de greve, não pode a lei determiná-los enquanto possa atingir o núcleo constitucional do direito.
Mas, enquanto derivação constitucional direta (conexão com outros direitos constitucionais), ou por derivação constitucional mediata ou indireta (conexão com bens ou valores constitucionalmente protegidos), a lei pode intervir nessa interrelação valorativa, como concretização das limitações impostas pela consideração material possível (e harmonização prática) dos valores eventualmente em conflito no quadro da unidade do sistema constitucional -artigo 18.°, n.°s 2 e 3 da Constituição.
A vida, a liberdade, a saúde, a tranquilidade pública, a segurança dos cidadãos a preservação dos suportes de emprego e da economia, constituem direitos e valores cuja proteção o sistema constitucional assegura e que, por isso, devem ser conjugados, em necessária harmonização axiológica, com as condições particulares e específicas do exercício e do desenvolvimento concreto do direito de greve.
A consideração dos limites do direito de greve tem sido sobretudo desenvolvida a propósito do exercício do direito no domínio de atividades que são caracterizadas como serviços essenciais da comunidade»23. Nestas situações paradigmáticas, para não aniquilar, por completo, esses direitos conflituantes com o exercício do direito de greve (v.g. o direito à vida) é necessário, como veremos infra’, fixar serviços mínimos, com caráter mais ou menos alargado, consoante os bens em causa e a duração previsível da greve anunciada.
3.1. Isto mesmo foi depois consagrado na atual versão da Constituição da República Portuguesa, pelo artigo 31.° da Lei Constitucional n.° 1/97, de 30 de setembro, que deu a seguinte redação ao atual artigo 57.°, n.° 3: «A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis».
4. Ademais das situações em que não estamos perante uma conduta integrável no conceito jurídico-constitucional de greve protegido pelo artigo 57.° da Lei fundamental ou dos casos em que este direito tem que ser harmonizado ou conjugado com outros direitos constitucionais, existem outras formas do exercício do direito de greve como as que apenas procuram «produzir danos injustos e desproporcionados para o dador de trabalho, para terceiro ou para a própria coletividade, nomeadamente quando resultantes do propósito de desorganização da produção e de sabotagem da economia»25. Inclui-se, aqui, uma multiplicidade de situações, que, pela sua importância para a resolução das questões que ora nos são colocadas, importa dissecar, como a violação da boa-fé negociai, a violação da paz social, a violação do princípio da proporcionalidade, mas também a duração indeterminada da greve anunciada ou, mesmo, o abuso do direito. A licitude/ilicitude destas formas extremas de luta tem sido intensamente debatida pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, não sendo, mesmo assim, os resultados obtidos sempre uniformes. Nalguns casos o caráter lícito ou ilícito da greve permanece em aberto.
4.1. Além de ser um princípio geral do direito civil, a boa-fé também tem um papel fundamental no direito laborai, incluindo no direito de greve. Na verdade, na formação e na execução do contrato de trabalho: «o empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações» (art. 126.° do Código do Trabalho) e estão sujeitos aos usos laborais que não contraírem a boa-fé (art. 1.°). O mesmo acontece em sede de negociação coletiva (art. 489.°, n.° 127) e, sobretudo, atento o objeto deste parecer, «na pendência de um conflito coletivo de trabalho»» (art. 522.028).
Como consequência destas exigências, gerais e especiais, de boa-fé, o exercício do direito de greve deverá ser precedido do respetivo pré-aviso29 e a efetiva execução posterior da mesma deverá tomar em consideração a lealdade, a probidade e a boa-fé’. Assim, por exemplo, «a fragmentação do exercício de direito que se revelaria se o trabalhador, durante o período fixado no pré-aviso, pudesse aderir (e deixar de aderir) a uma greve declarada, nos termos que entendesse, as vezes que quisesse e pelos períodos que lhe aprouvesse» não se coaduna com a boa-fé e a probidade.
Na verdade, na fórmula de PEDRO ROMANO MARTINEZ, do artigo 522.° do Código do Trabalho «decorre, em especial, que tanto os sindicatos no que respeita à declaração de greve como os trabalhadores ao exercerem o direito de greve devem atuar segundo padrões de boa-fé e não, nomeadamente, com o intuito de causar o maior prejuízo possível ao empregador ou de beneficiar terceiro». Relembrando os princípios gerais do direito civil, também aqui «quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte» e quem cumpre uma obrigação ou exerce o direito correspondente deve, igualmente, agir de boa-fé (arts. 227.°, n.° 1 e 762.°, n.° 2, do Código Civil, respetivamente). Uma greve que viole o princípio da boa-fé pode, assim, em casos extremos, ser considerada ilícita.
De todo o modo, mesmo assim, é evidente que não basta uma simples rotura das negociações para que se possa considerar a greve como ilícita por violação do princípio da boa-fé. «A greve não corresponde ao culminar de um processo negociai fracassado; pode surgir antes, durante ou depois das negociações, até como forma de pressionar o empregador em determinado sentido. A greve depende apenas de um juízo de oportunidade, que cabe aos trabalhadores. Ou seja, a greve pode ser declarada, não por se ter chegado a um impasse nas negociações, mas porque se julgou oportuna esta forma de luta. Mesmo que as partes interessadas estejam a negociar, os trabalhadores podem recorrer à greve como forma de pressionar o empregador a ceder às suas pretensões, sem que isso constitua necessariamente uma violação da boa-fé (art. 522.a do CT)»34. A sua violação deverá, por isso mesmo, assumir alguma gravidade.
4.2. Apesar de ser irrenunciável (art. 530.°, n.° 3, do Código do Trabalho), o legítimo exercício do direito de greve poderá ser, ainda, limitado pela existência de uma cláusula de paz social (Friedenspflicht) relativa: nos termos de tais cláusulas (reguladas no art. 542.° do Código do Trabalho’) «as associações sindicais comprometem-se a, durante a vigência do instrumento de regulação coletiva onde foi aposta não declarar nenhuma greve com a finalidade de introduzir alterações ao conteúdo do instrumento de onde a cláusula consta». A celebração de uma convenção coletiva de trabalho deverá, normalmente, contribuir para a criação e manutenção de um clima de harmonia, concórdia nas relações entre trabalhadores e empregadores. Por isso mesmo, «na medida em que estas cláusulas instituem um dever para as partes (no caso para o sindicato ou sindicatos outorgantes), a sua violação corresponde a um incumprimento da convenção nos termos gerais, pelo que a greve decretada em inobservância deste tipo de cláusula terá que ser qualificada como uma greve ilícita». A irrenunciabilidade do direito não impede a sua restrição através de um instrumento de regulação coletiva.
