“Somente Alá merece ser adorado. E que a paz e as bênçãos estejam com o nosso profeta Maomé.” Um jihadista de joelhos, à sombra de uma árvore, tenta iniciar assim a sua declaração de lealdade ao Estado Islâmico (EI), quando é repetidamente interrompido pelo chilrear de um pássaro. O barulho distrai-o e faz com que, apesar da importância do tema, esqueça as palavras que tem de enunciar. Acaba mesmo por tirar uma folha do bolso da camisa, para ler o texto correto. “Tem calma”, diz-lhe um dos presentes.
Podia ser a cena de um filme ou até de um sketch humorístico mas trata-se de um vídeo verdadeiro de membros do Estado Islâmico — o jihadista em causa, ao que tudo indica, é Abu Muhammad al-Adeni. E a sua divulgação ganha particular relevância porque, segundo garante a investigadora de Oxford Elisabeth Kendall, foi a produtora da Al-Qaeda, a Hidayah Media Productions, que partilhou o vídeo. Intitulado “A realidade de Hollywood do grupo de Al-Baghdadi”, tem como objetivo descredibilizar o grupo terrorista rival.
#ISIS #Yemen thwarted by loudly squawking bird:
Heroic bird relentlessly drowns out ISIS-Y's attempt to renew allegiance to the caliph. Leader's feeble memory adds to the woes… These bodged "takes" didn't make it into the official video of this solemn event, released end July pic.twitter.com/8w7sp79LcL
— Elisabeth Kendall (@Dr_E_Kendall) August 13, 2019
Kendall partilhou o vídeo na sua conta de Twitter e explicou os pormenores: a gravação original, que data de setembro de 2017, terá provavelmente sido encontrada pela Al-Qaeda este verão, quando o grupo se apropriou do campo do EI em Qayfa, no Iémen. “Uma das coisas mais interessantes para mim nisto é o facto de a Al-Qaeda ser capaz de fazer uma contra-narrativa melhor do que nós, ao utilizar o humor e o gozo de uma forma muito inteligente”, declarou a investigadora de Árabe ao Independent.
O caso ganha particular relevância tendo em conta que os dois grupos estão numa “disputa mortal por território, recrutas e influência no Iémen”, relembra o The Telegraph. Ambas as organizações terroristas estão no país, atualmente mergulhado numa guerra civil que já matou milhares, tentando aproveitar o caos provocado pelo conflito entre os rebeldes houthis e a Arábia Saudita.
Iémen. Quem ‘alimenta’ a guerra no país com mais fome (e doenças) no mundo
A atividade de Al-Qaeda e EI na região é evidente: só no início deste mês, a Al-Qaeda atacou um campo de uma força militar treinada pelos Emirados Árabes Unidos (aliados da Arábia Saudita), matando 20 pessoas; no mesmo dia, o EI reivindicou um ataque a uma esquadra da polícia em Aden que matou 11 pessoas.
Na mesma altura, o Departamento de Estado norte-americano alertou para o renascimento da Al-Qaeda, ameaçada como principal força terrorista islâmica pelo crescimento do EI nos últimos anos. “A Al-Qaeda tem sido estratégica e paciente ao longo destes anos”, resumiu o coordenador de contraterrorismo da organização, Nathan Sales, de acordo com a Bloomberg. “Deixou que o EI absorvesse o impacto dos esforços mundiais de contraterrorismo enquanto se reconstituía pacientemente. Aquilo que vemos hoje em dia é uma Al-Qaeda forte como sempre foi.” De tal forma que utiliza todas as armas disponíveis, inclusive o humor, para atacar o grupo rival.