Uma troca de SMS alegadamente comprometedora entre Azeredo Lopes e o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro é uma das provas mais fortes reunidas contra o ex-ministro da Defesa no caso de Tancos. O Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária (PJ) encaram mesmo as afirmações escritas por Azeredo Lopes como uma confissão em versão de SMS de que estaria a par de todas as movimentações ilícitas da Polícia Judiciária Militar (PJM).
O ex-ministro Azeredo Lopes vai ser acusado pelo MP em regime de co-autoria com o coronel Luís Vieira (ex-diretor da PJM) e o major Vasco Brazão (investigador da PJM) dos crimes de denegação de justiça e prevaricação. Tiago Barbosa Ribeiro não é encarado como suspeito nestes autos e apenas será indicado como testemunha.
“Eu sabia (…) Mas, como é claro, não sabia que ia ser hoje.” Foi assim que Azeredo Lopes, então ministro da Defesa, confessou a Tiago Barbosa Ribeiro, ex-presidente da concelhia do PS Porto, o seu conhecimento sobre a investigação paralela e ilícita da PJM para descobrir as armas roubadas nos paióis de Tancos no dia 28 de junho de 2017.
Pior: Azeredo Lopes assumiu na troca de mensagens com o ex-presidente da concelhia do PS Porto que iria omitir ao Parlamento o seu conhecimento sobre as manobras da PJM. O deputado do PS nada disse perante essa segunda confissão do ministro da Defesa de António Costa.
A troca de SMS entre Azeredo Lopes e Tiago Barbosa Ribeiro ocorreu a 18 de outubro de 2017 — dia em que a PJM encontrou uma grande parte do armamento roubado numa quinta na Chamusca após uma denúncia anónima. De acordo com a acusação do Ministério Público, que deverá ser conhecida esta quinta-feira, esse ‘achamento’ das armas só foi possível após a equipa de investigação da PJM, em conjunto com diversos elementos da GNR de Loulé, terem desenvolvido uma negociação proibida pela lei com João Paulino, o ex-fuzileiro que liderou o grupo de assaltantes que roubaram cerca de 300 quilos em armas e explosivos dos paióis de Tancos.
Segundo os procuradores que investigaram o caso, Azeredo Lopes terá sido colocado a par de todas essas movimentações através do coronel Luís Vieira, então diretor da PJM.
O Observador tentou contactar telefonicamente Azeredo Lopes e Tiago Barbosa Ribeiro mas não teve sucesso até ao momento.
A conversa por SMS: “Venho ao Parlamento mas não poderei dizer o que te estou a contar”
Uma das provas que fundamentam a tese da acusação é precisamente a troca de mensagens entre Azeredo Lopes e Tiago Barbosa Ribeiro — que se conhecem das lutas políticas do PS Porto, onde Barbosa Ribeiro já foi presidente da concelhia socialista e continua a ser um homem importante de Manuel Pizarro (eurodeputado e presidente da Federação do PS Porto). Por exemplo, Azeredo Lopes marcou presença na noite das eleições europeias de maio na sede da Federação do PS Porto para comemorar a eleição de Pizarro como eurodeputado na companhia de Barbosa Ribeiro, como se vê nesta foto publicada no Facebook do deputado do PS.
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Foi ao final da manhã do dia 18 de outubro que a PJM decidiu enviar um comunicado para as redações a informar que, com a exceção das munições de 9 milímetros, o restante material militar furtado de Tancos tinha sido descoberto com a ajuda do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé, encontrando-se “nos paióis de Santa Margarida, à guarda do Exército”.
De acordo com a acusação, Tiago Barbosa Ribeiro enviou um SMS para Azeredo Lopes às 15h51 do dia 18 de outubro de 2017:
Parabéns pela recuperação do armamento, grande alívio…! Não te quis chatear hoje”, escreveu o deputado socialista.
O então ministro da Defesa respondeu dois minutos depois:
Foi bom: pela primeira vez se recuperou [sic] armamento furtado. Eu sabia, mas tive de aguentar calado a porrada que levei. Mas, como é claro, não sabia que ia ser hoje”, assumiu Azeredo Lopes
Tiago Barbosa Ribeiro, que não faz parte da Comissão de Defesa Nacional mas foi coordenador do PS da Comissão de Trabalho e Segurança Social nesta legislatura, perguntou de imediato:
Vens à AR [Assembleia da República] explicar?”
Azeredo Lopes confirmou que iria ao Parlamento, apesar de não adiantar qualquer data. E assumiu:
Venho [sic] mas não poderei dizer o que te estou a contar. Ainda assim, foi uma bomba”, escreveu o então ministro da Defesa.
O MP e a PJ interpretam estas declarações de Azeredo Lopes como uma confissão do então ministro da Defesa de que desejava omitir ao Parlamento todo o conhecimento que alegadamente tinha sobre a investigação paralela e ilegal da PJM e as negociações efetuadas com João Paulino, o líder dos assaltantes.
As primeiras declarações públicas que Azeredo Lopes fez sobre o chamado ‘achamento’ das armas foram nos Açores — oito dias depois do ‘achamento’ na Chamusca — para se congratular com a descoberta histórica da PJM. É “a primeira vez, que eu me recorde, em democracia, num furto desta natureza, de o material roubado ou furtado ter sido recuperado”, declarou o ministro.
Azeredo Lopes foi ao Parlamento a 8 de novembro para debater as Grandes Opções do Plano para a Defesa Nacional e chegou a ter uma reunião marcada para a Comissão da Defesa Nacional a 28 de novembro sobre o caso do ‘achamento’ das armas e regressou à AR no dia 8 de janeiro para prestar esclarecimentos sobre o mesmo assunto. As suas declarações foram sempre muito semelhantes às que prestou na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso de Tancos. Ou seja, sempre negou que tivesse tido algum conhecimento antecipado da investigação paralela que a PJM estava a fazer, alegando que só soube da mesma no próprio dia do achamento (18 de outubro de 2017) quando a então procuradora-geral Joana Marques Vidal lhe ligou para protestar veementemente contra as alegadas manobras da PJM à revelia do MP e da PJ civil.
[Vídeo: como Tancos tramou Azeredo]