4.3. A desproporção entre a perda salarial assumida pelos trabalhadores grevistas e o prejuízo causado à entidade patronal ou a terceiros não tem sido, entre nós, considerado como fundamento suficiente para considerar a greve como ilícita. Como referiu este Conselho Consultivo «quanto ao desequilíbrio que se verifica entre o valor das perdas para os trabalhadores e o valor dos prejuízos causados ao empregador o mesmo não é causa de ilicitude daquelas modalidades de greve, uma vez que, na nossa lei, o direito de greve não está condicionado por nenhum requisito de proporcionalidade que pondere o prejuízo sofrido pelo empregador, uma vez que este, independentemente da sua dimensão, já é um elemento inerente à realização de uma greve».
Com efeito, «o princípio da proporcionalidade é, enquanto sub-princípio do Estado de Direito, um instrumento, por excelência, de limitação do poder do Estado e é nessa qualidade que, de uma aplicação originária no Direito de polícia, ele se generaliza a todos os domínios do Direito Público, particularmente ao Direito constitucional onde desenvolve a plenitude da suas virtualidades enquanto princípio limitativo do poder estadual de restrição das liberdades. A sua recuperação como limite do exercício dos direitos fundamentais por parte dos particulares constituiria uma inversão radical do seu sentido essencial de Rechtsstaatlichkeit, só verdadeiramente compatível, no limite, com uma identificação da garantia de um direito fundamental com a concessão de uma competência ou de um dever funcional a exercer no interesse público, mais própria da visão romântica de NOVALIS de cada cidadão como funcionário do Estado que da conceção de um Estado de Direito em que o cidadão determina livremente e sem interferência estadual o sentido último que pretende dar à sua liberdade».
Uma tal «utilização anómala do princípio da proporcionalidade teria consequências particularmente perigosas ou redutoras no domínio de direitos fundamentais cujo exercício, como acontece no direito à greve, só tem verdadeiramente sentido útil quando provoca danos»39. Uma greve sem prejuízos nenhuns será uma coisa inconcebível do ponto de vista teórico e inconsequente do ponto de vista prático. Quanto maiores forem os seus prejuízos maior será, em princípio, a sua eficácia.
Isto não significa, todavia, que, apesar de se considerarem lícita estas greves, a proporcionalidade dos prejuízos não deva, depois, ser considerada em sede de fixação dos serviços mínimos, nomeadamente para efeitos da aferição da necessidade da restrição do direito de greve para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.°, n.° 2, CRP).
4.4. A duração ilimitada da greve, embora possa ser um indício do seu abuso’, também não constitui per si motivo para a declarar ilícita. «Não é possível, na falta de regulamentação legal, limitar arbitrariamente a duração da greve, assinalando-lhe um máximo ou um mínimo; a noção de duração não intervém na definição da greve, e tanto a jurisprudência como a doutrina não lhe reconhecem limitações»41. De facto, nem a Constituição, nem o Código do Trabalho impõem qualquer limitação máxima (ou, sequer, mínima) para a duração da greve, limitando-se o artigo 539.° daquele a prescrever que: «a greve termina por acordo entre as partes, por deliberação de entidade que a tenha declarado ou no final do período para o qual foi declarada». Quer isto dizer que a greve pode ter – como aqui sucede – uma duração indeterminada.
4.5. Finalmente, importa fazer alusão às situações em que – pela forma como é exercido – o direito de greve se transforma irremediavelmente em abuso. Com efeito, embora repudiado por alguma literatura jurídica’, a doutrina constitucional e laborai e, mesmo, este Conselho Consultivo têm apelado à figura do abuso de direito, como forma de resolver certas situações excecionais, que não merecem a tutela jurídico-constitucional da greve.
Assim, segundo JORGE REIS NOVAIS, em certas situações será necessário invocar a «proibição de “exercício malicioso”, de fraude à lei ou de aproveitamento mal intencionado da letra da lei para obter ganhos injustificados porque diversos dos que são protegidos pelo direito fundamental em questão. Isto significa que, independentemente de haver ou não lesão de outros interesses, de os interesses eventualmente lesados prevalecerem ou não, abstrata ou concretamente, sobre os interesses subjacentes ao exercício do direto, é possível e constitucionalmente justificado, com base na proibição de abuso de direito, limitar ou restringir um exercício abusivo do direito à greve».
Já na doutrina laboral, BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER classifica como abusivas aquelas «formas por – parecendo preencher embora os elementos do conceito de greve (abstenção concertada da prestação do trabalho, na sua globalidade, por um grupo de trabalhadores para pressionar no sentido da obtenção de reivindicações) – serem levadas a efeito de modo particularmente lesivo para as empresas onde ocorrem, seguindo um plano de paralisação da produção com perdas mínimas de salários para os grevistas implicados no processo»”.
Este Conselho Consultivo, por seu turno, defendeu que em certos casos, «a realidade (…), amparada ainda sob a designação metalinguística de greve, não tem suporte nem correspondência no conceito normativo; os comportamentos referidos não poderão pretender beneficiar dos efeitos jurídicos que a lei liga ao exercício do direito de greve (…) Tal modo de atuação, supondo que ainda pudesse ser considerado exercício do direito, revelar-se-ia manifestamente contrário aos limites impostos pela boa-fé e pelo fim social desse direito, em termos de configurar uma situação de abuso de direito – artigo 334° do Código Civii»45. Em síntese, uma coisa é o uso legítimo e irrenunciável do direito de greve (art. 57.° CRP), enquanto direito fundamental no quadro de um Estado de direito; outra coisa, bem diferente, será o seu inadmissível abuso.
IV
A licitude/ilicitude da greve anunciada?
Munidos com este lastro dogmático mínimo, importa agora discutir «se a greve decretada pelo SNMMP e pelo SIMM, convocada para ❑ próximo dia 12 de agosto de 2019 e por tempo indeterminado, se compreende no perímetro delimitado pela lei ou se, ao invés, por não se conter nos limites legalmente estabelecidos, deve ser tida como ilícita?»
1. Infrutífera parece ser, desde logo, qualquer tentativa de qualificar esta greve como ilícita, por alegada violação de pretensas cláusulas de paz social vinculativas. Com efeito, os protocolos celebrados entre a ANTRAM e o SNMMP e entre a ANTRAM e o SIMM, comprometendo-se todos os signatários a manter, durante o processo negociai que estava em curso, um clima de diálogo e de paz social, não são Convenções (arts. 485.° e ss. do CT), não desencadeando o seu incumprimento a ilicitude da greve, por violação das obrigações assumidas nos termos do artigo 542.° do Código do Trabalho.
A violação destes protocolos ou acordos iniciais, que podem incidir sobre o procedimento negociai (art. 489.°, n.° 1), sobre os prazos de vigência da proposta e/ou resposta (art. 487.°, n.° 1) ou sobre matérias como a retribuição, a duração e organização do tempo de trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho (art. 488.°, n.° 2), apenas poderá (segundo alguma doutrina) constituir uma violação da boa-fé e desencadear responsabilidade in contrahendo, nos termos do artigo 227.° do Código Civil46. Como a Convenção ainda não está celebrada, a greve desencadeada à revelia daqueles protocolos e acordos preliminares poderá violar a boa-fé, mas não é per si, ipso facto, ilícita. 56 a efetiva celebração da Convenção, pode desencadear efeitos normativos (art. 476.°), assim tornando a greve contrária ao Código do Trabalho e como tal ilícita.
2. Da mesma forma, também parece ser de excluir, liminarmente, qualquer possibilidade de qualificar esta greve como ilícita por causa da desproporção entre os benefícios obtidos e prejuízos que muito provavelmente irá causar. O princípio da proporcionalidade não tem aqui – insistimos – aplicação. Retomando o pensamento de JORGE REIS NOVAIS, «no plano teórico, uma tal transposição desse entendimento do princípio da boa-fé, admissível nas relações entre privados enquanto garantia do equilíbrio de posições recíprocas equilibradas, para o domínio do exercício dos direitos fundamentais onde pela natureza das coisas não há equilíbrio entre cidadão e Estado, entre indivíduo e comunidade, entre minoria e maioria, entre trabalhador e entidade pública ou privada objetivamente suscetível de atentar contra os seus direitos fundamentais, é radicalmente incompatível com a conceção, que consideramos própria de Estado de Direito, de direitos fundamentais que, embora limitados e restringíveis, são essencialmente concebidos como trunfos que preservam a liberdade individual contra atuações do Estado, contra a promoção de bens coletivos e contra a decisão política da maioria».
Fazer intervir aqui ❑ princípio da proporcionalidade levaria, em última análise, atentos os prejuízos prováveis, à ilegalização inadmissível de toda e qualquer greve dos motoristas ou de qualquer outra atividade económica vital (v.g. controladores de tráfego aéreo, médicos, fornecimento de energia). Como aqui os danos potenciais são sempre incomparavelmente mais elevados, a greve seria sempre ilegal.
3.Em terceiro lugar, também a duração indeterminada da greve anunciada é per si insuficiente para a qualificar como ilícita. Como já referimos, nem a Constituição, nem o Código do Trabalho impõem qualquer limite de duração máxima de uma greve. Sem prejuízo do que se dirá a seguir, está na disponibilidade dos trabalhadores, estender o seu protesto pelo tempo que entenderem necessário à salvaguarda ou à conquista dos direitos em causa. A duração ilimitada do seu protesto pode, insistimos, ser um indício do caráter abusivo da greve, mas por si só não a torna, de forma alguma, ilícita.
Nestes casos, o que se impõe é, porventura, como já preconizou este Conselho Consultivo, um progressivo alargamento dos serviços mínimos, à medida que a situação de greve se prolonga, culminando no limite, com a inexistência de uma qualquer diferenciação entre estes e os serviços normais.
4. Solução diferente poderá resultar da conjugação da boa-fé negociai com a figura do abuso de direito (art. 334.° do Código Civil), que torna «ilegítimo o exercício de um direito, quando ❑ titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». De facto, considerando a conjugação da frustração da confiança criada com a celebração daqueles protocolos negociais (culpa in contrahendo), com a inesperada quebra das negociações, com as razões invocadas para ❑ efeito, com a duração ilimitada e a oportunidade escolhida para a realização da greve, com a sua utilização como instrumento de pressão junto de um terceiro, alheio ao conflito e, mesmo com outros fatores que não cabe a este Conselho Consultivo apurar, poderá, em última análise, em casos extremos e excecionais, chegar-se à conclusão de que estamos no limite entre aquilo que é admissível e aquilo que é uma utilização abusiva, por contrária à boa-fé do direito de greve. Retomando uma fórmula antiga deste Conselho Consultivo, parece estar no intuito do grevistas «produzir danos injustos e desproporcionados para o dador de trabalho, para terceiro ou para a própria coletividade, nomeadamente quando resultantes do propósito de desorganização da produção e de sabotagem da economia»”. De todo o modo, o apuramento dessa matéria de facto e a consequente aplicação do direito será uma função judicial, baseada nas circunstâncias específicas de cada caso concreto, que extravasa as competências deste Conselho Consultivo.
Isto não significa, como é óbvio que estes motoristas não tenham o direito constitucional de greve. Tal como a qualquer trabalhador a Lei fundamental reconhece-lhes esse direito irrenunciável (art. 57.°): o mesmo deverá, todavia, ser exercido de boa-fé.
V Consequências da ilicitude da greve
Ultrapassada a primeira questão, importa, agora, discutir a segunda questão colocada por V.Ex.a, nomeadamente a de saber (se a greve for, por hipótese, considerada ilícita) «quais as consequências que decorrem para os trabalhadores que a ela adiram, designadamente nos planos da responsabilidade disciplinar e da responsabilidade civil extracontratual? Em concreto, deve a ausência dos trabalhadores por motivo de adesão a esta greve considerar-se como falta injustificada? E quais as respetivas implicações no âmbito da relação laborai? Podem os sindicatos que decretaram a greve e os trabalhadores que à mesma adiram ser responsabilizados, e em que termos, pelas consequências sociais e económicas que uma eventual perturbação do abastecimento de bens ou da prestação de serviços essenciais possa vir a ter?
1. Nos termos do artigo 541.0, do Código do Trabalho («efeitos de greve declarada ou executada de forma contrária à lei»): «a ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se falta injustificada»’. Consequentemente, as respetivas entidades patronais podem, se assim o entenderem fazer, considerar essas faltas como injustificadas.
A falta injustificada, além do desconto do tempo de greve na retribuição (art. 536.°, n.° 1) e na antiguidade (art. 256.°, n.° 1), determina a qualificação da ausência como infração disciplinar, com a inerente possibilidade de aplicação de uma sanção, a qual variará consoante o número de dias de falta e outras circunstâncias que influam na gravidade do comportamento do trabalhador, mas pode culminar com o despedimento por justa causa (art. 351.°, n.° 1). Porém, ainda que a greve seja ilícita, o desconhecimento desculpável dessa ilicitude, poderá afastar a aplicação de uma pena disciplinar’.
Para além da eventual responsabilidade disciplinar, a adesão do trabalhador a uma greve ilegítima também o poderá fazer incorrer em responsabilidade civil extracontratual (art. 483.° do Código Civil), no caso se verifiquem os respetivos pressupostos, relativamente a danos resultantes da falta do trabalhador. Porém, o desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve terá, igualmente, também aqui, influência ao nível da culpa.
2. A remissão para o instituto da responsabilidade civil, constante do artigo 541.°, n.° 2, do Código do Trabalho, também pode abranger as organizações sindicais que decretaram e geriram essa greve”, as quais podem ser responsabilizadas pelos prejuízos causados por essas greves, desde que a sua conduta preencha os pressupostos exigidos pelo artigo 483.° do Código Civil.
VI Serviços mínimos, requisição civil e mobilização
Resta, finalmente, atendendo ao impacto social da greve, abordar «os poderes e meios ao dispor do Estado para garantir (i) a reposição da legalidade, (ii) a salvaguarda de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, como sejam a proteção da vida, saúde e integridade física das pessoas ou o direito fundamental de deslocação, (iii) o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público e a não paralisação de setores vitais da economia nacional, bem como (iv) o imperativo de prevenção, preparação e combate a catástrofes naturais (v.g., incêndios florestais) ou outros eventos de proteção civil?»
1. O direito de greve não é, como já vimos absoluto”. «Coexistindo com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, pode ser objeto de restrições em sentido amplo que afetam desvantajosamente o seu âmbito e conteúdo. Assim, para defesa de outros direitos constitucionais que possam vir a ser seriamente afetados pelo exercício do direito de greve, revela-se forçoso admitir contrações a este último, num balanceamento concreto com os “direitos dos outros”. Necessário é que essas restrições obedeçam às exigências impostas no artigo 18.°, n.° 2, da Constituição»54. O próprio artigo 57.°, n.° 3, da Lei fundamental, aditado na Revisão de 1997, remete para a lei a definição das condições de prestação, durante a greve, de serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis e, por sua vez, o artigo 537.° do Código do Trabalho’ concretiza essa remissão, especificando, nomeadamente, por reporte a determinados setores de atividade, as empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
A obrigatoriedade dos grevistas prestarem os serviços mínimos que se mostrem indispensáveis para assegurar as prestações indispensáveis para salvaguardar a vida, a saúde ou a integridade física das pessoas é, atenta a extensão desses mesmos serviços, uma significativa restrição ao direito de greve, carecendo, para ser válida, do teste de proporcionalidade exigido pelo artigo 18.0, n.° 2, da Lei fundamental e concretizado pelo artigo 538.°, n.° 5, do Código do Trabalho, podendo, em casos extremos, no limite corresponder à manutenção da normalidade de funcionamento.
Assim, no caso de uma greve que afete a vida, a saúde e a integridades física das pessoas, bem como o regular funcionamento de setores essenciais de interesse público e da economia nacional, provocando prejuízos desmesurados, os serviços mínimos podem e devem ser mais extensos. Só assim será, nos termos do artigo 18.°, n.° 2, da Lei fundamental, possível salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
2. O Código do Trabalho prevê especificamente no seu artigo 541.°, n.° 357, a possibilidade de o Governo recorrer à requisição civil ou à mobilização, para pôr cobro a uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do dever de prestação dos referidos serviços mínimos que visem satisfazer as mencionadas necessidades sociais impreteríveis.
2.1. A requisição civil é um instrumento de utilização excecional, previsto no Decreto-Lei n.° 637/74, de 20 de novembro, que compreende a possibilidade de o Governo adotar um conjunto de medidas, entre as quais a requisição da prestação de serviços individuais ou coletivos, para, em circunstâncias particularmente graves, assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de setores vitais de economia nacional, «cuja paralisação momentânea ou contínua acarretaria perturbações graves da vida social, económica e até política em parte do território num sector da vida nacional ou numa fração da população» .
2.2. já a Lei n.° 20/95, de 13 de julho, regula a mobilização e a requisição no interesse da defesa nacional, nomeadamente a mobilização civil com vista à «obtenção e afetação dos recursos humanos que se tenham tornado imprescindíveis para o regular funcionamento das estruturas empresariais ou de serviços, civis ou militares, públicos, privados ou cooperativos, necessários à integral realização dos objetivos permanentes da política de defesa nacional, bem como o reforço e adaptação dos mesmos, conforme as circunstâncias o determinem» (art. 28º)
2.3. O Código do Trabalho prevê especificamente a aplicação destas medidas «em caso de incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos» (art. 541.°, n.° 3) não sendo assim, em princípio, admissível que as mesmas possam ser, imediatamente, convocadas para salvaguardar direitos constitucionais afetados pelo exercício do direito de greve. Em causa está um recurso de ultima ratio, necessariamente subsidiário e sucessivo”. O Governo pode recorrer à requisição civil quando os serviços mínimos não tenham sido cumpridos. «Assim, a requisição civil não poderá ser utilizada como primeira medida de resolução de uma situação em que o exercício do direito de greve faça perigar outros direitos constitucionais, em domínios essenciais da vida social, a qual caberá sempre ao estabelecimento de serviços mínimos que minorem esses perigos, com maior ou menor nível e extensão, podendo a requisição civil ser apenas utilizada, nessas situações, para pôr termo a uma situação de incumprimento ou cumprimento defeituoso daqueles serviços mínimos, isto é como meio coercivo da sua execução».
A execução de uma greve que ameace o regular funcionamento de certas atividades fundamentais, cuja paralisação momentânea ou contínua acarrete perturbações graves da vida social, económica ou política, não pode, portanto, desencadear ab initio uma requisição civil, podendo esta ser utilizada se os serviços mínimos não forem voluntariamente cumpridos.
Voltando a convocar anterior doutrina preconizada por este Conselho «face ao papel dos serviços mínimos, enquanto modo de compatibilização de direitos em conflito e aos requisitos específicos da utilização da figura da requisição civil numa situação de greve, a possibilidade de ocorrerem perturbações particularmente graves no âmbito do direito de acesso à saúde, causadas pela duração de uma greve no setor hospitalar e também pelo período do ano em que a mesma vai ocorrer, deve ser prevenida através de um nível e extensão mais exigentes dos serviços mínimos fixados, apenas sendo possível o recurso ao mecanismo da requisição civil, caso se verifique uma situação de incumprimento ou cumprimento defeituoso dos serviços mínimos estabelecidos.
A requisição civil, enquanto medida excecional de ultima ratio, só deverá, aliás, ser utilizada, excecionalmente, em situações em que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso dos serviços mínimos sejam causadores de graves perturbações da vida social, como exige o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 637/74 de 20 de novembro, e após o insucesso de sérias interpelações admonitórias para cumprimento desses serviços».
Mesmo assim, a verdade é que, do ponto de vista jurídico-constitucional parece haver margem de disponibilidade para uma abordagem mais exigente, permitindo o recurso à requisição civil preventiva, num momento em que o dano ainda não se consumou, mas se prepara para consumar’. Estando em causa bens essenciais, mais vale prevenir do que remediar.
3. Do exposto conclui-se que o Governo só poderá recorrer à requisição, nos termos do Decreto-Lei n.° 637/74 de 20 de novembro, caso se verifique um reiterado incumprimento ou cumprimento defeituoso dos serviços mínimos estabelecidos, gerador de perturbações muito graves ou uma ameaça séria e iminente desse incumprimento, em situações em que exista uma necessidade imperiosa de assegurar, sem quaisquer hiatos temporais, os serviços mínimos, sob pena de não serem satisfeitas necessidades sociais impreteríveis.
VI
Conclusões
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1.º O direito de greve (art. 57.° CRP) é um direito fundamental, integrante do conjunto dos direitos, liberdades e garantias, diretamente aplicável e vinculante para entidades públicas e privadas e consubstancia uma parcela do princípio da socialidade, enquanto vertente fundamental do Estado de direito democrático;
2.º Nem a Lei Fundamental (art. 57.°), nem a lei ordinária (arts. 530.° a 543.° do Código do Trabalho e arts. 394.° a 405.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) definiram o direito de greve, remetendo essa tarefa essencial para a doutrina e, sobretudo, para o intérprete;
3.º O direito de greve é, doutrinal e jurisprudencialmente, definido como «abstenção coletiva e concertada da prestação de trabalho por um conjunto de trabalhadores com vista à satisfação de objetivos comuns», assim se excluindo da respetiva área de tutela as greves impróprias e as greves atípicas, que com a mínima perda de salário possível, procuram provocar o mesmo prejuízo ao empregador;
4.º O direito de greve não é um direito absoluto, imune a quaisquer restrições ou limites, devendo, em casos de colisão com outros direitos ou valores constitucionalmente protegidos, operar-se a devida harmonização prática, no quadro da unidade de sistema de direitos e valores constitucionalmente protegidos;
5.º Para além das situações em que não estamos perante uma conduta integrável no conceito jurídico-constitucional de greve ou dos casos em que este direito tem que ser harmonizado ou conjugado com outros direitos constitucionais, existem outras formas de declaração ou de exercício do direito que são consideradas abusivas;
6.º Uma greve que viole o princípio da boa-fé (art. 522.° do Código do Trabalho e art. 334.° do Código Civil) pode, em casos extremos e excecionais, ser considerada abusiva e, como tal, ilícita;
7.º O Conselho Consultivo não dispõe de elementos para afirmar que esta greve é ilícita;
8.º Segundo o artigo 541.°, n.° 1, do Código do Trabalho, a ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se como falta injustificada;
9.º A falta injustificada, para além do desconto do tempo de greve na retribuição e na antiguidade, determina a qualificação da ausência como infração disciplinar, com a inerente possibilidade de aplicação de uma sanção, a qual variará consoante o número de dias de falta e outras circunstâncias que influam na gravidade do comportamento do trabalhador;
10.º O eventual desconhecimento desculpável pelo trabalhador do caráter ilícito da greve, poderá, porém, ser ponderado como fundamento para a não aplicação de qualquer sanção;
11.º Para além da responsabilidade disciplinar, a adesão a uma greve ilegítima também poderá fazer incorrer o trabalhador aderente em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483.° do Código Civil, caso se verifiquem os pressupostos deste instituto, relativamente a danos resultantes da falta do trabalhador, podendo o desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve ser, igualmente, considerado, no domínio da culpa;
12.º O direito de greve, mesmo que regularmente exercido, pode estar sujeito a limites impostos por lei, nos termos autorizados pela Constituição, podendo ser fixados pelo Governo as condições de prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis;
13.º As organizações sindicais que decretaram e geriram essa greve, poderão também ser civilmente responsabilizadas pelos prejuízos causados por uma greve ilicitamente decretada ou executada, desde que a sua conduta preencha os pressupostos exigidos pelo artigo 483.° do Código Civil;
14.º No caso de uma greve que afete a vida, a saúde e a integridade física das pessoas ou o regular funcionamento de setores essenciais deinteresse público e da economia nacional, provocando prejuízos desmesurados os serviços mínimos podem e devem ser mais extensos, por forma a salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.°, n.° 2, CRP);
15.º O artigo 541.°, n.° 3, do Código do Trabalho permite ao Governo recorrer à requisição civil ou à mobilização, para pôr cobro a uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do dever de prestação dos referidos serviços mínimos que visem satisfazer as mencionadas necessidades sociais impreteríveis; e
16.º A requisição civil só deverá ser utilizada, excecionalmente, em situações em que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso dos serviços mínimos sejam causadores de graves perturbações da vida social, como exige o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 637/74, de 20 de novembro.
ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 08 DE AGOSTO DE 2019
(Lucília Maria das Neves Franco Morgadinho Gago)
(João Conde Correia dos Santos) Relato’.
(Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves)
(Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro)
(Maria de Fátima da Graça Carvalho)
(Eduardo André Folgue da Costa Ferreira)
e
Eduardo Cura Mariano Esteves)
(Maria Isabel Fernandes da Costa)
(EDUARDO ANDRÉ FOLQUE DA COSTA FERREIRA)
DECLARAÇÃO DE VOTO
1.Sem embargo de votar favoravelmente o parecer, tenho um entendimento, de certo modo mais restrito, a respeito da ilicitude da greve convocada por dois sindicatos de motoristas de transporte rodoviário de mercadorias perigosas por tempo indeterminado, com início em 12-08-2019.
2. Tal como se afirma no parecer, considero que um juízo de ilicitude da greve não diz respeito à função administrativa do Estado, cumprindo exclusivamente aos tribunais. Apenas os tribunais podem dirimir um conflito entre particulares por aplicação de normas de direito do trabalho.
3. Um juízo de legalidade da parte do Governo deve reservar-se para a hipótese de se verificar alguma infração de normas de direito público ou de serem identificadas perturbações graves na satisfação inadiável de necessidades coletivas elementares.
4. O parecer di-lo com clareza, antecipando aliás a consideração da inoponibilidade da respetiva homologação às partes em conflito, mas acaba por não retirar daí as conclusões que, a meu ver, decorrem, antes indicando que indícios múltiplos de ilicitude da greve anunciada podem justificar ou confortar a requisição civil prevista no Decreto-Lei n.° 637/74, de 20 de novembro.
5. Ora, o Governo, sem prejuízo da mediação entre associações de empregadores e sindicatos a que se dispôs, encontra-se perante greve ocorrida no setor privado, competindo-lhe uma posição de neutralidade. Aquilo que o Governo entender acerca da licitude ou ilicitude da greve não lhe faculta o tipo de intervenção para que se encontra habilitado perante greves na Administração Pública ou no setor empresarial do Estado e que comprometam a continuidade e universalidade dos serviços públicos.
6. A greve de motoristas dos pesados de mercadorias perigosas é diferente por isso das greves sobre as quais este corpo consultivo tem sido chamado a pronunciar-se com alguma frequência.
7. Tais greves, ocorridas em serviços públicos, conferem ao Governo posição diversa, de garantia imediata, enquanto empregador público e por se tratar da satisfação de necessidades coletivas assumidas diretamente pelo Estado. Refiro-me a greves de enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde, à greve de trabalhadores em funções públicas dos registos e a uma greve de docentes na rede de estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário.
8. Diante de conflitos coletivos no setor privado, a neutralidade do Governo deve dotar-se de cuidados e exigências acrescidos. Deve assumir uma posição em tudo imparcial, exceto para com o interesse público.
9. Por conseguinte, a eventual ilicitude da greve só relevaria para o desempenho das suas incumbências depois de transitar em julgado decisão judicial que providenciasse, a título cautelar ou definitivo, pela condenação das associações sindicais a suspenderem ou porem termo à greve que convocaram.
10. No mais, só o interesse público pode justificar da parte do Governo a adoção de medidas, com a menor limitação possível dos direitos dos trabalhadores.
11. A primeira dessas medidas encontra-se na definição dos serviços mínimos, por despacho conjunto fundamentado, uma vez que não se encontram definidos em instrumento de regulamentação coletiva e que não foi possível um acordo, tal como resulta do artigo 538.°, n.° 4, alínea a), do Código do Trabalho.
12. Refira-se porém que os promotores da greve não deixaram de propor uma definição de tais serviços quando do anúncio da greve, no pré-aviso, em assumindo, em alguns casos, prestações integrais por equivalência aos níveis de trabalho próprios de dias úteis.
13. Importa que tal definição unilateral pelo Governo seja adotada nos três dias após o aviso prévio e, do ponto de vista material, que observe os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (cf. n.° 5). Uma métrica que condiciona o exercício do poder público, mas que não pode servir de parâmetro no exercício de liberdades fundamentais.
14. Assim, pode o Governo adotar preventivamente tudo quanto não cerceie o direito de greve. Nesse plano, o Governo terá determinado a ativação da Rede Estratégica de Postos de Abastecimento, prevista na alínea a) do artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 114/2001, de 7 de abril, e regulamentada na Portaria n.° 469/2002, de 24 de abril, tal como já o terá feito.
15. De acordo com o artigo 199.°, alínea g), da Constituição, cumpre-lhe «praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas».
16. Depois, em segundo lugar, o Governo tem como especial incumbência acompanhar ativamente os efeitos da greve no setor diretamente afetado e em outros setores de atividade, em especial aqueles que também proveem à satisfação de impreteríveis necessidades sociais, mas sempre e apenas na perspetiva do interesse público, sem se substituir aos tribunais na administração da justiça e na garantia da segurança jurídica.
17. Desta competência decorrem medidas de simples prevenção e ordenação social, como também decorrem outras que, pelo carácter incisivo que revestem para o direito fundamental de greve, devem ser reservadas para circunstâncias extremas.
18. A requisição civil conta-se entre tais providências extremas, tanto quanto se mostre necessária e na estrita medida do necessário.
19.0 n.° 4 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 637/74, de 20 de novembro, contempla justamente a requisição civil de pessoas ou de empresas limitada «à prestação de determinados bens, isto é, à obrigação de executarem] com prioridade a prestação prevista com os meios de que dispõe[m] e conservando a direção da atividade profissional ou económica».
20. Sob tal contenção da requisição civil ao necessário e razoável, o Governo, no lugar de decretar a requisição civil por tempo indeterminado ou por um prazo longo, pode intercalar a medida. Pode nomeadamente deliberar a requisição civil até se mostrar retomada a regularidade nos fluxos de distribuição de combustíveis, sem impedir que, atingido esse padrão, os sindicatos reiterem o exercício do direito de greve, enquanto legítimo meio de luta dos trabalhadores.
21. Encontramo-nos, assim, no terceiro plano da intervenção do Governo e que merece uma outra aclaração.
22. Julgar e administrar são funções do Estado que, apesar dos mecanismos típicos da interdependência, de freios e contrapesos, conhecem âmbitos reservados próprios.
23. Se a jurisdição concernente à ilicitude da greve se encontra sob reserva tribunais — e excluída dos poderes de autotutela declarativa da Administração Pública — nem por isso a competência do Governo para requisitar civilmente depende de prévia decisão judicial.
24. Por conseguinte, a requisição civil inculca uma ponderação alheia à licitude ou ilicitude da greve em face das normas e princípios de direito privado.
25. A requisição é um poder de autoridade pública. Assenta no interesse público, na ordem pública e na proporcionalidade entre os meios e os fins, sem o que poderá ser anulada pelos tribunais administrativos.
26. Greves ilícitas podem, se o impacto for escasso, não justificar a requisição civil.
27. E, por seu turno, greves indubitavelmente lícitas podem revelar-se demasiado gravosas para a segurança de pessoas e bens ou para a satisfação de outras necessidades coletivas primárias, justificando a requisição total ou parcial dos trabalhadores.
28. É permitido ao Governo decretar a requisição civil ainda que os trabalhadores cumpram os serviços mínimos de modo escrupuloso, no caso de ocorrerem factos imprevisíveis que alteram significativamente a conjuntura ou no caso de se reconhecer que as estimativas que serviram ao cálculo dos padrões mínimos foram imprudentes, precipitadas ou por outra qualquer razão erróneas.
29. Um Indicador adequado para o efeito pode encontrar-se na avaliação dos serviços mínimos definidos para outros sectores de atividade, à margem da greve, e da medida em que possam estar a ser afetados. Sectores de atividade económica e social que, de igual modo, prestam serviços impreteríveis e inadiáveis. Verificando-se, por exemplo, que os hospitais, os aeroportos ou a proteção civil estão em risco iminente de ver comprometidos os seus próprios serviços mínimos, haverá uma razão válida para exercer a competência consignada pelo Decreto-Lei n.° 637/74, de 20 de novembro, mesmo que o sector em greve cumpra o nível mínimo de prestações que acordou ou lhe foi unilateralmente fixado.
30. Contudo, o receio de fortes perturbações no abastecimento de combustíveis não é fundamento bastante para uma suposta requisição civil, deliberada a título preventivo.
31. Escreveu-se e bem no parecer que tal modalidade deve ser guardada para situações muito excecionais.
32. Deste modo e sem a definição de serviços mínimos ter sido contestada nem se saber ao certo quantos trabalhadores estão dispostos a aderir à greve, seria inválida a resolução do Conselho de Ministros que adotasse imediatamente tal providência. Seria incongruente estabelecer serviços mínimos e, ao mesmo tempo, ignorar este facto e deliberar a requisição civil, ainda que cumprido o formalismo de um prévio reconhecimento da sua necessidade. É preciso dispor de informações — o volume da adesão, por exemplo — que só o início da greve permite dar a conhecer.
33. O Governo deve atuar em face da greve anunciada e sobre os seus efeitos como atuaria perante um acontecimento fortuito: uma crise de abastecimento por condicionalismos internacionais, um acidente industrial ou a interrupção de abastecimentos básicos por efeito de fenómenos climatéricos ou geofísicos.
34. De entre as reservas à licitude da greve consideradas pelo Governo, nada encontro que à partida permita formular um tal juízo, sem embargo de quanto antecipei acerca da competência para uma apreciação definitiva.
35. Isso não obsta a que o Conselho Consultivo emita um parecer de direito e que todos reconhecerão ter de basear-se no pedido de consulta, sem o contraditório das partes ordenados pelas normas processuais aplicadas nos tribunais.
36. Pode e deve este Conselho trabalhar os factos carreados pelo Governo com o pedido de consulta, desde que o faça, como fez, numa base condicional, hipotética e com a ressalva que vai consignada no parecer quanto aos efeitos que a homologação pode associar-lhe ou não.
37. O parecer indica textualmente que dispõe apenas dessa narrativa quanto aos factos, mas ganharia vigor ao assinalar a insuficiência das reservas, até porque o pedido de consulta não se abstém de antecipar algumas considerações valorativas acerca da greve, dos seus intentos, motivações, do processo negociai e do comportamento das partes.
38. Considera-se no parecer que nenhum dos indícios de ilicitude é suficiente para considerar ilícita esta greve, mas admite porém que a conjugação de todos eles e a posse de mais elementos acerca dos factos permitiria eventualmente chegar a um tal resultado.
39. Em meu entender, ainda que se provassem os factos descritos e que se conjugassem todos os supostos indícios estamos aquém de uma greve ilícita.
40. Se nenhum indício é por si suficiente, não poderia concluir-se pela ilicitude da greve. Os indícios relatados são autónomos entre si e embora possam complementar-se não ostentam nenhuma relação de interdependência, de subordinação entre si ou de precedência. Como tal, a conjunção dos mesmos dificilmente colmataria a inadequação individual, de cada um.
41. Alguns dos indícios descritos no pedido de consulta mostram-se pouco robustos e outros nem em abstrato, segundo entendo, poderiam indiciar a ilicitude.
42. O direito de greve incontroversamente tem limites e permite restrições consentâneas com o regime específico dos direitos, liberdades e garantias. Infringindo tais limites ou desconsiderando as restrições legítimas, ocorre abuso de direito ou atropelo da esfera de proteção da norma constitucional.
43. O abuso de direito concita um juízo acerca da função social e económica de cada direito, algo que é extremamente delicado transpor para direitos fundamentais configurados como liberdades. As liberdades caracterizam-se precisamente pela irrelevância jurídica das motivações que conformam o seu exercício, como ocorre com a liberdade de expressão, com a liberdade de associação ou com a liberdade de aprender e ensinar.
44. Contudo, o abuso de direito nem sempre configura um desvio funcional. De acordo com a pertinente disposição (artigo 334.° do Código Civil) o exercício abusivo pode decorrer simplesmente da preterição de deveres objetivos de boa-fé.
45. Pela sua própria formulação, no artigo 57.D, n.° 2, da Constituição, o direito de greve não se encontra adstrito a nenhuma função económica e social, posto que só aos trabalhadores compete definir os interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
46. Por conseguinte, tirar partido de certa conjuntura sazonal não viola deveres objetivos de boa-fé, a menos que avultassem em simultâneo bens jurídicos de natureza humanitária e a sua exploração assumisse um padrão usurário. Não parece o caso.
47.0 sentido de oportunidade apontado aos promotores da greve cabe inteiramente no aludido reduto da liberdade de conformação da greve, ainda que tirando proveito do alarme social por parte dos cidadãos em vilegiatura proporcionada por férias, do inconveniente para turistas e para empresários. Até este ponto são os inconvenientes da vida em sociedade, trazendo à luz as vantagens que quotidianamente deixámos, por força do hábito, de valorizar.
48. Não poderia censurar-se aos trabalhadores do turismo que marcassem greve na chamada época alta, como não poderia reprovar-se aos trabalhadores do comércio que procedessem de igual modo por ocasião do Natal. Censura juridicamente sustentada, pois o campo moral presta-se naturalmente a outros critérios ditados pela consciência individual.
49. A proximidade de dois atos eleitorais, em especial o sufrágio de âmbito nacional marcado para 6-10-2019 não pode, em Estado de direito democrático, impor limites mais severos ao direito de greve.
50. Ainda se a greve comprometesse o tempo oficialmente definido como campanha eleitoral, a questão poderia ser equacionada em outros termos, demonstrando-se que a liberdade de propaganda e o debate político ficavam cerceados. Contudo, estamos a mais de um mês de tal período e a disputa partidária que se faz sentir pode conviver com greves e confiar no discernimento livre e consciente dos eleitores.
51. Em todo o caso, nem a campanha eleitoral, muito menos a pré-campanha podem suspender o exercício de direitos e liberdades fundamentais de modo a resguardar a esfera política contra a intrusão de outros atores sociais. De outro modo, a Constituição teria consignado um regime de exceção para tais períodos ou teria estendido as restrições que reservou no artigo 270.° aos militares e aos agentes das forças de segurança.
52. Por outro lado, a suposta cláusula de paz social que inibiria o recurso à greve, em conformidade com o artigo 542.° do Código do Trabalho, só poderia invocar-se na eventualidade de ter sido consagrada na contratação coletiva e preterida por razões alheias ao cumprimento da própria convenção. O parecer vem até aqui, mas se é neste território acantonado que opera um tal compromisso, sob o risco de envolver renúncia a liberdades fundamentais, nunca poderia ser trazido para a qualificação da greve: a título individual ou conjugadamente.
53. Aliás, os compromissos preliminares assumidos em negociações coletivas de trabalho obedecem a um conjunto difuso de pressupostos e contingências que não podem ser aquilatados em pé de igualdade com as relações pré-contratuais civis ou comerciais.
54. O aludido compromisso em não recorrer à greve pode eventualmente justificar-se com factos que possam ter alterado o curso das negociações e aos quais importa reconhecer ampla folga segundo um princípio de adequação social. Eventualmente, a falta de mandato por quem outorgou.
55. Mas, o essencial quanto a este aspeto é, em minha opinião, reconhecer que a boa-fé no exercício do direito de greve dificilmente pode ser aferida a montante, nos seus antecedentes, sobretudo quando as negociações decorrem em condições muito peculiares, mais próximas da negociação política entre partidos do que da formação dos contratos civis, em geral. A rotura das negociações por meio da greve pode legitimamente
ocorrer como instrumento persuasivo.
56. Referia-se em seguida a questão das reivindicações salariais não para o ano económico em curso, não para o próximo ano, mas para 2021 e 2022. Independentemente da sua bondade, o litígio em torno de tais reivindicações mostra-se, a meu ver, legítimo.
57. São legítimas as reivindicações concernentes a condições laborais (remuneratórias ou outras) com projeção temporal distanciada, tanto quanto permitam ancorar expetativas legítimas dos trabalhadores, na melhoria das suas condições presentes ou futuras.
58. Se as reivindicações salariais citadas fossem antecipadas para o presente, é provável que ambas as partes as reconhecessem como incomportáveis. Pactuar que se cumprem a médio prazo pode constituir uma garantia adequada para os trabalhadores como contrapartida para anuírem em níveis salariais mais modestos no tempo intercalar.
59. já o carácter indeterminado do tempo por que a greve foi convocada permite indiciar alguma indiferença perante os sacrifícios pessoais e patrimoniais impostos a terceiros, conhecendo os sindicatos promotores a posição dominante em que se encontram numa sociedade e numa economia que permanecem vulneráveis ao abastecimento de combustíveis por estrada.
60. Se, em outras circunstâncias, e em outros sectores de atividade, a estipulação do tempo indeterminado no pré-aviso em nada compromete a boa-fé dos promotores da greve, no caso concreto há um fator de perturbação
civil ainda antes do início e que a indeterminação faz agravar no seu decurso até níveis preocupantes: o açambarcamento de combustíveis, a conflituosidade nos postos de abastecimento, o isolamento de algumas
populações, em especial se afastadas dos posto de venda em território espanhol.
61. De qualquer modo, tudo depende dos serviços mínimos estabelecidos e efetivamente cumpridos. E, na senda do que pude considerar, tal aspeto não confere ao Governo nenhuma prerrogativa qualificada sobre o exercício do
direito de greve. A eventual reparação de prejuízos por facto ilícito imputado aos promotores da greve e seus aderentes ou a cessação da greve por ilicitude dos comportamentos adotados ou das declarações prestadas só pode resultar de decisão judicial.
62. Em face do exposto, admitiria considerar que, em face dos elementos ao dispor deste órgão, a greve anunciada para 12-08-2018 por dois sindicatos dos motoristas de transporte de mercadorias, de momento, não incorre em ilicitude.